Recentemente escrevi um texto sobre o filme “Jurassic World: Rebirth”.
Nele, abordei a modificação corporal (genética, engenharia genética, mutação ou evolução) que faria com que o número de membros de um tetrápode como dos dinossauros ou os mamíferos passariam a ter seis membros, um hexápode.
Nos artrópodes, a questão sempre foi relativamente simples, uma característica aliás muito simples desse clado de animais.
Mas para os cordados, como escrevi nesse texto, vale essas minhas frases:
“Recentemente, imaginei uma mutação que levaria a um 'quadril duplo' em mamíferos, produzindo um 'hexápode' [...]
[...] A vida, porém, sempre teve graves problemas com modificações corpóreas radicais, preferindo uma paciente 'preguiça' em suaves modificações ao longo de milhares de gerações e milhões de anos.”
Disso seguiu um diálogo com a Gemini da Google, após ela revisar meu texto sobre cinema, que partiu da seguinte pergunta:
Vamos pensar sobre problemas em graves modificações no design corporal, como dois membros a mais?
Ao que ela me respondeu, praticamente um ensaio sobre o tema, cujo título “roubei” para nomear essa ‘blogagem’:
É fascinante pensar em modificações radicais no design corporal, como a adição de dois membros a mais. A biologia especulativa nos permite viajar por esses cenários de "e se...", mas a realidade da evolução é um pouco mais teimosa, como você bem apontou em seu texto.
Quando pensamos em problemas para a adição de dois membros extras (transformando um tetrápode em um hexápode, por exemplo), vêm à mente vários desafios complexos e interligados:
1. Limitações do Plano Corporal Básico (Body Plan)
Restrição Genética e Desenvolvimental: A maioria dos animais possui um plano corporal básico (ou body plan) que é conservado ao longo de milhões de anos de evolução. A adição de um par extra de membros não é apenas "adicionar um par de pernas". Envolve uma reorganização colossal dos genes HOX (que controlam o desenvolvimento do corpo ao longo do eixo cabeça-cauda), do sistema nervoso, da musculatura, do sistema circulatório e esquelético. Alterações tão fundamentais geralmente resultam em anomalias letais ou inviáveis no desenvolvimento embrionário, não em um organismo funcional.
"Custo" de Desenvolvimento: Cada estrutura extra exige um gasto energético significativo para ser desenvolvida, mantida e operada. A natureza é conservadora; só investe em algo que traga um benefício adaptativo muito grande.
2. Eficiência Mecânica e Locomoção
Biomecânica e Centro de Gravidade: Um animal hexápode teria um centro de gravidade e uma distribuição de peso muito diferentes de um tetrápode. Isso exigiria uma remodelação completa da coluna vertebral, da pelve, da cintura escapular e de toda a musculatura associada para permitir uma locomoção eficiente e estável. Os modos de andar teriam de ser reprojetados do zero.
Controle Neural: Coordenar quatro membros já é complexo. Coordenar seis membros, especialmente se os dois extras estiverem em uma posição incomum, seria um desafio imenso para o sistema nervoso. Exigiria novos centros de controle neural e redes complexas para garantir movimentos sincronizados e eficazes.
3. Pressões Seletivas e Vantagem Adaptativa
"Por que?": Para que uma modificação tão drástica se estabeleça, ela precisaria conferir uma vantagem adaptativa enorme que compensasse o custo e a dificuldade de sua origem. Se os quatro membros existentes já cumprem bem suas funções (locomoção, manipulação, etc.), qual seria a pressão seletiva para desenvolver mais dois?
Nichos Ecológicos: Geralmente, a evolução otimiza o que já existe para preencher nichos específicos. É mais provável que um animal otimize seus quatro membros para se tornar mais rápido, mais forte ou melhor em escalar, do que desenvolver dois novos membros do zero, a menos que isso abra um nicho completamente novo e vantajoso (como um segundo par de asas em insetos, por exemplo, mas eles seguem outro plano corporal).
4. História Evolutiva e Contingência
Caminhos Já Trilhados: Os tetrápodes surgiram de um ancestral com quatro membros. A evolução é, em grande parte, uma série de modificações no que já existe, não um constante "recomeço". Embora a variação aleatória ocorra, as mutações que alteram fundamentalmente o plano corporal são raras e, na maioria das vezes, deletérias. Os insetos são hexápodes, mas desenvolveram seus seis membros a partir de um plano corporal diferente e num ramo da vida muito mais antigo, antes da diversificação dos vertebrados.
Eventos de Duplicação: Em casos raros, a duplicação de genes HOX ou até de cromossomos inteiros pode levar a novas oportunidades evolutivas. No entanto, mesmo nesses cenários, a expressão desses genes precisa ser precisamente regulada para produzir estruturas funcionais e não monstruosidades inviáveis.
Sua ideia de um "quadril duplo" em mamíferos é um ótimo exemplo de biologia especulativa que explora essas fronteiras. Embora seja muito difícil para a evolução natural adicionar um par de membros totalmente novo e funcional em um tetrápode adulto (sem ser uma duplicação teratológica ou uma malformação), pensar nessas possibilidades nos ajuda a entender melhor os mecanismos e as restrições da própria vida.
É por isso que a "preguiça paciente" da evolução, como você descreveu, geralmente prefere suaves modificações ao longo de milhões de anos, otimizando o plano corporal existente, em vez de reinvenções radicais.
Ligações
Biologia Especulativa - Meu site de “e se…?” em evolução.
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