sexta-feira, 19 de março de 2010

Pitacos III

Pitaca, s.f. coleção de játacas.

Játaca, s.f. (liter.) narrativa oriental em que Buda, num de seus antigos nascimentos, desempenha algum papel, como herói ou simples espectador; existem numerosos livros de jácatas na Índia.

Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete


"Tenho um medo pavoroso de que um dia me declarem santo: perceberão que público este livro antes, ele deve evitar que se cometam abusos comigo."

"Há homens que já nascem póstumos."
- Friedrich Wilhelm Nietzsche

"O homem que debate na internet já inicia POSThomo." - Francisco, O Herege, o personagem de mim mesmo, Dom Quixote inábil das ciências entre as plagas ORKUTtianas e outras.

Como já disse inúmeras vezes, sou um "malandro intelectual", no limiar do desonesto (e as vezes até me atirando no "abismo"), quando trata-se de defender meus pontos e apresentar minhas e de outros ideias.

Fortuitamente, se é que esta palavra aqui não é completamente inadequada, o assassinato do cartunista Glauco, de quem tanto gostava, como muitos de minha geração, envolve questões de cérebro/mente/ação de drogas. Em bate papo sobre o caso no ORKUT, mais uma vez, surgiu a portunidade de clarear alguns pontos, que aqui reproduzo, e acrescento detalhes, referências e links, procurando somar à tétrica última blogagem, pois muito mais tétrica é a mente humana.



Um jornalista portoalegrense perguntou, abertamente, em uma comunidade, a respeito do "chá do Santo Daime" (a droga/bebida conhecida como Ayahuasca , se drogados, ex-viciados, como seria o caso do rapaz que matou o cartunista Glauco, poderiam usá-la.

Minha resposta, com o meu humor ácido que procuro manter como marca, foi: Podem.

E complemento, justificando: da mesma maneira, tão banal, que um viciado em cocaína, que é um euforizante, pode passar a usar também um alucinógeno como o LSD. Da mesma maneira que um usuário de heroína, que é um opióide "entorpecente" (aqui, no sentido do típico bem-estar intenso e relaxante que causa) pode se tornar também viciado em cocaína ou anfetaminas, ou mesmo, usando LSD.

Observação: O consumo de heroína com cocaína - "speedballs" ou "moonrocks" - tem crescido, e no Brasil, o consumo de crack em meio à maconha, igualmente, além da alternância dos dois - que já existia muito entre cocainômanos, paralelamente ao consumo de bebidas destiladas.

Drogas de ações diversas não se contrapõe, não se excluem e não se substituem. Se somam. Tanto que é comum os "multi-viciados", usuários de diversas drogas de ações diversas.

Em seguida, o jornalista pergunta se é possível tratar um drogado com algo alucinógeno.

Esta pergunta se responde rapidamente: se tal tivesse nexo, poderia se tratar viciados em maconha, cocaína e heroína - e não devo me esquecer dos milenares alcoólatras - com LSD (e outros alucinógenos) há décadas. Se formos ver, até pela origem xamãnica (drogas enteógenas), os alucinógenos deveriam tratar os viciados de todos os tipos há milênios, e como princípios ativos vegetais bem conhecidos, já teriam originado fármacos.

O problema maior é que alucinógenos potencializam atos ditos "insanos".

Como trazem impulsos cerebrais das áreas mais subconscientes dos consumidores (os "sonhos acordados"), também despertam psicoses (a chamada 'bad trip'), o em algumas regiões brasileiro 'teto preto'.

O estado mental (profundo e íntimo) que o usuário já apresentava antes do consumo é ampliado pela droga. Se a ministrarmos para um indivíduo recatado e pacífico (mesmo intimamente em sua, perdão pela redundância, mente) ele poderá se tornar apático frente a uma situação de perigo, como num incêndio. Vale a pena observar o personagem de Brad Pitt em True Romance (Amor à Queima-Roupa , 1993), apático frente a gângsters armados.

Já indivíduos até pacíficos podem chegar a atos insensatos, como os de William S. Burroughs. Que se há de dizer dos naturalmente agessivos, ou dos psicopatas (mesmo leves) até mesmo sob controle próprio quando "sãos".

Ou seja, resumindo: não dá.

Lembrando o clássico da ficção científica Planeta Proibido, "devemos manter sob controle os monstros do IDI".



Esta temática toda me parece relacionada com outra tese que venho desenvolvendo há tempos, em especial, no último ano. Três falácias permanentemente rondam a segurança pública brasileira, e somam-se a um quarta, um tanto específica, que relaciona-se especialmente com a mais criminogênica (que gera crimes) das drogas, o crack, que empesta as cidades brasileiras, destacadamente, as do sul e sudeste (pelo menos pelo destaque na mídia).

Primeira fálacia: o homem é bom.

Somos descendentes de primatas carniceiros da savana africana, formadores de grupos de machos matadores e posteriormente de caçadores. Nossa história, desde trocas de pauladas e pedradas entre pequenos grupos, nos aproxima muito mais dos violentos chimpanzés do que dos tranquilos e luxuriosos bonobos. Nosso cérebro é uma máquina pronta para a produção de perversidades com o alheio.

Aqui, um "ad hitlerum invertido": prova maior é o nazismo, que levou um dos povos mais civilizados e cultos, berço da mais sofisticada matemática e ciências, da mais complexa música ocidental, a produzir nossos piores momentos.

O homem não é bom, ele é contingencialmente (e social e civilizatoriamente) mantido no que chamamos bem, e mesmo assim, muitas vezes, pela ação da força, que bem analisada, não é o bem.

Segunda falácia: a mente humana é uma Tabula Rasa, um copo vazio que pode receber os melhores licores, metaforicamente falando, um hardware que pode receber o mais inocente e produtivo software, numa analogia com a informática, sempre útil, mas limitada quando tem de se tratar de cérebro e mente.

A mente humana opera com determinados mecanicismos natos e inclusive fruto de pequenos defeitos, assim como com benefícios de pequenas características que diferenciam desde os mais limitados de nós até nossos gênios.

Não adianta apenas a educação, seja familiar ou escolar, ou mesmo as oriundas das punições judiciais, seja na ameaça/temor, seja na execução/punição. O humano agirá conforme seus impulsos.

Aqui, introduza-se, amigo leitor, se já não o foi, ao Behaviorismo, já num humano médio, e perceba que mesmo as melhores famílias, com os melhores pais que proveram as melhores escolas, produzem desde simples personalidades malévolas menores, como o seu colega "puxador de tapete" no seu trabalho até o seu vizinho de bairro, que esquarteja a esposa e filhos e os enterra no pátio.

Achou o exemplo desagradável?

Por isso mesmo que as mais antigas civilizações proveram suas crianças de "contos de fadas", os mais terríveis, para preparar a mente de suas crianças para o pior do mundo, pois sempre souberam que o homem não é bom por si, e não adianta jogar sobre ele toda a bondade e sabedoria da civilização, ainda sim, cometerá atos maus e até monstruosos e insanos, pois seu cérebro pode e assim o faz quando impulsionado a isso. Logo, João e Maria tem de saber jogar a bruxa na água fervente ou o lenhador tem de abrir a barriga do lobo.

Terceira falácia: reprimir brutalmente o crime é incivilizado.

Antes de continuarmos, ninguém aqui está falando de queimar assassinos em praça pública, ou de implantar sem critério muito bem estabelecido penas capitais.

Estamos falando que começamos a considerar que por o sistema judicial/prisional ser brando e punir por exemplo homicídios graves com penas que são (no tempo cumprido, finalmente), em outros países, correspondentes a penas por furto, por exemplo novamente, levariam e levarão os criminosos à busca de um novo caminho pelo bem.

Nada mais errado. A certeza da pouca punibilidade (nem estou tratando de impunidade) leva à mente criminosa a não temer a punição. A desestruturação do sistema prisional (que inclusive, independe do sistema judiciário e das leis em si) levam o criminoso a preferir o crime como o caminho viável, pois encontrará no sistema prisional rapidamente estrutura, e tal se comportará como um mercado (no conceito que é tratado no marketing), tanto como uma rua em São Paulo lotar-se de lojas de produtos eletrônicos ou no Rio de Janeiro de antiquários e sebos, ou, como exemplo mais que adequado, um bairro praticamente inteiro em Campinas voltar-se à prostituição (desculpe, querida Campinas, mas é fato).

Igualmente, um "paradoxo sorites como falácia", alicerçado sobre esta falácia, levará a que exista uma graduação etária que leva até um momento de ruptura (no sistema do próprio crime) de idades em que é viável a criminalidade, e que cerca os criminosos da faixa mais problemática (para o criminoso) de uma "mão de obra marginal" que abastece a baixo custo as estruturas criminosas, desde as menores até as de abrangência estadual e trans-estadual (PCC, por exemplo máximo).



Esta estrutura dinâmica em fluxo e abrangente no espaço, não tem de ter a certeza de um sistema policial/judiciário/penal existente que não lhe é um impecilho poderoso. Tem de ter o pavor (este é o termo) da existência de um poderoso sistema que lhe seja opositor.

As nações mais civilizadas são implacáveis com o crime. Atuam sobre ele com permanente asfixia. A liberal Austrália, por exemplo, "paraíso de primeiro mundo", possui idade penal de 7 anos , e todos os países ditos vanaçados/ricos, sem exceção, na verdade possuem uma graduação rígida das estruturas prisionais (aqui, usemos, corrijo-me, perdoem-me mais uma vez pela redundância, correcionais) pela graduação de idade, até para não contaminar o mais novo pelo mais velho no crime (aqui, o jovem tenente do PCC, na unidade correcional, treina o aspirante, recém ingresso, e pouco interessa, neste sistema dinâmico, que um tenha 17 anos e 11 meses e o outro, 14 recém feitos).



Quanto aos liberais tratamentos que tem sido dados aos viciados em crack, "que não devem ser internados contra sua vontade", seria bom lembrar a todos, e acho que esta minha explicação poupará da descrição mais formal da "falácia bazofenta" específica, já não são há muito controladores de sua própria vontade, tanto que ficam sem comer e dormir por dias morando em meio ao lixo e sob pingos de goteiras, e por míseros 5 reais, o suficiente para a próxima "pedra", das diversas - se possível, de um dia, são capazes de enfiar facas nos olhos das próprias mães ou cortar o pescoço da primeira menininha com trocados indo buscar alguns pães na esquina (sua filha ou irmã menor, por exemplo), pois simplesmente o que opera agora, é a parte basal de seus cérebros, que ao invés de buscar respirar, beber água, comer, dormir e ter um tanto de sexo, busca a próxima dose de alcalóide, e que há muito deixou de se relacionar bem com a parte externa e mais da frente de seu cérebro, que por sinal, para seu (e mais ainda, nosso) infortúnio, mesmo quando tem férrea vontade, não é voltada para o bem, não adianta ter recebido a magnífica educação de uma família e de ótimas escolas e muito menos em que maravilhosa e rica sociedade e nação se encontre.

Neurologicamente: tornaram-se robóticos nos seus mecanismos de ação, tal como são os répteis ou os anfíbios em seus atos de sobrevivência, exatamente porque a parte basal de nosso cérebro, agora predominante em impulsionar o viciado, é a de um amniota, tão limitado em funções como é o de um lagarto ou um sapo*.

*Citando sapos, há tempos que em termos de segurança, a sociedade brasileira se comporta como o metafórico/lendário sapo, que ao ser imerso em água quente salta, mas quando aquecido lentamente, é cozinhado e não percebe.

Esta massa de cérebros em busca de alcalóide a todo o custo, produz uma massa tão perigosa que até o crime a evita, e perturba, inclusive, a já limitada capacidade do crime mais organizado de absorver uma crescente "massa de mão de obra marginal", perturbando seus negócios até dentro do próprio tráfico de drogas, basta abrir as páginas policiais de jornais. Noutros termos, se o viciado em crack até ao crime é prejudicial, quanto mais podendo ter liberdades como um cidadão plenamente dotado de seus direitos. Viciados em crack não são criminosos, são doentes graves e nocivos, como qualquer infectado com uma virose letal e contagiosa, a toda a sociedade e a si mesmos. Não se pode tratar um infectado por um vírus letal como se trata um funcionário de empresa com problemas com álcool ou cocaína. Tem de ser, pois, contingenciados.

Agora formalizando e criticando a falácia específica: os viciados em crack não podem mais ter a liberdade de serem internado apenas por sua vontade, pois não possuem mais vontade.

Acredito que eu tenha sido bem claro.

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