Como minha mente é humana e falha (quando não muito), caro leitor, jurava que com esta blogagem esgotaria o assunto e faria um texto que não tendesse ao intratável pela nossa atual convergência para uma leitura rápida, mas tal, nitidamente, foi um engano, então...
Parte (I)
Um sonho dentro de um sonho
Parte (II)
A velocidade de operação da mente
Parte (III)
Era vermelho meu Jeep de lata?
Parte (IV)
Existe um totem confiável?
Intersectam-se nossos mundos/sonhos com outros mundos/sonhos?
Parte (V)
É confiável o mundo/sonho em que vivemos?
A instabilidade e falibilidade da mente humana
Iniciando, por alguns erros menores, em meio ao fragmentado caminho que estamos, suadamente, trilhando...
O erro de Aristóteles
Não, amigo leitor, não seria o de considerar que a sede da mente humana é o coração. Este erro, grotesco, foi corrigido até pelos seus contemporâneos.
O erro maior em termos de efeitos sobre o pensar humano sobre o que seja a mente, daquele filósofo amplo de pensares em muitos campos mas carregado de graves equívocos, e que nos legou séculos de um tratar a mente falsamente foi o de pensá-la como um processamento lógico perfeito, uma máquina linguística isenta de erros nos processos, apenas volta e meia, um tanto mal informada, que processaria todos os dados do mundo em passos estritos e perfeitos, e por tabela, idêntica em natureza, ainda que seguidamente equivocando-se, a um pensador maior, ainda mais perfeito, aquele fantasmão indetectável de sempre, que pensa o mundo e lhe dá coerência.
Coerência esta como aquela que pelo menos julgam os que não leram Hume, e diversos outros - e não se deram conta ainda de seus erros, hoje já antigos. Erros estes que exatamente por ocorrerem, já mostram que o mundo não é a ordem que julgamos em nossa infantil análise do que seja a natureza.
A mente humana seria, para o mestre de Alexandre, o que poderíamos hoje definir como “uma máquina linguística”. Se acrescentássemos ao linguístico o banalmente perceptível detalhe que ao menor porre, nos tornamos um vomitar de outros impulsos, que não nasceram de forma nenhuma de construções linguísticas, mas de um porão onde a mente guarda sabe-se lá que número de ideias presas, tal qual a Mal de Cobb, até conseguiríamos ter uma imagem materialista da mente. Mas limitá-la como fez Aristóteles, levou-nos a não confiáveis caminhos, incluindo um labirinto de bloqueios à ideia de que sejamos até racionalmente, mentalmente, um sistema químico emergente que visa modelar e prever o mundo e mais que tudo, sobreviver.
Independente disso, já abordei outras vezes que o que seja a Lógica, como campo formal, há muito superou a rigidez e a limitação aristotélica. Sobreviveu que, para questões limitadas e triviais, a lógica aristotélica continua sendo uma forma segura de pensar, mas basta ficarmos diantes de situações do subatômico, ou do direito e da moral no nosso macroscópico e humano dia a dia, para novamente termos de adotar formas mais “fluidas” de analisar o mundo e pensar.
E aqui, a maquininha confusa, cheia de impulsos de macaco pelado, de mamífero faminto e até de réptil (sic, amniota) sedento por sexo, como acertou na mosca um determinado barbudinho austríaco fumador de charutos, ou ainda um peixe muito do serelepe tentando continuar respirando, para não só Cobb trancafiar mais meia dúzia de Mals em seus porões, mas até, libertar a prisão inteira em rebelião.
O erro de Descartes
Os "impulsos por espíritos animais", de Descartes, uma explicação "hidráulica" para os sentidos. (Exorcizing animal spirits - scienceblogs.com) |
Piorando nossa situação de entender a mente humana, tanto no como funciona como também como relaciona-se onde realmente habita, muito influenciou o homem médio contemporâneo Descartes, seguindo o dualismo de Platão: a mente e o que quer onde habite - já preferencialmente o cérebro - são distintas. Uma existe transcendentalmente à biológica estrutura, e mais uma vez, tem uma natureza imaterial “em si”, e apenas relaciona-se com o aparato que a faz ter contato e até operar com o mundo.
O raciocínio de Descartes é tão enfático nesta questão que conduziu-nos, e até hoje muitos, como sempre digo, confundindo história da Filosofia com as conclusões mais sólidas dela, que o simples pensar leva à conclusão inequívoca que um ente único, indissolúvel, que é o ser que pensa, existe: cogito ergo sum.
Sim, o ser que pensa, manifesta-se em algo que podemos afirmar - e definir, aqui já um problema - como sendo aquilo que chamamos o que pensa, mas primeiramente, não podemos afirmar que seja indissolúvel, nem mesmo, único, muito menos transcendente à matéria, pois mesmo os mais equilibrados de nós seguidamente ouvem vozes internas, até com vozes de outros, de regiões de seu cérebro um tanto agitadas no momento, e produzindo até as melhores ideias de suas agregações de células (aquela coisa um tanto difusa que somos). Igualmente,quando dormimos, parte de nossas, aqui diremos mentes, evidentemente trabalham em problemas que enfrentamos, e já acordamos com as soluções. Dentro de nossos iguais mais normais, muitos de nós mesmos habitam, e convivem em perfeito equilíbrio, e se manifestam, adequadamente, quando nos irritamos, temos de enfrentar perigos, frustrações, perdas familiares, etc.
Se a parte mais ligada à Filosofia do parágrafo acima não ficou clara, noutra abordagem da questão, não podemos nem mesmo afirmar que esta talvez região da natureza que pensa não esteja na ilusão típica de ser um processamento da Matrix ou exótica ocorrência num sonho de alguém ou algo, inclusive, "de Brahma" ou mesmo do "Unicórnio Rosa Invisível" - aqui, até pela ironia se chega a construir um argumento para colapsar "certezas metafísicas". Embora tais conjecturas não seja científicamente úteis, não podem ser filosoficamente descartadas nem logicamente refutadas, e firme e sólido se mantém o solipsismo, que toma tudo que nos pareça sólido, desmancha naquilo que julgamos, confiavelmente, ser o ar. (Perdão, Marx e Engels, minha instável mente me levou à copiá-los, e o porquê, tratarei na próxima blogagem, se o dominante acaso do mundo o permitir.)
Certamente, quando estes nossos “eus” começam a não se entender muito bem, como vemos nos esquizofrênicos e nos psicopatas dissociativos, não os enquadramos nos nossos “normais”.
Para questões mais profundas de porque mesmo no pensar o cogito ergo sum de Descartes não nos dá nem a "garantia metafísica" (em Filosofia contemporânea, uma contradição em termos) de uma existência, na totalidade da definição do termo, recomendo o link do criticismo abaixo. O solipsismo, num nível mais profundo, e de tratamento mais elevado, continua inquebrantável, e relaciona-se com profundas considerações da Filosofia da Ciência. Ainda que pensemos, e seja óbvio que fazemos aquilo que é pensar, não podemos afirmar que não estejamos na realidade virtual de um Arquiteto de matrix, ou no sonho sabe-se do que nem de quem, como Cobb e seus companheiros. Como disse, no abismo onde caímos, com toda nossa vã filosofia, nunca mais sairemos.
Criticismo ao “cogito ergo sum”
http://en.wikipedia.org/wiki/Cogito_ergo_sum#Criticism
António Damásio; O Erro de Descartes
http://www.europa-america.pt/product_info.php?products_id=604
(Com um pouco de procura, o leitor encontrará este livro na íntegra na Internet, mas por motivo de mínima honestidade, não poderei colocar nenhum link desta natureza aqui.)
Ramon M. Cosenza; Espíritos, Cérebros e Mentes.
A Evolução Histórica dos Conceitos Sobre a Mente
http://www.cerebromente.org.br/n16/history/mind-history.html
Dra. Silvia Helena; O Que É Mente?
http://www.cerebromente.org.br/n04/editori4.htm
O erro de Locke, a falácia da tabula rasa
Mais esboços de um pensar sobre a mente e o cérebro conforme Descartes. |
A mente humana não é uma carga que se coloca num mecanismo vazio e desprovido de “princípios primeiros”. O mecanicismo que é o cérebro possui comportamentos que são oriundos de sua própria configuração física, como as lesões cerebrais, como o notório caso de Phineas Gage.
Reconstituição do desafortunado, e para nossa científica felicidade, Phineas Gage. |
Somos fruto inclusive de nossos mais primitivos reflexos, mesmo os mais jovens, como o primata preênsil, de fecharmos nossas mãos de bebês para agarrarmos os pelos de nossas mães. Carregamos ao longo de nossa vida sobre numa caixa mental, montes de experiências que vão nos moldando, e aprisionamos nossas Mals nos mais profundos quartos, mas não é porque as capturemos e as coloquemos lá, que naqueles cômodos já não estejam camareiras, fazendo desde a formação de nossos cérebros, em suas primeiras células, fazendo seus serviços.
Noutra metáfora, exatamente ligado a palavra tabula, não é porque o quadro esteja bastante apagado, e pronto a receber camadas e camadas de texto, que nos seus cantos não estejam desenhos sempre usados, formatos de letras e até mapas, e, inclusive, sob tudo, um quadriculado que tenhamos de obedecer, como todos de nossa espécie.
Aqui, ambos os erros, de uma dualidade/transcendentalidade/completa imaterialidade da mente, e de um carregar-se sobre o absolutamente vazio fazem-se em pó, e a conformação desde o embrionário e o histórico estrutural do substrato da mente, que é o cérebro, configuram uma unidade que agora é o objeto com o qual construímos sólida e confiável ciência sobre a mente humana com seu substrato.
Jonh Locke |
Da mesma maneira que cães de diferentes raças apresentam diferentes conformações cerebrais e relacionados temperamentos e comportamentos pela vida inteira, assim também o somos, apenas com o diferencial de que por sermos mais culturais, mais carregados de memórias, experiências e com uma vida mais longa, e obviamente, apresentarmos um substrato para isto mais capaz, apresentamos mais sutilezas nestas interações conformação cerebral-operação da mente.
Como disse repetidas vezes nos últimos anos em diversas conversas e debates (muitas vezes manifestando toda minha irritabilidade, típica de minha tabula não tão rasa), dizer que a mente não é material, pois seja apenas algo que funcione no cérebro, é o mesmo que dizer que um carro em movimento, por apresentar velocidade, não seja feito de aço, vidro, plástico e borracha, ou mesmo, que por ser seu motor de quatro tempos com os ciclos característicos de seu termodinamismo, seu mecanismo não ser composto de peças, totalmente materiais.
Assim, um dualismo mente-cérebro pode ser apresentado numa metodologia limitada de seu tratamento, mas não totalmente coerente quando tratamos sua real natureza. Por analogia, podemos trocar os softwares e os dados em bancos armazenados em um computador, mas estas informações só tem existência quando estão operando e armazenadas neste computador, completamente físico, material. O cérebro muda no tempo, e com ele muda a mente, e a mente operando modifica o cérebro sutilmente, e ambos continuam inseparáveis.
Para estas mudanças, não se fazem necessárias estacas de ferro, nem simples pregos, nem mesmo finíssimas agulhas. A constante religação dos neurônios, a dança que as sinapses realizam permanentemente, bastam. O substrato da mente é um sistema dinâmico, e o Francisco que iniciou escrevendo esta série de textos não é, a plena análise, o mesmo que agora coloca este ponto.
Para uma conceituação primária do que seja tabula rasa:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tabula_Rasa
Phineas Gage e um "tal Elliot"
Ives Alejandro Munoz ; EM BUSCA DA NOVA MENTE
http://embuscadamente.blogspot.com/2010/04/o-cerebro-procura-da-alma.html
(Algo me diz, que pela foto neste blog nesta data, navegamos pelo mesmo rio, ainda que minha rota seja imensamente mais turbulenta.)
Phineas Gage
http://pt.wikipedia.org/wiki/Phineas_Gage
E para variar, muito mais completa:
http://en.wikipedia.org/wiki/Phineas_Gage
Destacando-se:
Lesão cerebral e alterações mentais
http://en.wikipedia.org/wiki/Phineas_Gage#Brain_damage_and_mental_changes
A seguir, minhas "traições de subconsciente".
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