quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Olha dirão não ver certas estrelas…


Uma dúvida e uma confusão recorrente sobre até mesmo o que seja o “céu”,

Seguidamente encontro pessoas com dúvidas que existam constelações que possam ser vistas durante o ano inteiro, ou pior, sejamos bem diretos, que afirmam que estas não podem existir.

O motivo de terem tal dúvida, ou de pensarem assim, dogmaticamente, é considerar - ainda que sem perceber, no céu como um cilindro, e curiosamente, na Terra também como tal.

Explico o motivo pelo qual afirmo tal coisa estranha.

Já ouvi e li que se estamos à noite, e vemos determinada estrela (ou constelação), quando estamos no “lado oposto” do Sol, não poderíamos ver as mesmas estrelas, pois agora o Sol está entre nós e elas, o que, noutras palavras, implica em que estão no céu “de dia” naquela época do ano.

O argumento parece até ter um mínimo sentido quando pensamos em um sistema relativamente “plano”, tal como é o sistema solar. Digamos, reforçando a coisa por esse ponto, que podemos estar de um lado do Sol enquanto Júpiter, que é tão visível no céu à noite, estaria “do seu lado oposto”, ou seja, eclipsado pela sua claridade no mesmo ponto em que o vemos da Terra.

Aos leitores com mais experiência em Astronomia, o erro já se mostra claro.

O raciocínio dessas pessoas pode ser facilmente entendido pela figura abaixo:

Colatitude 2.png

Acredito que aqui percebe-se o “cilindro” que tornou-se o céu e o mesmo para a Terra que afirmo.

Os corpos celestes não encontram-se no “plano” do sistema solar. As aspas são pois nem plano ele é. Seria o que podemos chamar de um certo volume bastante achatado, um disco, dentro do qual posições máximas das órbitas dos planetas ocorrem, pois suas órbitas não são coplanares.




O que dizer para as estrelas, que são, mesmo com a certa “platitude” (ou, ironizando, baixa “cilindritude” ou ainda “duplo ovo-frititude”) de nossa galáxia, formam uma região contida para o visível de uma esfera aproximada de uns 1500 anos-luz de raio (certos astrônomos conhecidos e amigos terão quase uma crise nervosa, mas acho que o argumento é entendível facilmente com certas afirmações grosseiras e menos exatidão e detalhes).





A coisa é de uma premissa tão falsa que a Estrela Polar está sempre, dada nossa atual inclinação de eixo da Terra, no mesmo ponto do céu e visível a medida que nos aproximamos das regiões árticas, até que finalmente, sobre o eixo, estará exatamente acima de nossa posição.

Uma nota cinematográfica: mesmo sendo o atropelo total do histórico, do biológico e pelontologico, e do digamos científico e cético que é, o filme “pipoca” 10.000 a.C., do diretor Roland Emmerich, tem um momento de certo rigor, quando um personagem, digamos nas proximidades do que hoje é o Egito, observa que tem um ponto no céu que é fixo, ainda ali (devido à data e à precessão do equinócios) sem nossa atual Estrela Polar (hoje, Norte).

Acredito que estas pessoas teriam primeiramente de entender o que seja colatitude:

en.wikipedia.org - Colatitude

Assim, entenderiam que a determinadas latitudes, um ponto no céu estará visível seja de dia, seja de noite, mesmo que seja extremamente junto ao horizonte.

Desta maneira, entenderiam que uma estrela (ou qualquer corpo celeste) se fixo (como relativamente são as estrelas) é visível de um ponto da Terra dependendo de sua posição no céu, independente de “qual lado estamos no Sol” (estações e meses), como podemos ver para um caso afirmativo (à esquerda) e um negativo (à direita), para o Sul, na figura abaixo.

Colatitude 1.png

Assim, deixemos bem claro: Sim, existem constelações que são visíveis á noite durante o ano inteiro, dependendo de qual constelação e de que ponto você esteja na Terra.



Extras

1

A posição que interessa nessa questão é o que os astrônomos chamam de “declinação”.

Deve-se também entender (e até utilizar) o que seja “planisfério”:

pt.wikipedia.org - Planisfério

Planisférios para o Brasil - www.if.ufrgs.br


Como bem destacado numa conversa pelo Facebook sobre o tema, as Plêiades tem declinação de 24°.


Num caso destacado de uma conversa um tanto irritante num balcão de bar, o Cruzeiro do Sul (Crux) tem de -60°.


Uma citação:
“Sem dúvida esta é a constelação mais popular em nosso país pois pode ser visto durante quase todo ano (exceto na Primavera quando fica muito baixa).” - archive.is

Obs.: Entenda-se aqui a expressão “em nosso país” como sendo em todo seu território. Ao Sul do RS*, abaixo de uns 32° de latitude, sempre é visível à noite.

*SUL (ponto mais meridional): Arroio Chuí (extremo sul do estado do Rio Grande do Sul, fronteira com o Uruguai) - Latitude: -33° 45'07" - www.suapesquisa.com




O planisfério Sul é rico em constelações, e com ainda maiores declinações:

“Em relação a essas estrelas, o Cruzeiro do Sul estará sempre acima do horizonte para todos os lugares situados entre o pólo sul e o paralelo austral de latitude igual a -32 graus 54 minutos e poderá ser visto durante o ano a qualquer hora da noite. Na zona compreendida entre os paralelos de -32 graus 54 minutos e +27 graus 50 minutos, ainda se poderá observar a Cruz do Sul, porém tanto menos tempo durante a noite quanto mais o observador se deslocar para o norte, podendo deixar de ser visível nas épocas do ano em que se acha mais próxima do Sol.”

Viagem à constelação do Cruzeiro do Sul - super.abril.com.br

2

A um certo Olavo (não é “aquele”!) grato pela inspiração por um título minimamente interessante para esse muito menos dotado para a poesia autor

Ouvir Estrelas

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo? "

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas".

Olavo Bilac

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