domingo, 14 de março de 2021

Holismo, acaso e falsos dilemas - 2

   

Holística em modelos científicos - 2



Poucos campos científicos são mais característicos como holísticos que a evolução dos seres vivos (e campos que tem intrincadas e íntimas relações com evolução, como a Ecologia).


Um detalhe importante:


A seleção natural, como evidente seleção (que tem um sentido de filtro) não é aleatória, mas o filtro em si, a característica do ambiente que a causa, o é.


Explicaremos por duas vias:


Por exemplo, um guepardo adquire mutação (ao acaso, por fatores que incluem até aleatórios eventos de escala atômica, mais explicações abaixo) que aumenta ainda mais sua taxa de fibras de contração rápida, passando a correr mais rápido. Evidente e consequentemente, sua descendência selecionará as gazelas pela sua velocidade.


Os seres vivos que participam da seleção possuem "caráter aleatório", pois mutam pela aleatoriedade específica (explicado adiante) das mutações.


Um vulcão, ao acaso, pois a geologia da Terra é outro sistema de fluidos com aleatoriedade, entra em erupção na savana, e seleciona (noutras palavras: mata) os guepardos "mutantes" na evolução. As gazelas com menos fibras rápidas passam a ser mais viáveis, e são selecionadas, pois agora podem sobreviver.


O ambiente, no geológico, possui aleatoriedade de comportamento.


O problema é o nível nos quais os criacionistas e outros negacionistas colocam o que seja "aleatoriedade".


Cientificamente, fisicamente, se coloca como os passos do trajeto das partículas, expandido para todo o universo. Nisto, para perceber-se aleatoriedade na natureza, basta se ver um dado e entender-se fenômenos da Mecânica Quântica. Os criacionistas aplicam o termo como sinônimo de caos absoluto, que a natureza apresente comportamentos que não possui, e negando os evidentes, claros, que possui.


Nisto, perigosamente, negam a própria liberdade humana que tanto afirmam, e pelo visto, nem percebem.


Estritamente falando, mesmo uma lei simples como a gravitação dos corpos leva a resultados caóticos. A solução matemática para mais de dois corpos leva a sistemas caóticos. Mesmo na astronomia, embora saibamos que os planetas seguem órbitas elípticas com período conhecido, a posição exata deles só pode ser prevista até um certo limite de tempo, onde as perturbações causadas por todos eles - e reforce-se: uns aos outros - acabam gerando uma margem de erro muito grande. Aliás, o que mais se vê no Universo não é ordem, é caos.


Mais notas sobre o Acaso
, Causa / Efeito, e Aleatoriedade (objetiva) no mundo


Um dos problemas é que o universo (o tudo que existe) não pode ser tratado nem como uno nem como contínuo, assim, um evento ou efeito não pode ser atribuído como monocausal. Aqui, Tomás de Aquino e seus já insistentes seguidores enfrentam graves problemas.


Como já apresentamos, mesmo quando tratamos a coisa / as coisas “newtoniana-laplacianamente”, existe o “problema dos três corpos”.


Uma pausa para uma rápida tradução da introdução do artigo da Wikipédia em inglês, pois o em português está lamentável:

“Na física e na mecânica clássica, o problema dos três corpos é o problema de tomar as posições e velocidades iniciais (ou momentos) de massas de três pontos e resolver seu movimento subsequente de acordo com as leis do movimento de Newton e a lei da gravitação universal de Newton. O problema dos três corpos é um caso especial do problema dos n-corpos. Ao contrário dos problemas de dois corpos, nenhuma solução geral de forma fechada existe, como o sistema dinâmico resultante é caótico para a maioria das condições iniciais, e métodos numéricos são geralmente necessários.


Historicamente, o primeiro problema específico de três corpos a receber um estudo extenso foi o que envolveu a Lua, a Terra e o Sol. Em um sentido moderno ampliado, um problema de três corpos é qualquer problema na mecânica clássica ou na mecânica quântica que modela o movimento de três partículas.” - en.wikipedia.org - Three-body problem 


A aleatoriedade e intratabilidade surge naturalmente em sistemas complexos, some-se ainda a aleatoriedade muito mais profunda do mundo subatômico, e o determinismo não se sustenta.


Colocando o mundo da Mecânica Quântica, e tudo que compõe o mundo é no fundo quântico, a questão ainda ganha novas nuances, e mesmo para pequenas porções de matéria, a aleatoriedade dos fenômenos e sua causalidade se desfaz.


Nesse momento percebemos que Hume teve um excelente insight, e sequer podemos definir exatamente o que seja causalidade, e desde o primeiro momento, ela se estabelecia apenas como um dogma. 


Frase que sempre devemos lembrar:

Na natureza não há efeito sem causa, mas há eventos sem causa.


Como sempre salientamos, a violação experimental das inequações do Teorema de Bell já resolveram fisicamente a questão, e todos os defensores de um determinismos “profundo” na natureza devem se atualizar.


Citemos:

“Se não há causa para o resultado das medições, então este deve ser um processo genuinamente aleatório, violando o princípio de razão suficiente de Leibnitz. A conclusão é que o colapso é um processo indeterminista. Notem, porém, que esta conclusão é independente da tese positivista, difundida por alguns defensores da interpretação ortodoxa a partir da década de 1920, segundo a qual o mundo quântico seria indeterminista, já que não há maneira de prever com exatidão o resultado de experimentos quânticos. A conclusão que estou salientando (e que já foi considerada por diversos estudiosos da não-localidade) só surge ao se considerarem duas partículas correlacionadas e ao se aceitarem as conclusões da Relatividade Restrita.” 


Osvaldo Pessoa Jr. Conceitos e Interpretações da Mecânica Quântica: o Teorema de Bell.Depto. de Filosofia, FFLCH, Universidade de São Paulo. WECIQ 2006 - Mini-curso 1.



Ver nos Extras abaixo um interessante texto sobre o grande gênio Albert Einstein e problemas que teve com a aleatoriedade.



(Mais) Um falso dilema


Ou “A insistência em tentar transformar tudo em Biologia que contrarie suas noções dogmáticas - sem falar da ignorância - em um dilema infantil ‘ovo ou galinha’ ”


Uma pergunta com a qual já “cruzei” nos meus anos de contato com criacionistas foi:


Quem surgiu primeiro: A célula ou o DNA?


Um típico e na verdade inadequado dilema do tipo “ovo ou galinha” (fora fruto de não entendimento do processos da biopoese).


O DNA é posterior à célula, se definimos célula como a região de agregação de moléculas que permite o confinamento, ou abrigo, de uma genética. As primeiras proto-células eram completamente instáveis, e apenas permitiam temporariamente a ocorrências de sistemas de reações moleculares, os ciclos (superciclos incluídos, ciclos que conduzem-se por outros ciclos em entrelaçamentos os mais diversos, durante a chamada evolução química).

Esta protocélulas podem (o terreno da biopoese é sempre hipotético) terem abrigados formas de moléculas proto-genéticas, como similares ao PNA, e depois, próximas ao TNA, entre diversas proto-estruturas moleculares responsáveis pela perpetuação de ciclos, e até “quimeras moleculares”, com partes de uma espécie molecular e partes de outra, até que numa etapa “mundo de RNA”, a proto-célula abrigava o RNA.

Posteriormente, a estrutura celular (ou proto-celular, como se queira) chega a conter o DNA, e desse arranjo, L.U.C.A.. 

Logo, “primeiro temos a caixa do relógio, depois o seu mecanismo”, sem o qual ele não ficaria abrigado dos inúmeros meios de gerar instabilidade de um ambiente químico agressivo.

Uma literatura levantada à época do trabalho de Jack Szostak sobre biopoese no aspecto formação das células:


Zhu TF, Szostak JW. Coupled Growth and Division of Model Protocell Membranes. J Am Chem Soc. 2009 Mar 26. - pubs.acs.org  


Szostak JW. Origins of life: Systems chemistry on early Earth. Nature. 2009 May 14;459(7244):171-2. - www.nature.com  


Budin I, Bruckner RJ, Szostak JW. Formation of protocell-like vesicles in a thermal diffusion column. J Am Chem Soc. 2009 Jul 22;131(28):9628-9. - pubs.acs.org 


Mansy SS, Szostak JW. Reconstructing the Emergence of Cellular Life through the Synthesis of Model Protocells. Cold Spring Harb Symp Quant Biol. 2009 Sep 4;74:47-54. - PubMed 


Budin I, Szostak JW. Expanding Roles for Diverse Physical Phenomena During the Origin of Life. Annu Rev Biophys. 2010 Jun 9;39:245-63. - PubMed 


Budin I, Szostak JW. Physical effects underlying the transition from primitive to modern cell membranes. Proc Natl Acad Sci USA. 2011 Mar 14;108:5249-5254. - www.pnas.org 



Divulgação:


Ricardo A, Szostak JW. Origin of life on earth. Sci Am. 2009 Sep;301(3):54-61 - www.scientificamerican.com 


Da trivial Wikipédia:


No início dos anos 90, seu laboratório mudou sua direção de pesquisa e se concentrou no estudo de enzimas de RNA, descobertas recentemente por Cech e Altman. Ele desenvolveu a técnica de evolução in vitro de RNA (também desenvolvida de forma independente por Gerald Joyce) que permite a descoberta de RNAs com funções desejadas por meio de sucessivos ciclos de seleção, amplificação e mutação. Ele isolou o primeiro aptâmero (termo que usou pela primeira vez). Ele isolou enzimas de RNA com atividade de RNA ligase diretamente da sequência aleatória (projeto de David Bartel).


Atualmente, seu laboratório enfoca os desafios de compreender a origem da vida na Terra e a construção da vida celular artificial em laboratório. Eles conduziram estudos detalhados dos mecanismos pelos quais os modelos de RNA podem ter se replicado na Terra primitiva antes do surgimento dos catalisadores enzimáticos. Em particular, eles se concentraram em ribonucleotídeos ativados por imidazol (fosforimidazolídeos) como monômeros capazes de alongar uma nova fita de RNA. Significativamente, o grupo Szostak descobriu que o alongamento do molde mediado por fosforimidazolida ocorre através de intermediários dinucleotídicos em ponte 5'-5'-imidazólio que aceleram a polimerização. Os fosforimidazolidos foram inicialmente propostos como críticos para a polimerização de nucleotídeos da Terra primitiva por Leslie E. Orgel e colegas.


Szostak e Adamala demonstraram que a replicação não enzimática do RNA em protocélulas primitivas só é possível na presença de quelantes catiônicos fracos como o ácido cítrico, fornecendo evidências adicionais do papel central do ácido cítrico no metabolismo primordial. 


KATARZYNA ADAMALA, JACK W. SZOSTAK. Nonenzymatic Template-Directed RNA Synthesis Inside Model Protocells. SCIENCE, 29 NOV 2013 : 1098-1100. -  science.sciencemag.org 


en.wikipedia.org - Jack W. Szostak 



Extras

1


François Vannucci. Albert Einstein: os dois grandes erros científicos que o gênio cometeu na carreira. The Conversation. 28 junho 2020 - www.bbc.com 


Nos nossos arquivos: François Vannucci - Albert Einstein - os dois grandes erros científicos 


Destacamos:

“A aleatoriedade quântica


Juntamente com a teoria da relatividade, foi desenvolvida a mecânica quântica, que descreve a física do infinitamente pequeno.


Einstein fez uma contribuição notável nesse âmbito, em 1905, com sua interpretação do efeito fotoelétrico como uma colisão entre elétrons e fótons, isto é, entre partículas infinitesimais portadoras de energia.


Em outras palavras, a luz, tradicionalmente descrita como uma onda, se comporta como um fluxo de partículas.


Foi por esse avanço, e não pela teoria geral da relatividade, que Einstein recebeu o Prêmio Nobel em 1921.


Mas, apesar dessa contribuição vital, ele persistiu em rejeitar a lição mais importante da mecânica quântica, que afirma que o mundo das partículas não está submetido ao determinismo estrito da física clássica.


O mundo quântico é probabilístico, o que implica que somos capazes de prever apenas uma probabilidade de ocorrência entre um conjunto de sucessos possíveis.


A obstinação de Einstein novamente sugere a influência da filosofia grega.


Platão ensinou que o pensamento deveria permanecer ideal, livre das contingências da realidade, que é uma ideia nobre, mas longe dos preceitos da ciência.


Assim como o conhecimento precisa de uma concordância perfeita com todos os fatos previstos, a crença se baseia na verossimilhança fruto de observações parciais.


O próprio Einstein estava convencido de que o pensamento puro era capaz de abranger toda a realidade, mas a aleatoriedade quântica contradiz essa hipótese.


Na prática, essa aleatoriedade não é plena, pois é regida pelo princípio da incerteza de Heisenberg.


Esse princípio impõe um determinismo coletivo aos conjuntos de partículas: um elétron por si só é livre, pois sua trajetória não pode ser calculada quando se cruza uma fenda, mas um milhão de elétrons desenha uma figura de difração que mostra listras escuras e brilhantes que sim, podem ser previstos.


Einstein não queria admitir esse indeterminismo elementar e o resumiu em um veredito provocador: "Deus não joga dados com o Universo".


Ele propôs a existência de variáveis ​​ocultas, de magnitudes não descobertas além da massa, carga e rotação, que os físicos usam para descrever as partículas. Mas a experiência não lhe deu a razão.


Devemos assumir a existência de uma realidade que transcende nossa compreensão, de que não podemos saber tudo sobre o mundo dos infinitamente pequenos.”




A mente humana pode se mostrar a mais tenaz das bigornas. E muitas das mentes humanas são tão aptas a aprender como estas. - Frase minha, durante um debate sobre um dos temas acima tratados.



2






Frase minha, muito adequada às técnicas “alternativas” de cura:

Ad numerum de casos, ad numerum de relatos e ad numerum de páginas. Ainda sim, continua apenas ad numerum.



"A pseudociência é adotada na mesma proporção em que a verdadeira ciência é mal compreendida. Se alguém nunca ouviu falar de ciência (muito menos de como ela funciona), dificilmente pode ter consciência de estar abraçando a pseudociência. Está simplesmente adotando uma das maneiras de pensar que os seres humanos sempre empregaram.” — Carl Sagan -  “O mundo assombrado pelos demônios”  

 

sexta-feira, 5 de março de 2021

Estrelas de Planck e Buracos Negros – Parte 2


Continuação da contribuição para esse blog de Heraldo Henrique Felix de Moraes, sobre hipóteses relacionadas ao comportamento de buracos negros e conceitos relacionados.
 


Planck Stars: Quantum Gravity Research Ventures Beyond the Event Horizon. Astrophysics Faculty Article Dec 16, 2016 - www.resonancescience.org  



Dando continuidade ao tema “estrelas de Planck”, podemos dizer que, embora ainda não tenhamos uma teoria completa da gravidade quântica, já sabemos algumas coisas. Uma é que os buracos negros não devem ser eternos. Por causa das flutuações quânticas próximas ao horizonte de eventos de um buraco negro, um buraco negro emitiria a chamada “radiação Hawking”. Como resultado, um buraco negro perderia massa gradualmente à medida que se irradia. A quantidade de radiação Hawking que ele emitiria é inversamente proporcional ao seu tamanho, portanto, à medida que o buraco negro fica menor, ele emitiria mais e mais radiação Hawking até que finalmente irradiar completamente para fora.


A visão convencional de um buraco negro é que ele é composto por dois componentes principais: a singularidade e o horizonte de eventos. Todo o resto são apenas detalhes. O horizonte de eventos é a distância até a singularidade onde as forças gravitacionais são tão fortes que nem mesmo a luz consegue escapar. A singularidade é um ponto infinitamente denso onde toda a matéria do buraco negro está concentrada. No entanto, com a singularidade, assumimos que não existe uma estrutura quântica que possa competir com as forças internas criadas pela gravidade.


Como, em teoria, os buracos negros não são eternos, isso levou Stephen Hawking e outros a propor que os buracos negros não têm um horizonte de eventos, mas sim um horizonte aparente.


journalofcosmology.com 


Em janeiro de 2014, o astro da física, o britânico Stephen Hawking publicou um pequeno artigo declarando que "não há buracos negros". Claro, Hawking não estava dizendo que os buracos negros não existiam, mas que a física do horizonte de eventos de um buraco negro precisava de alguns ajustes.


A raiz desse problema pode ser encontrada em uma publicação de pesquisa de 2012 por Joseph Polchinski e sua equipe da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara. Ao lidar com o espinhoso problema de saber se os buracos negros destroem ou não informações, eles descobriram que se os buracos negros realmente não destruírem as informações (um ponto de vista que o próprio Hawking defendia com relutância) e essa informação vier a poder escapar do buraco negro em evaporação por meio da radiação Hawking, deve haver ser um inferno furioso, dentro do horizonte de eventos, o chamado "firewall".


E aqui reside um paradoxo. Se virmos um buraco negro como um objeto governado pela relatividade geral, no caso de um infeliz astronauta que for em direção ao horizonte de eventos, ele não deverá experimentar nada fora do comum ("nenhum drama"); ele ou ela irá apenas vagar pelo buraco negro, onde, eventualmente, as intensas forças das marés os "espaguetificarão" de maneira horripilante. Mas se virmos os buracos negros como objetos governados pela mecânica quântica, e eles conservarem informações, esse astronauta será imediatamente incinerado pelo firewall de Polchinski (a antítese para o "nenhum drama"). 


As duas teorias são sintomáticas de nossa crescente inquietação com a compatibilidade da relatividade geral e da mecânica quântica, e os buracos negros se tornaram a linha de frente dessa batalha.


Hawking, portanto, apresentou uma solução possível (que não foi publicada) em outubro de 2014: talvez o horizonte de eventos do buraco negro não seja a fronteira definitiva que os físicos teóricos pensam que é. Talvez o horizonte de eventos deva ser substituído por um "horizonte aparente", uma consequência da confusão caótica de informações dentro do horizonte de eventos.


Quando se atinge uma certa densidade, como por exemplo concentrando toda a massa do Sol em um único átomo, os efeitos quânticos da gravidade geram uma força repulsiva que se opõe à contração.  O resultado é um núcleo extremamente denso, chamado de "estrela de Planck" (no que detalhei bem no último artigo).


Essa interpretação inovadora põe fim ao paradoxo da informação quântica, já que a matéria não mais desapareceria: tudo que entra no buraco negro sairia. Com isso, nos permitiria contornar o problema da densidade infinita encontrada na teoria clássica da Relatividade Geral. A solução, em teoria, parece perfeita.


Uma estrela massiva explodindo em uma supernova, é assim que surge um buraco negro estelar, porém, e se o material superdenso que formou o buraco negro na verdade não formar uma "singularidade"? Claro, o material ainda seria inimaginavelmente denso, mas o objeto no centro do buraco negro ainda teria uma estrutura. A força da gravidade para dentro do buraco negro é neutralizada pela estrutura quântica da densidade de Planck.

Todo o material que já caiu ou que irá cair em um buraco negro é comprimido em uma esfera não muito maior do que o comprimento de Planck. Perfeitamente microscópico, mas que definitivamente não é infinitamente pequeno.


É também uma reminiscência das teorias modernas do "grande salto", segundo as quais o Universo encadeava fases de contração e expansão. Nesse referencial teórico, o Big Bang não seria mais apenas uma  grande explosão que deu origem ao nosso Universo, mas o rebote que ocorreu quando a fase de contração atingiu uma densidade crítica.


Essa fragmentação teórica do espaço-tempo oferece dois benefícios. Um, leva o sonho da mecânica quântica à sua conclusão final, explicando a gravidade de uma forma natural, e tornando assim impossível a formação de uma singularidade no interior de um buraco negro.


A teoria das estrelas de Planck ainda apresenta uma característica extremamente atraente: poderá ser comparada em observações. Em artigo postado online no final de abril de 2014, no arXiv, e submetido ao comitê de um periódico de referência, Aurélien Barrau, pesquisador do laboratório de física subatômica e cosmologia de Grenoble (CNRS-IN2P3), estuda as consequências fenomenológicas de uma possível explosão de um buraco negro.

 

“Isso causaria, em particular, uma emissão muito significativa de raios gama em um período de tempo relativamente curto”, explica ele ao site francês Le Figaro. Se elas existirem, as explosões de buracos negros devem ser bastante comuns em nosso ambiente imediato. Poderíamos ver até uma por dia.” Já foram observadas curtas explosões de raios gama de origem desconhecida. É impossível dizer que se trata de "buracos brancos", mas a hipótese é suficientemente crível para ser examinada. Essa seria uma maneira inteligente de confirmar experimentalmente a existência da gravidade quântica, sendo um grande feito, já que tal teoria nunca foi alcançada e que muitos físicos ainda consideram impossível.


Só para ficar claro, como dito no artigo anterior, isso ainda é bastante especulativo. Até agora, não há nenhuma evidência observacional de que uma estrela de Planck exista. É, no entanto, uma solução interessante para o lado paradoxal dos buracos negros.


Outra tentativa de erradicar a singularidade - que não depende de teorias não testadas da gravidade quântica - é conhecida como gravastar


A diferença entre um buraco negro e um gravastar é que, em vez de uma singularidade, o gravastar é preenchido com energia escura. A energia escura é uma substância que permeia o espaço-tempo, fazendo com que se o Universo se expanda. Parece ficção científica, mas é real: a energia escura está atualmente em operação no cosmos, fazendo com que todo o nosso universo acelere sua expansão.


Conforme a matéria cai em um gravastar, ela não consegue realmente penetrar no horizonte de eventos (devido a toda aquela energia escura no interior) e, portanto, ficando apenas na superfície. Mas fora dessa “superfície”, os gravastares parecem e agem como buracos negros normais.


No entanto, observações recentes de fusões de buracos negros por meio de detectores de ondas gravitacionais têm potencialmente descartado a existência de gravastares, porque a fusão de gravastares daria um sinal diferente do que a fusão de buracos negros, e equipamentos como LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, em português Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser) e o Virgo estariam obtendo mais e mais exemplos de fusões de gravastares a cada dia. Embora os gravastares não sejam exatamente proibidos em nosso universo, eles estão definitivamente apenas em nossas teorias.


As estrelas de Planck e os gravastares podem ter nomes impressionantes, mas a realidade de sua existência está em dúvida. Portanto, talvez haja uma explicação mais mundana para as singularidades, baseada em uma visão mais matizada - e realista – sobre os buracos negros em nosso universo.


A ideia de um único ponto de densidade infinita vem de nossa concepção de buracos negros estacionários, que não tem rotação e nem carga elétrica. 


A rotação de um buraco negro estenderia a singularidade, fazendo que a singularidade ficasse com um formato de anel. E de acordo com a matemática da teoria da relatividade geral de Einstein (que é a única matemática que temos ainda), uma vez que você passa pela singularidade em forma de anel, você entra em um buraco de minhoca e sai por um buraco branco (o oposto de um buraco negro, onde nada pode entrar e a matéria sai à velocidade da luz) para um pedaço inteiramente novo e excitante do universo.


 www.resonancescience.org 


Um desafio: os interiores dos buracos negros em rotação são catastroficamente instáveis. E isso está de acordo com a mesma matemática que leva à previsão de uma hipotética viagem para um novo universo.


O problema com os buracos negros em rotação é que ... bem, eles giram. A singularidade, esticada em formato de anel, está girando em um ritmo tão alto que teria uma força centrífuga realmente incrível. E na relatividade geral, forças centrífugas fortes o suficiente agem como uma espécie de “antigravidade”: ela empurra, ao invés de puxar.


Isso cria um limite dentro do buraco negro, chamado de horizonte interno. Fora dessa região, a radiação está caindo para dentro em direção à singularidade, atraída pela extrema atração gravitacional do buraco negro. Porém, a radiação é empurrada pela antigravidade para perto da singularidade em forma de anel, e o ponto de inflexão seria o horizonte interno. Se, por exemplo, você fosse ao encontro do horizonte interno, você enfrentaria uma parede de radiação infinitamente energética - toda a história passada do universo, explodindo em seu rosto em menos de um piscar de olhos.


A formação de um horizonte interno lança as sementes para a possível destruição de um buraco negro. Buracos negros rotativos certamente devem existir em nosso universo, o que nos diz que nossa matemática atual está errada e que algo estranho está acontecendo ao nosso redor.


Estrelas de Planck produziriam um sinal detectável, de origem gravitacional quântica, com um comprimento de onda em torno de 10-14 cm. Este sinal pode se corporificar em raios cósmicos de energias na faixa de GeV, um sinal que poderia ser facilmente detectado por observatórios de raios gama.


A detecção de explosões individuais de estrelas de Planck não é impossível, a gravidade quântica poderia aparecer na faixa das dezenas de MeV. Várias aproximações sobre a dinâmica da evaporação podem ainda ser melhoradas. Os detalhes da explosão de uma estrela de Planck ainda precisam ser melhor investigados. A forma do sinal integrado difuso e, mais especificamente, sua assinatura específica potencial que permite distingui-lo dos buracos negros primordiais padrão, requer uma análise numérica completa. Também pode ser interessante investigar a emissão de artigos carregados, em particular pósitrons e antiprótons (alguns efeitos de limiar interessantes podem ser esperados). Como é bem conhecido, um horizonte muito menor pode ser compensado pelo grande efeito do confinamento galáctico.


O que realmente está acontecendo dentro de um buraco negro? Não sabemos - e a parte assustadora é que talvez nunca saibamos.



Fontes 


Ian O'Neill. Could Black Holes Give Birth to 'Planck Stars'? 2/11/2014 - www.seeker.com

What Are Planck Stars? How Do They Differ From Black Holes? - futurism.com 

Aurélien Barrau, Carlo Rovelli. Planck star phenomenology. Physics Letters B, Volume 739, 2014, Pages 405-409, ISSN 0370-2693 - www.sciencedirect.com 

C Rovelli, F Vidotto - International Journal of Modern Physics D, 2014 - World Scientific - arxiv.org 

Tristan Vey. Et si les trous noirs finissaient par exploser ? 22/07/2014 - www.lefigaro.fr 

BRIAN KOBERLEIN. Planck “Star” to Arise From Black Holes? FEBRUARY 10, 2014. - www.universetoday.com

Paul Sutter. What happens at the center of a black hole? October 27, 2020 - www.space.com


Sobre gravastars e firewalls, recomendamos:

Diálogos com Antonio Miranda sobre estrelas de Plank - Scientia est Potentia 

quinta-feira, 4 de março de 2021

O "tecido" espaço-tempo


Pano de fundo de tudo que se manifesta,

dos mínimos grãos da poeira do mundo,

às estrelas sem fim pela vastidão em festa,

sua natureza íntima é mistério profundo.

Ignorantes em ti imersos em abandono,

tão intrincado, em teu pensar perco o sono.

 


Respondendo a um negacionista (de diversos temas), que afirmou que não existe algo como um "tecido" espaço-tempo:



A curvatura do espaço-tempo em torno de qualquer objeto massivo é determinada pela combinação de massa e distância do centro de massa. Outras preocupações, como velocidade, aceleração e outras fontes de energia, devem ser levadas em consideração. - medium.com - Ethan Siegel (2018) Ask Ethan: If Mass Curves Spacetime, How Does It Un-Curve Again? 



Tecido ou textura é uma expressão.


O espaço-tempo tem um comportamento "suave" em grande escala, onde pode ser modelado o comportamento dos corpos pela Relatividade, e é turbulento, "borbulhante", na escala subatômica, onde só se pode tratar comportamentos pela Mecânica Quântica.


Não podemos dizer que ele não seja quantizado, como se tenta tratar pela GQL e outras teorizações.


Nota: Em GQL, Gravidade Quântica em Loop, o espaço-tempo é descrito por um grafo, uma malha, algo como uma rede elástica, de pontos unidos por linhas cujos pontos/nós tem distâncias variáveis e tais pontos/nós se fundem e se dividem, continuamente, o que confere uma natureza fluida, adequada a um comportamento de "borbulha" na menor escala. Como bem demonstrado por certos especialistas, não é teoria incompatível com a Teoria das Cordas, mesmo em suas variações. [Bojowald]  


Dessas questões e outras advém o título do livro de Brian Greene "Tecido do Cosmo".


O que o espaço-tempo não pode mais ser afirmado é o cenário absoluto e invariável de relatividade galileana que  permitiria comportamentos modeláveis por geometria cartesiana em espaço euclidiano.


Essa textura não se sustenta.



Referências


Martin Bojowald; Relatos de um Universo Oscilante; Scientific American Brasil; Ed. 78; NOV/2008. - Versão em inglês: www.scientificamerican.com - Nos nossos arquivos: drive.google.com 


Lee Smolin. Atoms of Space and Time. Scientific American. January, 2004. - Versão na internet de 2006: www.scientificamerican.com  - Nos nossos arquivos: Lee Smolin - Atoms of Space and Time


Lee Smolin. Spacetime Is Not Necessarily Continuous. Scientific American, January, 2012. - www.scientificamerican.com 


Lee Smolin. Space: The Final Illusion. Scientific American, April, 2019. - blogs.scientificamerican.com 



Do uso do termo  "tecido" em Física quanto ao espaço-tempo:


Space-time as an elastic fabric - www.esa.int 


C Francis (1999) The Fabric of Space-time - arXiv



HA Perko (2017) Introducing surface tension to spacetime - IOPscience


"Each point in the fabric would correspond to a particle of mass with space-like, time-like, or light-like trajectories. Constant resetting clocks …"

(“Cada ponto no tecido corresponderia a uma partícula de massa com trajetórias semelhantes ao espaço, ao tempo ou à luz. Relógios de redefinição constante…”)