quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ecologia Industrial e limites da reciclagem

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O texto a seguir é um primeiro esboço de um artigo mais formal.



Na minha pós-graduação em Gestão Ambiental, coube-me a análise do artigo:

Sean Patrick Bradley,  Asher Kiperstok; ECOLOGIA INDUSTRIAL E PROJETO PARA O MEIO AMBIENTE (DfE); Prevenção da Poluição - Cap 6.indd 193 5/2/2003; http://www.sibr.com.br/sibr/DownloadFile?idObj=84&tipoObj=artigo

Nele são apresentados os conceitos de Ecologia Industrial e Projeto para o Meio Ambiente (DfE, Design for Environment).

O conceito de Ecologia Industrial nasce do conceito de Metabolismo Industrial, no qual cada indústria é tratada como um organismo, e nestes "organismos" entram matéria primas/recursos e energia e saem produtos e resíduos.[1]


Resumidamente, o conceito de Ecologia Industrial seria a ampliação do conceito de Metabolismo Industrial para uma similaridade com a Ecologia entre os seres vivos, nos quais as interrelações entre os "organismos indústrias" exercem suas atividades de forma que os resíduos de umas se tornam os recursos de outras, um 'ambiente de indústrias'. Por fim, o objetivo desta maneira de pensar seria a atividade humana, industrial, integrar-se à biosfera.[2][3][4]

No artigo são apresentados infográficos  de como evoluíram os processos industriais sobre o aspecto de como a atividade industrial relaciona-se com o ambiente na tomada de recursos e na emissão de resíduos.

Na primeira etapa deste processo evolutivo, as indústrias consideram que os recursos são infinitos e  capacidade de absorção da natureza é igualmente infinita.


Obs.: Os esquemas aqui apresentados possuem sutis modificações daqueles do artigo original e do artigo de Allenby [26].

Noutras palavras, citando exemplos claros, neste esquema as florestas são consideradas infinitas e nossos processos com resíduos tóxicos de zinco e chumbo (casos clássicos em Cubatão, SP, e Santo Amaro, BA) podem ser realizados sem a menor preocupação da deposição destes.[5][6][7][8]

Numa etapa, digamos, "mais ecológica", as indústrias passarão (e passaram) a reciclar seus resíduos, diminuindo a tomada de recursos, até mutuamente em interações diversas.



Mas num sistema totalmente integrado, passariam, segundo os autores, a reciclar totalmente os resíduos, passando o sistema a necessitar somente energia.



O problema é que a "tendência entálpica" e entrópica das reações químicas, relacionadas com a segunda lei da termodinâmica/entropia, impede tal absoluta eficiência e sistema fechado materialmente.

Expliquemos com conceitos mais científicos:

1) Toda reação química é quimicamente reversível, mas toda reação química é termodinamicamente irreversível. Sempre há, no global, perda de energia para o meio, e na forma de calor (dissipação e ineficiência).[9][10]

É impossível a construção de um dispositivo que, por si só, isto é, sem intervenção do meio exterior, consiga transformar integralmente em trabalho o calor absorvido de uma fonte a uma dada temperatura uniforme. Enunciado de Kelvin-Planck da Segunda Lei da Termodinâmica.

2) Num sistema de reações químicas, a tendência dos produtos formados será aquela de maior estabilidade ao meio.[11][12][13]


Gráfico de entalpia de uma reação exotérmica (educacao.uol.com.br).

Observe-se que após a adição da energia de ativação, o sistema tenderá ao estado de maior estabilidade, perdendo energia para o meio pela segunda lei da termodinâmica.

Exemplifiquemos, para clarear o apresentado:

O aço e demais ligas de ferro podem ser bastante reciclados, assim como diveros metais e suas ligas, mas sempre ocorrerá corrosão.

Simplificada e quimicamente[14]:

2 Fe + 3/2 O2Fe2O3

Na metalurgia/siderurgia, realizamos por diversos e até complexos processos a reação inversa. Inclusive necessitamos de determinados compostos que já tenham sido processados pela própria natureza para diminuir nossos custos (como o uso de magnetita, mineral formado pelos óxidos de ferro II e III, FeO.Fe2O3 [15]), mas realizamos, em suma, a reação inversa, como no caso do aço/ferro, a partir de óxido de ferro hematita com o carbono[16]:

2 C + O2 → 2 CO


Fe2O3 + 3 CO → 2 Fe + 3 CO2


2 Fe2O3 + 3 C → 4 Fe + 3 CO2

Poderíamos, grosseiramente, colocando o papel das plantas e sua fotossíntese, dizer que a reação final é a inversa da oxidação acima :

Fe2O3 → 2 Fe + 3/2 O2


Mas sempre, na reação de oxidação, que é a da corrosão, ocorrem perdas no meio, como o banal exemplo de uma estrutura, como um simples corrimão das laterais de um viaduto, perdendo pedaços de ferrugem para o meio ambiente.

Ferro torna-se naturalmente no ambiente óxido de ferro, mas óxido de ferro não forma ferro naturalmente, no ambiente terrestre.
Logo, sempre se necessitará de óxidos e outro minérios de ferro advindo do ambiente.

Igualmente, todo o vidro produzido pode ser captado posteriormente e reintroduzido na produção de vidro novo, no jargão da indústria, o cullet (consideraremos aqui o vidro vulgar, dito soda-cal, mas o tratado seria também similar para o dito vidro cristal, com alto teor de óxidos de chumbo e o borossilicato, com alto teor de boro).[17] Mas mesmo desprezando as perdas no meio, na sociedade, como simples quebras, sempre será necessária adição de matérias primas, diremos "virgens", como o calcário, a barrilha, a sílica mineral, etc, pois o vidro, fundido e refundido, começa a apresentar o fenômeno chamado, também no jargão da indústria, de "porcelanização", que é uma perda de transparência, tendendo a se tornar seu composto/compósito mais estável, que é uma dentre as muitas ditas cerâmicas.


O vidro, mesmo reciclado ao extremo pela indústria, como na Alemanha, encontra um equilíbrio no balanço de massas colocando-se um excedente do reciclo como pulverizado, para a produção de abrasivos para adição a pisos, carga para fundições de menor transparência exigida, como tijolos e telhas, assim como peças diversas de construção civil e de distribuição de eletricidade, além do esmaltamento dos produtos cerâmicos. Tudo objetivando "abrir espaço" para as matérias primas "virgens", focando-se na produção de vidro, digamos, "novo".[18][19][20]


Associada à proteção da corrosão estariam as tintas e diversos revestimentos, resistindo às intempéries, mas perdendo suas cargas e pigmentos, independente de suas bases terem origem renovável.

Igualmente, a borracha apresenta degradação por atrito, fragmentação e perde-se no ambiente, levando consigo, entre outros, o enxofre de sua vulcanização, que não relaciona-se com a produção renovável do látex. O mesmo poderia ser afirmado dos polímeros diversos, com suas cargas e pigmentos. Todos, elastômeros, polímeros e componentes de tintas e revestimentos apresentam degradação por fotodegradação/fotodissociação.[21]

Noutro exemplo, os restos de tecidos podem ser usados para a fabricação de feltros para veículos e inúmeros outros processos fins, mas por atrito, sempre se perderá cargas, aditivos e diversos produtos de origem mineral para o ambiente, não renováveis a priori.[22]

As ligas de alumínio podem ser bastante recicláveis, mas somam a perda por formação de óxido de alumínio, o seu tipo de corrosão típica, e não permitem o reciclo em determinadas aplicações, como as ligas de uso aero-espacial, necessitando de alumínio "virgem".[23][24]

O zinco utilizado no revestimento de peças de ligas de ferro, por galvanoplastia ou aplicação em fusão (dita zincagem), também apresenta corrosão e oxidação característica, que resulta na chamada 'corrosão ou "ferrugem" branca', uma mistura de óxido e hidróxido de zinco, posteriormente carbonato, também a se pulverizarem e dispersarem-se no ambiente.[25]


A chamada "ferrugem branca" do zinco (photographicdictionary.com).


Com estas e múltiplas outras questões similares, percebe-se que um sistema fechado em materiais e apenas aberto em energia mostra-se impossível na prática, e sempre se terá uma determinada tomada de recursos materiais da natureza.


Assim, pode-se construir um gráfico com uma curva assintótica a uma reta horizontal de reciclo de 100% (o "Fator 10" proposto no artigo em questão), que não será alcançada (a priori): 





Mas, ao nosso ver quando (se) a escala das atividades humanas atingirem a mesma escala dos processos da natureza (na verdade, englobá-las), o reciclo atingirá 100%, por exemplo, dentro dos apresentados, quando todo o óxido de ferro captado na natureza para ser reduzido e produzir aço (entre outras ligas de ferro) for oriundo da própria corrosão dos produtos industriais humanos, quando todo o enxofre para a vulcanização da borracha advir da própria absorção liberado no ambiente pelo humano, quando todos os metais mais raros advirem do perdido nas massas d'água, nos mares e oceanos, por dissolução, das perdas da circulação destes dentre a civilização.


Referências 

1. EHRENFELD, J. R. Industrial ecology: a framework for product and process desig [s.l.], J. Cleaner Prod., v.5, n. 1-2, p. 87-95, 1997.
2. ERKMAN, S. Industrial ecology: an historical view, [s.l.], J. Cleaner Prod., v.5, n. 1/2, p. 1-10, 1997. 
3. MARINHO, M.; KIPERSTOK, A. Ecologia Industrial e prevencao da poluição: uma contribuição ao debate regional. Tecbahia, v. 15, n. 2, p. 47-55, 2000.
4. SOCOLOW, R.; ANDREWS, C.; BERKOUT, F.; THOMAS, V. (Eds.) Industrial ecology and global change. Cambridge: University Press, 1994. v. 1 
5. CETESB – COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL – Poluição das águas do Estuário e Baía de Santos. Relatório Técnico São Paulo, Volume I. 71p. 1979. 
6. CETESB – COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL - Avaliação
Complementar do material a ser dragado pela CODESP – São Paulo , 1998.

7. Carvalho FM, Souza SP, Tavares TM, Linhares P. Absorção e intoxicação por chumbo e cádmio em pescadores da região do Rio Subaé. Ciência e Cultura 1983;35(3):360–366.
8. Carvalho FM, Tavares TM, Souza SP, Linhares P. Lead and cadmium concentrations in the hair of fishermen from the Subaé River basin, Brazil. Environ Res 1984;33(2):300–306. 
9. Zumdahl, Steven S. (2005) Chemical Principles. 5th Edition. (Houghton Mifflin Company) 
10. Giancoli, D.C. (2000), Physics for Scientists and Engineers (with Modern Physics), 3rd edition (Prentice-Hall.) 
11. Atkins, Peter W. and Julio de Paula Physical Chemistry, 4th Edition, Wiley-VCH, Weinheim 2006.
12. Henderson, Douglas; Eyring, Henry; Jost, Wilhelm (1967). Physical Chemistry: An Advanced Treatise. Academic Press. p. 29.
13. Laidler, Keith (1995). The World of Physical Chemistry. Oxford University Press. p. 110. 
14. Greenwood, N. N.; & Earnshaw, A. (1997). Chemistry of the Elements (2nd Edn.), Oxford:Butterworth-Heinemann. ISBN 0-7506-3365-4. 
15. Cornell, RM; Schwertmann, U (2003). The iron oxides: structure, properties, reactions, occurrences and uses. Wiley VCH. ISBN 3-527-30274-3. 
16. Biddle, Verne, and Gregory Parker. Chemistry: Precision and Design. Pensacola: A Beka Book, 2000. 
17. B. H. W. S. de Jong, "Glass"; in "Ullmann's Encyclopedia of Industrial Chemistry"; 5th edition, vol. A12, VCH Publishers, Weinheim, Germany, 1989, ISBN 3-527-20112-5, pp. 365–432. 
18. Nachhaltigkeitsbericht mit Umwelterklärung 2007 der Austria Glas Recycling GmbH
19. K.H. Poutos, A.M. Alani, P.J. Walden, C.M. Sangha. (2008). Relative temperature changes within concrete made with recycled glass aggregate. Construction and Building Materials, Volume 22, Issue 4, Pages 557-565. 
20. British Standards Institute (2005) PAS 102, Specification for processed glass for selected secondary end markets.
21. R. Schinke (1993). Photodissociation Dynamics, Cambridge Univer-sity Press, Cambridge. 
22. Alfons Hofer: Textil- und Modelexikon, Deutscher Fachverlag, Frankfurt/Main, 7. Auflage, Band 2, 1997, Filz, Seite 264 
23. R.E. Sanders, Technology Innovation in aluminium Products, The Journal of The Minerals, 53(2):21–25, 2001.
24. Degarmo, E. Paul; Black, J T.; Kohser, Ronald A. (2003). Materials and Processes in Manufacturing (9th ed.). Wiley.. ISBN 0-471-65653-4. 
25. Stwertka, Albert (1998), "Zinc", Guide to the Elements (Revised ed.), Oxford University Press, ISBN 0-19-508083-1
26. Braden R. Allenby, “Industrial Ecology:  The Materials Scientist in an Environmentally
Constrained World,” MRS Bulletin 17, no. 3 (March 1992):  46–51 

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