terça-feira, 28 de junho de 2016

Pontos cosmológicos - 3


Pequenas notas cosmológicas a partir de debates, diálogos, quando não, nervosos bate-bocas pelas redes sociais nesses últimos anos.

Série :



Pobre “partícula de deus”, tão chutada...

Assisti algumas vezes certos personagens afirmarem, sabe-se lá com que premissas, raciocínios ou mesmo seus conceitos sobre os entes e os termos que “a descoberta do bóson de Higgs derrubaria o Big Bang”.

Higgs Boson 01.jpg
Aproximação de um artista de uma colisão de dois prótons que produzem bósons de Higgs. Cortesia do CERN National Geographic. - www.yalescientific.org


Descoberto o campo e sua respectiva partícula que configura massa as demais partículas, inclusive ao próprio bóson de Higgs, uma de suas particularidades (não resisti à uma aliteração!), o modelo padrão das partículas subatômicas está mais e mais completo e corroborado, mas o modelo mais profundo que conduz ao universo se expandindo de um momento de alta densidade e temperatura, que é a Relatividade Geral, e as evidências que sustentam essa modelagem pouquíssima relação tem com isso.

Na verdade, esse campo e sua partícula são mais um significativo fator para modelar com mais precisão o comportamento e a história, a evolução em apresentação e composição do universo.

Um exemplo de leitura simples, de divulgação sobre o tema:
Bóson de Higgs também poderia explicar a primeira expansão do Universo - hypescience.com

Ou uma mais “pesada”:

Study says gravity and Higgs boson interacted to save the universe - earthsky.org


Maldita partícula!

Percebo que não escreveria de modo mais claro e simples:

“Para entender o que ela tem de divino, responda: qual é a diferença entre você e um raio de luz? "Nenhuma" seria a resposta há 13,7 bilhões de anos, no instante em que o Universo nasceu. Nesse estágio embrionário do Cosmos, a grandeza física a que chamamos massa ainda não existia. Nada tinha peso. A matéria que forma o seu corpo hoje era só uma coleção de partículas subatômicas se movendo à velocidade da luz. E aí é que vem a bênção. Certas partículas, os bósons de Higgs, estavam espalhadas por cada milímetro do Universo. Uma hora elas se uniram e, num processo similar ao vapor d'água se transformando em água líquida, e formaram um "oceano" invisível - o Oceano de Higgs. Para algumas das outras partículas que vagavam por aí não fez diferença, caso dos fótons, que passavam (e ainda passam) batidos por esse oceano. Para outras, fez toda. Caso dos quarks (as que formam basicamente todo o seu corpo). Do ponto de vista delas, o Oceano de Higgs era (e ainda é) como um óleo denso. E à força que os quarks fazem para atravessar esse óleo nós damos o nome de massa. Em suma: sem os bósons de Higgs, a matéria não existiria - já que "matéria" é tudo o que tem massa. E você seria algo tão sem substância quanto uma onda de rádio. Chato.”

De “A partícula de Deus” - super.abril.com.br , nos nossos arquivos [ A particula de Deus ].

Acrescentamos:

“O badalado Bóson de Higgs, então, foi encontrado,no entanto, o grande vencedor desta grande jornada científica, a principio, é o Modelo Padrão da Física.

A confirmação da existência do Bóson de Higgs (Partícula de Deus), não causaria em um primeiro momento, um enorme avanço nos estudo da física, pelo contrário, significaria apenas que a teoria que regeu os cientistas e pesquisadores nos últimos 40 anos está de fato correta. Eis que confirmada a existência do Bóson de Higgs, os físicos poderão se preocupar em conseguir explicar algumas das questões que até então não se tem uma explicação cientificamente aceita, e entre algumas delas estão a força da gravidade, o tempo, a matéria escura e a antimatéria.

A análise da descoberta do Bóson de Higgs irá representar uma nova fronteira para a busca da resposta à questão que a humanidade se pergunta desde a antiguidade: "Do que é feito o mundo”? “

Francisvaldo de Lima Coelho; Bóson de Higgs e as Possíveis Mudanças na Física com a sua Descoberta. -  eitecpicos.com , em nossos arquivos [ Lima Coelho - Boson Higgs Possiveis Mudanças Fisica ]

Leitura para os “mais altos iniciados”:

José Maria Filardo Bassalo; O BÓSON DE HIGGS (“A PARTÍCULA DEUS”) E A PARTÍCULA Z 0 (“A PARTÍCULA DE DEUS”); Norte Ciência, vol. 3, n. 1, p. 1-26 (2012) - aparaciencias.org , em nossos arquivos [ Bassalo - BOSON DE HIGGS ]

Jean Júnio Mendes Pimenta, Lucas Francisco Bosso Belussi, Erica Regina Takano Natti, Paulo Laerte Natti; O bóson de Higgs; Revista Brasileira de Ensino de F´ısica, v. 35, n. 2, 2306 (2013) - www.scielo.br , em nossos arquivos [ Pimenta Belussi  - BOSON DE HIGGS ]

Enfim, concluímos sobre esse tipo de personagens “descobriu-se tal coisa e - non sequitur - derrubado está o Big bang”:

Não tem quem lhes apoie em Ciência séria (e garanto que não existe outra), e Higgs ou não Higgs não derruba o Modelo FLRW, o dito popularmente Big Bang no básico.

Só lamento, estão discutindo groselha.


Retornando certa questão

Sobre “o Big Bang não como “início” do universo”, de "O Big Bang é um mal-entendido" - Hubert Reeves, astrofísico franco-canadense, fala sobre o Big Bang. - super.abril.com.br , nos nossos arquivos O Big Bang eh um mal-entendido , destacamos:
“Mas como não fazer a aproximação? No princípio era o Big Bang, uma formidável explosão de luz, a 15 bilhões de anos, dando origem no Universo. Não é o que dizem os astrofísicos?

Não. Não podemos afirmar que o Big Bang seja a origem do Universo.

Mas é o que os senhores vêm repetindo há anos.

Eu sei. Provavelmente nós nos exprimimos mal e fomos também mal compreendidos. Hoje a ciência de modo algum pode afirmar que conhece a origem do Universo. Ela nem sequer sabe se o Universo teve uma origem. Falar de um começo implica obrigatoriamente a idéia de que antes desse acontecimento não havia nada. Ora, isso não sabemos.

Se assim é, se o Big Bang não é a Origem, o que quer dizer afinal essa expressão?

Ela designa o estado em que se encontrava o Universo há 15 bilhões de anos, eis tudo. Ou seja, a época mais longínqua que nossos meios atuais permitem alcançar. Somos como exploradores diante de um oceano: não sabemos se existe algo além do horizonte. Com efeito, o Big Bang não representa os limites do mundo, mas unicamente os limites dos nossos conhecimentos. Tudo o que sabemos é que há 15 bilhões de anos o Universo era muito diferente do atual: era extremamente quente — bilhões cie graus —, muito denso e desorganizado. Evidentemente, nada de vida, nada de estrelas, nada de galáxias. Nada de moléculas, nada de átomos, nada mesmo de núcleos atômicos. Apenas uma sopa gigantesca, um purê de partículas elementares: elétrons, fótons (ou seja, pequenos grãos de luz) e também quarks e neutrinos, os futuros constituintes dos átomos. Numa palavra, o caos.”


Universo Cíclico e a implacável Entropia

"Supomos que realmente o ciclo é eterno e que o espaço e tempo sempre existiu. Como se comportaria a entropia em um universo eterno?"

Não se trata entropia (ou mesmo toda a Termodinâmica) em Cosmologia conforme se trata em Física de menor escala ou mesmo aplicada a todo o universo "desde o Big Bang".

Termodinâmica trata do calor entre as partículas, e diria até da energia, num cenário espaço-tempo.

Cosmologia mostra que este espaço-tempo já varia no tempo. Assim, já para cosmologias "com bounce", a entropia do universo diminuiria antes do "bounce" e "passando" por ele, entrando no comportamento que hoje vemos.

Uma teoria que trata isso de uma maneira bela é a GQL, ainda que conjectural, mostra que o universo poderia ter propriedades quânticas que a medida que "se comprimiu" (o espaço-tempo diminuindo) aqueceu-se exatamente como um gás comprimido aquece, e suas agregações (como os átomos e mesmo as partículas) "desfizeram-se", chegando a um máximo de temperatura e pressão e então iniciando nosso universo. Noutras palavras, um “gargalo”, um estreitamento de densidade e temperatura.

Em suma, entropia "trivial" não derruba universo eterno/cíclico, apenas, exige o tratamento adequado.

Brian Greene, em seu recente livro “A Realidade Oculta”, trata disso com bastante didática. Destaco aqui uma de suas notas no final do livro:

“Em um detalhe interessante, os autores do modelo cíclico do mundo-brana invocam uma aplicação especialmente utilitária da energia escura (a energia escura será discutida com maior profundidade no capítulo 6). Na última fase de cada ciclo, a presença de energia escura nos mundos-brana assegura a concordância com as observações atuais a respeito da expansão acelerada. A expansão acelerada, por sua vez, dilui a densidade da entropia, o que arma o cenário do ciclo cosmológico seguinte.”



Muitas vezes, divulgar Ciência é arrumar encrenca.


Seria um caso insano de arrogância um ser humano vivo pensar que nada lhe é superior  em todo o mundo. - Crisipo, filosofo grego

“...com frequência a ignorância engendra mais confiança que o conhecimento: são os que sabem pouco, e não os que sabem muito, os que asseveram positivamente que este ou aquele problema nunca será resolvido pela ciência.” - Charles Darwin, Introdução, A descendência do homem (1871)


Apêndice

Ponto interessante sobre divulgação:

Roberta Smolka Adena; Quando os prótons colidem - Uma análise do Jornalismo científico brasileiro a partir da descoberta do Bóson de Higgs; Pontifícia Universidade Católica – PUC – São Paulo Trabalho de Conclusão de Curso - Jornalismo - www.museudavida.fiocruz.br - nos nossos arquivos [ Adena - Quando os protons colidem ]


Destacamos:

“O cognome “Partícula de deus” me trouxe uma carga maior de reflexão acerca do tema. Primeiramente, pensei na origem do nome, que relações haviam ali naquela metáfora, e com o tempo, fiz mais reflexões, o que trouxe ao trabalho maior profundidade ao tema, como a relação entre jornalista e cientista, a alfabetização científica e o sensacionalismo criado pela mídia ao retratar a ciência.

[...]

O Bóson de Higgs pode, de fato, ser considerado uma das maiores descobertas de toda a ciência, mas a maneira como os acontecimentos são popularizados pela mídia ainda distancia o leitor dos fatos apresentados, ou seja, a população permanece carente de informação e capacidade de compreender os motivos e consequências do processo científico.”

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