quarta-feira, 10 de julho de 2013

Diálogos sobre homoquiralidade com Silvia Gobbo - Parte 2


A ação da geometria dos aminoácidos, que inclui a sua quiralidade, é tão determinante na forma - e desta a capacidade de catálise - que evidencia-se as conformações específicas de hexapeptídeos (peptídeos formados por seis aminoácidos) quando contendo diprolina (um dímero de prolina).[1][2] E a mesma diprolina apresenta ação na discriminação da quiralidade dos compostos, e relação com os  efeitos estéricos proporcionados por tais quiralidades selecionadas.[3] A ligação covalente na cadeia lateral e o átomo de nitrogênio da prolina - o monômero da diprolina - da cadeia poliamídica (toda peptídeo é uma poliamida, lembremos)  conduz a uma angulação específica na cadeia de polimerização principal de peptídeos.[4] Efeitos estéricos e seletividade quiral também são evidenciados em derivados do prolinol.[5]


Exemplo de um hexapeptídeo- www.bioyeexin.com.


A estrutura da L-prolina - www.sigmaaldrich.com.
A estrutura do prolinol - www.sigmaaldrich.com.


Uma ação determinadora de seleção quiral é a ação de surfactantes baseados em aminoácidos.[6] Vejamos o resumo deste artigo:


Neste estudo, um grande número de surfactantes poliméricos quirais foram examinados e os seus desempenhos em termos de resolução enantiomérica comparados para uma variedade de analitos quirais. Os surfactantes investigados neste estudo incluem todas as possíveis combinações de dipéptidos das forlas L de alanina, valina, leucina, e o aminoácido aquiral glicina (com excepção da glicina-glicina). Também estão incluídos neste estudo foram os surfactantes individuais de aminoácidos de alanina, valina, leucina e assim como o único centro quiral dipéptido surfactante poli (sódio undecil-L-leucina-β-alanina) (poli-l SULβA). Vários aspectos diferentes de surfactantes dipeptidicos poliméricos, que dizem respeito a separações quirais, são examinados. Alguns dos fatores investigados neste relatório incluem o efeito da posição e do número de centros quirais, a ordem de aminoácidos e efeitos estéricos.


Notemos que já a ação de dipeptídeos é evidenciada, tanto para a separação quiral quanto para a existência de esfeitos estéricos.[7]
A Dra Silvia então sugere:


Eberlin diz que seria preciso ter disponível no ambiente 100% de L-aminoácidos para que a vida tivesse selecionado esta forma enantiomérica como sendo a preferencial. Porém na natureza observamos que as misturas não são racêmicas como nos laboratórios (vide cometas), ou uma forma é selecionada e se acumula no próprio meio (pela presença de calcita, mineral abundante na Terra pré-biótica). Além disso a vida poderia ter inicialmente surgido tanto a partir de uma forma enantiomérica ou de outra, mas por seleção apenas a forma que utiliza L-aminoácidos ter prevalecido. Um resquício disso é que existe nos seres vivos a síntese de algumas proteínas D.

Retornando ao ponto sobre aminoácidos que hoje não fazem parte da polimerização de proteínas, nem na codificação pelo DNA, mas poderiam perfeitamente ter participado da polimerização dos primeiros peptídeos, observemos que estão presentes inclusive no nosso metabolismo, como a homosserina. A L-homosserina não é dos aminoácidos comuns codificados pelo DNA. Ela difere do aminácido serina, proteinogênico, pela inserção de um grupo metileno adicional.[8]




Serina - www.sigmaaldrich.com


Tal aminoácido ocorre nos processos intermediários da produção de outros aminoácidos.
Aqui, eu comento:
Imaginemos então, no passado geológico, bilhões de toneladas destas moléculas agitadas por marés colossais e vulcanismos. Não foi a falácia de Hoyle que escolheu os que produziriam a vida, mas sim, a vida que escolheu os que eram convenientes, funcionais e econômicos.


Uma observação pessoal: Considero que tem sido desprezado um tanto pela nossa abordagem o papel do enxofre como agente da formação de todas estas espécies químicas. Poderia produzir um bom foco para uma revisão da literatura. Estou me interando do tema, pois tive de estudar recentemente tióis, que são os "álcoois do enxofre".


A Dra Silvia observa que a homosserina é um intermediário na biossíntese de três aminoácidos essenciais: metionina, treonina (um isômero da homosserina), e isoleucina. Ou seja, que esta forma seria mais um tipo de seleção natural, onde uma forma serve para produção de 3 aminoácidos distintos.


Homosserina - www.chemspider.com.


Observemos que a questão de "existir ainda o aminoácido" é complementada pela hipótese de que tenha sido útil na polimerização e na execução de catálises, num ambiente abiótico. Noutras palavras, a polimerização não se dá pela ocorrência das estruturas amino-R-ácido (sinônimo de L-aminoácido), e sim, que tais conformações possam produzir resultados.


Uma alegação que tal seleção seja a fruto de uma ação inteligente cai num argumento teleológico, e tal argumento despreza os erros nas polimerizações, pois a simples presença e posição de uma molécula impede que uma estrutura seja “útil” (notemos as aspas), e tais polimerizações ocorrem por “simples” mecanismos quânticos, que são os mecanismos por trás das reações químicas. Entre estes erros, a quiralidade inadequada é fator determinante para a estrutura de polimerizações.[9]


Conforme comentário da Dra Silvia, editado: Cada aminoácido, cada dímero, cada trímero, etc, é um pedaço tridimensional que se liga a outro pedaço tridimensional dando um terceiro pedaço tridimensional único. Passando tanto pelos aminoácidos formados mesmo em mistura racêmica na atmosfera, com os aminoácidos encontrados nos cometas que não seriam jamais usados pelos seres vivos.


Ao que acrescento: O que interessa aqui é "adequar-se ao contexto geométrico". Havendo uma inicial predominância de um sistema replicável, este prevalece e amplifica-se.[10]


Mesmo hoje, ainda que relacionado à tecnologia, os fundamentos de mecanismos de polimerização e seleção quiral, destaquemos que com a ação de superfícies proteicas são evidentes.[11]

Deve-se lembrar sempre que a
experiência de Miller-Urey, que relaciona-se com a atmosfera primitiva, em suas revisões, tem apresentado resultados tendenciosos em quiralidade produzida, e que o espectro de aminoácidos necessários inicialmente tem sido tratado com uma visão mais reducionista, além de questões da ação dos compostos de enxofre, destacadamente a presença de sulfeto de hidrogênio no meio, como já citamos, tem sido colocada como hipótese para a formação de mais variedade de compostos no ambiente abiótico, com formação inclusive da aqui já citada homosserina, como exemplo de uma geração de aminoácidos predominante no ambiente pré-biótico.[12][13][14][15]


A agregação em micelas (que são no íntimo similares a cristais) podem ter sido um fator colaborador com a indução de uma seleção de quiralidade.[16]


Destaquemos o resumo deste artigo:


As estruturas cristalinas dos complexos de ácido malónico com DL- e L-arginina, as quais contêm íons argininium carregados positivamente e os íons carregados negativamente de semimalonato, demonstram ainda mais a flexibilidade conformacional dos aminoácidos. Uma proporção maior de conformações dobradas do que seria esperado com base na consideração estérica parece ocorrer na arginina, presumivelmente devido aos requisitos da ligação de hidrogênio. O padrão de agregação no complexo de DL-arginina tem vários graus de semelhança com padrões observados em outras estruturas semelhantes. O hidrogênio ligado por arranjo antiparalelo dimérica da arginina, e em menor extensão da lisina, é um motivo recorrente. Semelhanças também existem entre as estruturas nas interações com este motivo e sua montagem em recursos maiores de agregação. No entanto, o padrão de agregação observada no complexo L-arginina difere de qualquer observado até agora, o que demonstra que todos os padrões gerais de agregação de aminoácidos não foram ainda elucidadas. Os dois complexos representam os casos em que a reversão da quiralidade, a metade das moléculas de aminoácido conduz a um padrão de agregação fundamentalmente diferente.


Devemos sempre recordar que pela alto bombardeamento de asteroides e cometas deste período, somado com a escala atmosférica de síntese pelas reações do tipo Miller-Urey, produzia precipitação (“chuva”) de aminoácidos  e outras moléculas reagentes.[17][18] Deve-se acrescentar que a síntese de aminoácidos em ambiente interplanetário e interestelar já é ponto pacífico em Astrofísica.[19]

Cada vez mais acredita-se no meio do estudo da biopoese que o número de aminoácidos realmente necessários para as primeiras polimerizações autocatalisantes é um número baixo, como dez aminoácidos então essenciais, com participação do ambiente salino na conformação de peptídeos auto-replicantes.
[20]
Os efeitos estéreoeletrônicos, que são a ação estérica dos orbitais, compondo as ligações atômicas, já são estudados nas sínteses dos nucleotídeos pré-bióticos, com propostas de rotas espontâneas envolvendo fosforilação.[21][22]


Existe o chamado “efeito dominó estérico”, ou seja: quando se formam um preâmbulo de polimerização estericamente direcionada, homoquiral, ela se perpetua. Este fenômeno é caracterizado pela interação do terminal de um péptido helicoidal com uma pequena molécula quiral que pode alterar a estabilidade da hélice de N-peptídeos desprotegidos contendo um resíduo L incorporado na posição interior por ligação covalente..[23] Nas palavras aproximadas de Silvia: Noutras palavras, se formar um enantiômero em um meio, ele direciona a formação de outros aminoácidos de mesma quiralidade, e isso ocorre pela própria configuração geométrica, ou seja a configuração geométrica do primeiro direciona, como peças de encaixe, a formação dos outros enantiômeros (pois eles decompõe-se, “quebram-se / partem-se”).


Já relacionado à hipótese cada vez mais confiável do “mundo de RNA”, a seleção quiral na aminoacilação do RNA é um dos progenitores potenciais para a síntese de proteínas com base em RNAt moderno usando L-aminoácidos.[24]Observemos aqui que uma das questões mais controversas da teoria do mundo do RNA é a formação de nucleosídeos através da reação de nucleobases com ribose, mas rotas sintéticas pré-bióticas já tem seus mecanismos como objeto de estudo.[25]


Quanto à alegações de que as moléculas seriam frágeis ao meio e aos esforços físicos de um meio de marés colossais e convecções vulcânicas, tem-se a explicação no “efeito resistência", na química de macromoléculas, onde a resistência química à reações proporcionada por ligações fortes é correlata com a resistência mecânica do material delas composto.[26]


Diversas evidências das tendências e mecanismos diversos de quiralidade determinando a estrututa tridimensional assimétrica (que inclui helicoides) são encontrados e estudados em polímeros, como na polimerização de fenilacetilenos contendoresíduos de L-amino-álcoois e quaternários de amônio. [27][28] Estuda-se temas como a sensibilidade eletroquímica à quiralidade e a significância dos arranjos quirais no balanço de energia e no metabolismo, este último tema já há quatro décadas.[29][30]

O esquema de uma típica estrutura de quaternário de amônio - waymo.wordpress.com.


Em química de polímeros, já sabemos que mecanismos como reações redox (redução-oxidação) podem induzir a quiralidade geral de estruturas, como em moléculas de polifenilacetilenos, incluindo estruturas pendentes de riboflanina, uma molécula relacionada à vida, uma vitamina (G), e uma amina.[31]


Representação artística da configuração geométrica,  incluindo a quiralidade, de polifenilacetilenos com moléculas agregadas de riboflavina por meio de reações redox.[31]

A indução da helicidade macromolecular em polifenilacetilenos por compostos oticamente ativos (quirais) é também conhecida, incluindo aminas, éteres e aminoácidos.[32][33][34]


Esquema da indução de helicidade por meio de compostos quirais (oticamente ativos).
                                             www.apchem.nagoya-u.ac.jp



Induz-se posicionamento preciso dos blocos de construção quiral em poliamidas utilizando aminoácidos naturais como materiais de partida, proporcionando variedade de blocos de construção quirais com diferentes funcionalidades da cadeia lateral, demonstrando a possibilidade das primeiras polimerizações não terem sido apenas entre aminoácidos, mas incluindo diácidos e diaminas.[35]


                                           onlinelibrary.wiley.com


Aminoácidos produzem catálise com orientação quiral heterogênea em moléculas longas como o octadeciltriclorosilano (OTS).[36]
                                            A molécula de octadeciltriclorosilano - en.academic.ru.


Quaternários de amônio também catalisam enantioseletivamente glicina a α-aminoácidos cíclicos e alicíclicos.[37] Pequenos peptídeos não naturais (sintéticos) são capazes também de estereoseletividade.[38] Tem-se também a ação em catálise assimétrica de complexos metálicos baseados em metais de transição, destacadamente o abundante ferro, como em derivados de ferroceno.[39]

No campo das diversas estruturas dos aminoácidos, a síntese de β-aminoácidos também já é objeto de estudo.
[40]


É sempre conviniente citar a ação calcita, como substrato capaz de produzir catálise assimétrica e seletividade, sendo um dos minerais mais abundantes na Terra pré-biótica e em fontes hidrotermais marinhas, com sua superfície selecionadora e acumuladora, um excesso enantiomérico de L-aminoácidos.[41][42][43]

Certos sinergismos entre aminoácidos e minerais são perceptíveis, como a organização de partículas de sílica, o que poderia ter contribuído para a formação de catalisadores “úteis” aos processos de síntese da biopoese.
[44]


                                                    pubs.acs.org


Peptídeos também tem sido evidenciados como capazes de desempenhar o mesmo papel, que nos permite supor uma continuidade desta ação entre os aminoácidos como monômenos e seus produtos poliméricos.[45]


Outros minerais como as argilas, incluindo a nelas presentes alumina e sílica, também são candidatos à catálise mineral.[46][47][48][49][50] Um dos minerais especificamente em estudo é a montmorillonita um silicato.[51][52] Estes variados minerais podem terem contribuido, cada um a seu momento, cada um em um caso, com a catálise mineral da polimerização de aminoácidos.[53]

A ação do minerais, ainda somada a determinados processos físicos, como a evaporação, pode ter colaborado com a polimerização. Citando Jon Erickson, em "Dying Planet"
[54]:

“Ciclos de molhagem e secagem produzidos pelas marés dos oceanos causam estresse no barro que se traduziu em energia. Estes ciclos podem ligar moléculas de aminoácidos juntos por transferência de energia.[...] Os íons em argila agem como catalisadores para acelerar reações químicas [...] quando, na presença de argilas algumas moléculas orgânicas também podem desempenhar funções como enzimas.”


Aqui, devemos destacar que muitos defensores do D.I. confundem um ribossoma, que é um produto de uma organização da vida/proto-célula, com o que seja a formação de enzimas no passado da vida, na biopoese.[55]



Recapitulação


Resumindo, mostramos por diversas vias que a polimerização dos aminoácidos primitivos, conjuntamente com algumas diversas outras espécies químicas formadores de poliamidas, não necessitariam formar compostos completamente homoquirais desde o início da formação das moléculas complexas da vida, formando primeiramente dímeros (duas moléculas), trímeros (3), etc. e com decomposições e novas polimerizar-se, produzir certas configurações espaciais mais predominantes por possibilidades da própria geometria, produzindo nichos catalíticos que perpetuariam s estruturas inicialmente formadas perpetuando a quiralidade dominante, em economia de energia dos processos reativos e a própria possibilidade de sua perpetuação, em seleção química.

As reações com estas moléculas propiciam estruturas geometricamente imensamente mais complexas, mas não devemos nos esquecer que não é uma configuração num segmento de espaço (uma camada de favos de uma colmeia de abelhas, seguindo o excelente exemplo dado por Silvia). Existem "encaixes para todos os lados” (aminas duplas em aminoácidos, assim como ácidos duplos noutros aminoácidos), e estes se dão de forma específica. Lembramos que, um hidrogênio no meio de um ácido graxo (na cadeia hidrocarbônica “pura”) é inerte até ao mais forte ácido ou base em muitos meios, mas a carboxila das extremidades reagem com a mais suave amina, existindo pois forças físico-químicas específicas que direcionam para formar uma forma predominantemente.


Não existe pois a necessidade de haver um primeiro composto de quiralidade (no caso dos aminoácidos, a L) definida. No passado terrestre, devem ter havido polímeros de aminoácidos (com outras espécies químicas, como os álcoois, por exemplo, formando ésteres) os mais diversos, mas a seleção química fez prevalecer uma das formas. A escala dos reagentes permitia qualquer coisa, e o meio, sempre produzia sua determinada - destaquemos - decomposição.


É extremamente provável a decomposição inclusive dos aminoácidos em hidrocarbonetos, aminas e ácidos carboxílicos, suas frações de extremidade e centrais,  “quebras”, o que na indústria de petróleo, exatamente pelo básico do processo, é conhecido como “crackeamento”. E estes compostos formaram massas enormes de substâncias apolares, em emulsão, com formação de interface de meios polares e apolares, onde as polimerizações são mais específicas, vide a formação do nylon, típica poliamida, assim como de “proto-peptídeos”, ainda não homogeneamente polimerizações de aminoácidos.



Referências


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