sexta-feira, 9 de março de 2012

A ilusória isolada criatividade II

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Em complemento a um ponto importante, a inexistência de criatividade isolada, de A Origem... de muitos erros, abordando o quanto somos bombardeados por memes da cultura pop, em citações recorrentes.

Ao assistir já o trailer de Tron, O Legado, algumas imagens já me motivavam a escrever este texto quando de sua inicial confecção, e hoje, sobremaneira, ao ir assistir John Carter, novo filme "pipoca" da Disney, do mesmo diretor do ecologicamente corretíssimo Wall-E.



Ainda mais, pois recentemente, reli Cosmos, de Sagan, onde ele trata de Marte associando com suas lembranças de adolescente tendo lido "Uma Princesa de Marte", e o contraste com o deserto sem vida que naquele planeta viu, quando participando da equipe das missões Viking.

As contracapas das edições no brasil de "Uma Princesa de Marte", de Edgar Rice Burroughs, em livro, já trazem a citação de quanto Avatar  foi inspirado por este, pelas palavras do próprio James Cameron [REF 1], mas deixemos para outra blogagem, e após um número significativo de pessoas já ter assistido o recém lançado filme, para tratar de Barsoom ... perdão, Marte e o que John Carter, uma bela fantasia, pode nos trazer de divulgável no científico, ainda mais depois das notícias sobre o "vermelhinho" nestas últimas semanas (ver Extras).

REF 1: “With ‘Avatar,’ I thought, forget all these chick flicks and do a classic guys’ adventure movie, something in the Edgar Rice Burroughs mold, like John Carter of Mars.” (The New Yorker, October 26, 2009) - thejohncarterfiles.com




Assim, aqui e agora, só tratemos de mente e o processo criativo, que é ilusório.

As citações na cultura pop de obras agora já clássicas tem se tornado uma constante, e como já citei, um das alvos, melhor dizer, das fontes mais fecundas tem sido a obra de Kubrick, tanto em 2001 - Uma Odisséia no Espaço, quanto em Laranja Mecânica.

Os pisos e até o design básico da mobília do "quarto da evolução" (uma liberdade minha em nomeá-lo) de 2001 são repetidos mais uma vez.



Um certo ar "70s" também faz parte deste reciclo de ideias.


Mas um certo personagem me perturbou, pois sabia que existiam referências na cultura pop, a repetição de um determinado visual, em suma, "o assessor careca com aparatos na cabeça".


Lembrando o que tratei sobre as falhas da memória e os mecanismos que fazem "cair seus dominós", zapeando pela maratona de Star Wars, no episódio 'A Ameaça Fantasma', deu-me "o estalo", e acho que encontrei, após uma rápida pesquisada na internet. Notemos que sem nem mesmo ter assistido então ao 'Império Contra-Ataca'.



Aceito que talvez aqui tenha, como se diz, "forçado a barra". Mas convenhamos que quando a coisa se trata da similaridade entre: dono de restaurante/dono de 'disco', que possui suas instalações no último andar de um edifício (que no caso de Matrix é o 101°, uma alusão a natureza binária de seus personagens e talvez uma citação da sala das piores torturas de 1984 de George Orwell), e que é francês/britânico, além de estar entre os mais antigos programas, e evidentemente um personagem traiçoeiro, a coisa começa a ser um tanto complicada de ser negada.


Mas podemos acrescentar a questão de que suas roupas dândi e a bengala, e as afirmações que coloco inicialmente se completam.



Acredito que não necessito tratar da grid de Tron, a matriz onde se operam os eventos de seu digital mundo, e a ilusória Matrix, que ilude os humanos para que se tornem apenas pilhas.

Porém, acho interessante ver que o plástico no aspecto e onipresente fluorescente brilho do primeiro Tron tornou-se similar ao devastado "deserto do real" de Matrix*, até mesmo no tempestuoso céu sempre escuro. O que aliás, inspira-nos a afirmar que cada vez mais buscamos escape num mundo do ilusório, devido ao quase tédio que se mostra o mundo frente aos produtos culturais como o cinema e os videogames.




*-Welcome to the desert of the real. - Morpheus para Neo em The Matrix - Reality sucks in the multiplex

Até as ambientações em "espaços reais" para filmes tem sido baseadas na representação que chamaria de "subúrbio deprimente" de Matrix, que na minha opinião, tem origem em Dark City (Cidade das Sombras, 1998, IMDB).



Que aliás, em diversos outros pontos, é opinião dividida por mais pessoas: Matrix vs Dark City, ou, mais dinamicamente, The Matrix vs. Dark City (na verdade, eu recuaria a questão ainda um pouco mais, como nós, fãs de Ghost In The Shell, já sabemos, Matrix VS Gits (Ghost In The Shell) ).

Chego a dizer que já chegamos a era das "derivações das associações", pois até produtos derivados e em paralelo seguem as citações:

Vídeo de Daft Punk de uma das músicas ('Darezzed') da trilha sonora de 'Tron, O Legado', e 'O Segundo Renascer', de Animatrix.


Evidente que certas citações recentes, até em produções infanto-juvenis (como alvo principal), como Wall E, tem feito o que chamaria de uma "memeficação" da imagem do mal, do traidor, do tirano, do covarde, etc, assim como do ambiente dito mais futurista ou mesmo o mais aterrorizante. Um exemplo que já citei é o do robótico/eletrônico olho vermelho



Se ainda não fui aqui convincente, mais alguns exemplos.




Em conversa com meu amigo Eduardo Valim, homem então do meio livreiro e escritor, iniciei com a 'ironia das 16 únicas histórias originais', e ele as reduziu a apenas duas. Mas as citações - assim como evidentes cópias de estilo e estrutura - que classificaria como leves são bem toleráveis e até divertidas contra as que considero plágio puro e simples, como entre Duna e A Batalha de Riddick - não que este filme seja ruim em si e de todo, muito menos não seja divertido e bem acabado, mas é uma, na gíria de quem gosta de cinema e outras artes populares, "uma chupação", e isto que nos interessa aqui..


Lá estão as castas, os "feudos", um messias, uma certo contexto religioso (inclusive uma guerra religiosa), povos com determinadas características, até mesmo as "marcas de fidelidade", apenas mudando da testa para o pescoço. Está inclusive a "medievalização", uma grande estética gótica, típica do mundo da novela de Frank Herbert*, completamente diferente do estilo "futuro no meio da sucata" do primeiro filme do assassino Riddick, Pitch Black (Eclipse Mortal, 2000, IMDB). Claro que lá também estão os mesmos erros em Física de ficções que não se interessam por evitar este tipo de falha, ao contrário de ficções como as de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke.

* A meu ver, claramente trazida de Edgar Rice Burroughs e posteriormente levada para o filme John Carter, sem falar da mais que óbvia carência de água pelo planeta.

Somos uma espécie possuidora de um cérebro obcecado por criar arquétipos e ícones, em criar representatividades universais de nossos elementos culturais mais básicos, até para facilitar o que ainda apenas uma evolução de nos reunirmos ao redor de fogueiras, e talvez antes carcaças, e contarmos grunidas histórias e estórias.



Reality vs Surrealism (http://www.freakingnews.com/Freak-Show-Pictures----2923-0.asp).


Apenas somos uma certa evolução com um inadequado sentido de "melhoria" daqueles grunidores de histórias e estórias, carregados agora sobre os ombros de realmente poucos criativos gigantes do intelecto humano, desde o primeiro de nós que inventou como nos associarmos aos lobos para caçar, como costurar peles com agulhas de osso, como fazer lanças com pontas de chifre, muito mais perfurantes que pedras, passando, nos últimos milhares de anos, por arquitetos de pirâmides, construtores de arcos, os pais da Matemática, formuladores de equações em Física, incontáveis campos que constituem o homem atual, incluindo, neste tempo todo, os mais originais e revolucionários artistas.










Somada a este comportamento de cópia (perdão, mas o termo é exatamente este), temos um mecanismo cerebral de reconhecer padrões, que odeia a distribuição caótica das coisas da natureza, uma tendência incontrolável à pareidolia, palavra resultante da junção do termo grego para , junto a, ao lado de, e eidolon, imagem, figura, forma. Vemos rostos em nervuras de madeira, rochas, folhas no chão, e ampliamos este tipo de comportamento nato até para o reconhecimento de imagens religiosas em mofo de paredes, gordura e refrações de vidros, etc.




Até no nosso ambiente doméstico podemos ter simpáticas visões deste comportamento profundo de nosso cérebro.



Ou acrescentamos como mais que suspeitas evidências para nossas mais pitorescas pseudociências, e aqui, por suprema ironia, no mesmo Marte que serviu de cenário para a fama e fortuna de  Edgar Rice Burroughs.



A moléstia da incapacidade de reconhecer rostos é chamada prosopagnosia,  dos termos gregos prosopon (face) e agnosia (o não reconhecer).


Interessante leitura: Thomas Grüter; O mundo das pessoas sem rosto






Um excepcional material adicional

Mas agora, para terem um quadro amplo, bem fundamentado e visualmente destruidor da argumentação sobre criatividade acima, recomendo:




E os vídeos:

Everything is a Remix Part 1: Watch It Now

Everything is a Remix Part 2

Everything is a Remix Part 3

Everything is a Remix Part 4

Não horrorize-se. Divirta-se! Esta é a espécie um tanto repetitiva da qual você pertence. ;)


Extras

I

Mortais acelerações

Falando em erros em Física, um ponto que lamentei em Tron, O Legado*, é a não mais realização de curvas em 90°, em perfeito e impossível ângulo reto das "motos de luz" e veículos, que exatamente caracterizava aquele mundo como virtual. Agora, as motos realizam movimentos suaves, mais próximos dos objetos de nosso tedioso mundo físico. O conceito associado ao termo suave é, inclusive da matemática - função suave.

*Além de obviamente não ver necessidade num mundo digital, não realista como o que tem de ser em Matrix e numa passagem em Ghost in the Shell 2: Innocence (IMDB, 2004), portanto, chuvas, raios (Blade Runner?), nuvens e até mesmo rochas são fora de contexto e até julgaria uma infantilidade.


Um corpo qualquer, evidentemente com massa, para modificar sua direção em perfeito e pontualmente mutante ponto/vértice, necessitaria desacelerar numa taxa infinita, logo uma frenagem infinita, causado por uma força contraria infinita, para todos os pontos de sua constituição, e instantaneamente, partir em nova direção, em velocidade igual a anterior, logo, novamente em aceleração infinita, igualmente, produzido por uma força infinita.

Estamos aqui falando da inércia, que foi pensada erroneamente por Aristóteles mas corretamente por Mozi, um filósofo chinês, nascido mais de 21 séculos antes de Newton, que escreveu:

O cessar de movimento é devido a oposição de força... Se não há força em oposição... o movimento nunca irá parar. - Wiki en

Observe-se que fótons, quando mudam de meio, alterando sua velocidade, alteram esta instantaneamente, não havendo aceleração alguma envolvida, e exatamente por isso, fazem ângulos, sem curvas de qualquer suavidade. Aliás, como diria meu professor de Física III no básico de engenharia, Plínio Fasolo: Qual seria o sentido, similarmente, de informação mudar gradualmente de velocidade?



Acrescento: Para ilustrar esta questão, esse professor apresentava didaticamente que "fofoca" se transmite mais rapidamente entre italianos* que entre japoneses, conhecidos pela sua discrição. Mas a velocidade da fofoca não se acelera na transição de um grupo para outro, ela simplesmente muda de velocidade.

* Acho eu que era esse o povo, mas como descendente destes, aceito o exemplo.

Mesmo para questões mais próximas de nossa Física, as acelerações muito altas são fatais, até pela sensibilidade a altas acelerações/desacelerações (em Física mais formal esta barra e esta diferenciação não existem nem são necessárias). Tanto que os mais avançados caças exigem de seus pilotos alto treinamento e trajes especiais para não desmaiarem. Na verdade, há tempos a engenharia aeroespacial superou os limites do corpo humano.

Aqui, como um exemplo de erro em Física de um autor de ficção científica, em De la Terre à la Lune, de Jules Verne coloca o lançamento de uma expedição a Lua por meio de um canhão. Se a velocidade de fuga (ou escape) da Terra é de 11,2 km/s*, a aceleração dentro de um cano de canhão de 270 metros de comprimento seria, relembrando a Física de secundário:

x = x0 + v0.t + a.t²/2  , sendo x0=0, x=270 m e v0=0,

270=a.t²/2   .'.  a.t² = 540 [1]

E

v = v0 + a.t , sendo v0=0 e v=11200 m/s,

11200 = a.t   .'.   a= 11200/t [2]

Substituindo [2] em [1]:

(11200/t).t² = 540  .'.  11200.t = 540  .'.  t=540/11200 =~ 0,0482 s

Substituindo este valor em [2] tem-se que a =~ 11200/0,0482 =~ 232296,3 m/s² ou, dividindo pela nossa habitual aceleração gravitacional, 9,8 m/s^2, uns 23,7 mil Gs. Só para se ter ideia do absurdo que é isso, os astronautas do projeto Apollo enfrentavam acelerações desconfortáveis de 4 Gs (Wiki en). O que o canhão de Verne conseguiria, lá pelos primeiros instantes da aceleração no cano, seria obter patê de aventureiros.

Obs.: Perceba-se que mesmo que a aceleração num canhão assim construível fosse variável ao longo do cano (como são as acelerações nos canhões), ainda sim o valor acima seria um valor médio, e os máximos valores seriam muito superiores a este assim calculado, e igualmente, teríamos o desagradável patê de astronautas.

Por isso mesmo, a aplicação de canhões, mesmo se viáveis em construção, foi demonstrada como impraticável para o uso em viagens tripuladas por Konstantin Tsiolkovsky, já em seu trabalho de 1903 The Exploration of Cosmic Space by Means of Reaction Devices. 


Pelo motivo de aceleração, projéteis lançados de canhões mas com orientação posterior ao disparo, como o estadunidense Excalibur, necessitaram de desenvolvimento de circuitos e componentes eletrônicos resistentes às acelerações.


Não por isso, iniciativas como o Projeto HARP, de Gerald Bull, deixaram de demonstrar a possibilidade concreta de colocação de pequenos satélites por meio de canhões, além do seu uso, mais rústico e dependente de orientação, para abater mísseis balísticos com projéteis de artilharia.




Para mais informações, Richard K Graf; A Brief History of the HARP Project.

* E assim se manteria aproximadamente até o final de um canhão deste comprimento, pois só cai para, digamos 7 km/s lá pelos 9 km de altura, pois a aceleração gravitacional diminui com a altitude.

Uma boa referência: Emerson L. Gelamo, Rogério V. Gelamo; ESTUDO DE LANÇAMENTOS REAIS DE PROJÉTEIS UTILIZANDO PLANILHAS DE CÁLCULO


II

Recentes notícias de nosso vizinho vermelho:

Embora com um destaque exagerado na manchete para a relação disto com possibilidade de vida em Marte, em português:

Já chegamos ao ponto de monitorar Marte não só para eventos de natureza "geo"lógica (note as irônicas aspas), mas também, dos fenômenos de sua atmosfera:

Podemos não ser animais muito criativos no aspecto artístico, mas nossa criatividade aplicada cumulativamente em nossos esforços de engenharia, com foco em ciência já dá o esboço de que em breve, os habitantes de Marte seremos nós, e talves alguns lá até o chamem, por pura tradição e homenagem ao grande autor de aventuras, de Barsoom, talvez menos por colocar Marte na imaginação de muitos, incluindo Sagan, mas por ter sido quem primeiro colocou primatas com mais sentimentos de afeto que muitos humanos, em Tarzan.



"John Carter of Mars", por Julie Bell e Boris Vallejo, imagem que marcou minha adolescência e sempre mantive associada à série Cosmos.


Não seria nada mau como realização para uma espécie tão copiadora, no fundo pouco criativa e que não pode olhar para praticamente coisa alguma sem ver rostos, na ancestral angústia por achar seus semelhantes, com os quais, por incontáveis vezes na nossa história, foi tão pouco gentil.
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