A divergência surge no status ontológico dessa informação, levando a dois paradigmas biológicos conflitantes:
Paradigma químico: A vida como uma forma extremamente complexa de química.
Paradigma da informação: A vida como química mais informação, implicando uma diferença ontológica fundamental, onde processos informacionais como hereditariedade e seleção natural não se restringem à química.
Enquanto os defensores do paradigma químico veem a informação como uma metáfora linguística para inúmeras reações químicas subjacentes, os do paradigma da informação insistem em seu caráter real e fundamental, sem contudo prová-lo.
O artigo propõe uma solução para o problema ontológico da informação, argumentando que a vida é a fabricação de artefatos. Genes e proteínas são artefatos moleculares produzidos por máquinas moleculares, requerendo sequências e regras de codificação além das quantidades físico-químicas. A produção de artefatos introduz novas entidades observáveis, chamadas entidades nomináveis, que só podem ser descritas nomeando seus componentes em sua ordem natural.
Em conclusão, do ponto de vista ontológico, a informação é uma entidade nominável, um observável fundamental, porém não computável.

1. O Paradigma Químico: A Vida Reduzida à Química?
A ideia de que "a vida é química" não é nova. Suas raízes remontam a Jan Baptist van Helmont, um cientista do século XVII, e essa perspectiva tem sido ressuscitada inúmeras vezes ao longo da história da ciência. Um dos proponentes mais recentes dessa visão é Günter Wächtershäuser, que em seu trabalho argumenta que, se pudéssemos retroceder suficientemente no tempo, encontraríamos a origem da vida em processos puramente químicos. Em outras palavras, a vida, por mais complexa que pareça, seria fundamentalmente um produto de reações químicas que se tornaram auto-sustentáveis e evoluíram.
Em 1953, James Watson e Francis Crick fizeram uma descoberta crucial ao desvendarem a estrutura do DNA. Eles mostraram que os nucleotídeos, os blocos de construção dos genes, estão dispostos em uma ordem linear ao longo da dupla hélice do DNA. Poucos anos depois, o mecanismo da síntese de proteínas foi elucidado. Os cientistas descobriram que a sequência específica de nucleotídeos nos genes determina a sequência específica de aminoácidos nas proteínas. Esse processo pode ser visto como uma transferência de uma ordem linear da informação dos genes para as proteínas.
Essas descobertas deram origem ao que Barbieri chama de paradigma da informação. Essa perspectiva propõe que os sistemas vivos não são meramente máquinas químicas complexas, mas sim máquinas de processamento de informação. A vida, portanto, seria baseada não apenas em matéria e energia (o domínio da química), mas também, e acima de tudo, em informação. Genes e proteínas não seriam apenas agregados de átomos, mas sim portadores de sequências específicas que ditam sua função.
No entanto, a visão do paradigma químico não desapareceu. Wächtershäuser argumentou que "informação é um conceito teleológico" (ou seja, relacionado a um propósito ou objetivo). Ele ofereceu um exemplo específico do conflito entre química e teleologia: embora seja conveniente usar a "metáfora da informação" ao descrever sequências de ácidos nucleicos e aplicar noções teleológicas como "função" ou "informação", essas noções desaparecem ao retrocedermos na análise dos processos. O que resta, segundo ele, é puramente o mecanismo químico subjacente. Isso implica que a informação biológica, o conceito mais básico da biologia molecular, não pertenceria verdadeiramente ao domínio da ciência fundamental.
Essa é a alegação ontológica (relativa à natureza do ser) do paradigma químico: todos os processos naturais são completamente descritos, em princípio, por quantidades físicas. Essa visão também é conhecida como fisicalismo, e se baseia no fato de que a informação biológica não é uma quantidade física mensurável da mesma forma que massa, carga ou energia. Então, o que ela é? Um problema semelhante surge com as regras do código genético: elas não podem ser medidas e não podem ser reduzidas a quantidades físicas. Qual é a sua natureza?
De acordo com o fisicalismo, a informação biológica e o código genético são meras metáforas. Eles seriam como programas de computador que nos permitem escrever instruções em linguagem humana, poupando-nos o trabalho de codificá-las em dígitos binários (a linguagem de máquina). No entanto, em última análise, no computador, existem apenas os dígitos binários. Da mesma forma, argumenta-se, no nível mais fundamental da Natureza, existem apenas quantidades físicas.
Essa conclusão, conhecida como a tese fisicalista, tem sido proposta de várias maneiras por diversos cientistas e filósofos e é equivalente à ideia de que "a vida é química".
Essa é uma das questões que mais divide a ciência moderna. Muitos biólogos estão convencidos de que a informação biológica e o código genético são componentes reais e fundamentais da vida. No entanto, os fisicalistas insistem que eles são reais apenas em um sentido superficial e que não há nada de fundamental neles, pois devem ser redutíveis, em princípio, a quantidades físicas.
2. O Paradigma da Informação: A Vida Vai Além da Química?
A ideia de que a vida evoluiu naturalmente na Terra primitiva sugere que as primeiras células surgiram por meio de reações químicas espontâneas. Essa perspectiva é a base do paradigma químico, uma visão muito popular atualmente e frequentemente considerada em concordância com o paradigma Darwiniano. No entanto, Barbieri argumenta que essa concordância não existe. A razão é que a seleção natural, a pedra angular da evolução Darwiniana, não ocorre na matéria inanimada. A seleção natural requer entidades que possam se replicar, variar e ser selecionadas com base nessas variações – propriedades que não são inerentes a simples moléculas químicas isoladas.
Além disso, nas décadas de 1950 e 1960, a biologia molecular revelou dois componentes fundamentais da vida – a informação biológica e o código genético – que estão totalmente ausentes no mundo inorgânico. Isso significa que a informação está presente apenas nos sistemas vivos, que a química sozinha não é suficiente e que existe uma profunda divisão entre a vida e a matéria. Essa é a essência do paradigma da informação, a ideia de que "a vida é química mais informação".
Ernst Mayr, um dos arquitetos da síntese moderna da biologia evolutiva, foi um dos mais veementes defensores da visão de que a vida é fundamentalmente diferente da matéria inanimada. Em sua obra "O Crescimento do Pensamento Biológico", ele afirmou categoricamente que a descoberta do código genético foi um avanço de primeira ordem. Ela demonstrou por que os organismos são fundamentalmente diferentes de qualquer tipo de material não vivo. Não há nada no mundo inanimado que possua um programa genético que armazene informação com uma história de três bilhões de anos!
A ideia de que "a vida é química mais informação" implica que a informação é ontologicamente diferente da química. Mas como podemos provar isso? Um dos argumentos mais fortes a favor dessa afirmação veio de Hubert Yockey, um dos organizadores do primeiro congresso dedicado à introdução da teoria da informação de Shannon na biologia. Em uma longa série de artigos e livros, Yockey enfatizou que a hereditariedade é transmitida por fatores que são "segregados, lineares e digitais", enquanto os compostos da química são "misturados, tridimensionais e análogos".
Yockey destacou que as reações químicas em sistemas não vivos não são controladas por uma mensagem. Não há nada no mundo físico-químico que remotamente se assemelhe a reações sendo determinadas por uma sequência e códigos entre sequências. Ele apontou incansavelmente que nenhuma quantidade de evolução química pode transpor a barreira que divide o mundo análogo da química do mundo digital da vida, e concluiu que a origem da vida não pode ter sido o resultado da evolução química. Segundo Yockey, é isso que divide a vida da matéria: a informação é ontologicamente diferente da química porque sequências lineares e digitais não podem ser geradas pelas reações análogas da química.
Nesse ponto, seria natural esperar que Yockey explicasse como sequências lineares e digitais surgiram na Terra, mas ele não abordou essa questão. Em vez disso, ele afirmou que a origem da vida é incognoscível, da mesma forma que existem proposições da lógica que são indecidíveis. Isso equivale a dizer que não sabemos como entidades lineares e digitais surgiram; tudo o que podemos afirmar é que não foram o resultado de reações químicas espontâneas. Em outras palavras, o paradigma da informação não conseguiu provar sua alegação ontológica, e é por isso que o paradigma químico não foi abandonado.
“A bondade de Deus é questionada quando observamos a natureza. Contudo, tirando ele da jogada, tudo fica bem explicado, pois “até aqui a evolução nunca fez questão de ser motivada por sentimentos, como caridade e benevolência”.” - Anne Sverdrup-thygeson.
Referências
Marcello Barbieri. What is information? Review articles - https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsta.2015.0060
Palavras-chave
#BiologiaMolecular #InformaçãoBiológica #OntologiaDaInformação #ParadigmaQuímico #Fisicalismo #ParadigmaDaInformação #Genética #Proteínas #DNA #RNA #CódigoGenético #SequênciasLineares #ArtefatosMoleculares #EntidadesNomináveis #NaturezaDaVida #OrigemDaVida #FilosofiaDaCiência #Reducionismo #SeleçãoNatural #TeoriaDaInformação #EvoluçãoDarwiniana #SistemasVivos #DigitalVsAnálogo #Barbieri #Yockey #Mayr #Wächtershäuser #Crick #Watson