segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A Origem (V)

...de muitos erros


Mantenha-se firme ao fio de Ariadne, querido leitor, o fim está próximo!

Parte (I)

Um sonho dentro de um sonho

Parte (II)

A velocidade de operação da mente

Parte (III)

Era vermelho meu Jeep de lata?

Parte (IV)

Existe um totem confiável?

Intersectam-se nossos mundos/sonhos com outros mundos/sonhos?


 
 
É confiável o mundo/sonho em que vivemos?
 
Para tratar do mundo em que estamos mergulhados, considerando agora, após este afogamento num solipsisimo inquebrantável, seja o que ele for, como aquilo onde nossa razão está situada e nossos corpos operando com suas percepções de mundo, prefiro abordar o tempo.
 
Quando observamos mesmo a mais distante translação de um corpo celeste, mesmo a mais violenta explosão estelar, que possui em suas origens fenômenos relacionados com a mecânica quântica, observamos que tais processos e fenômenos mostram o mesmo comportameno no tempo que observamos no nosso Sol, incluindo as mesmas deformações frente aos modelos newtonianos que apresenta Mercúrio, imerso num campo gravitacional intenso, mesmo nas nossas proximidades, os satélites de GPS. Noutras palavras, mesmo o tempo não sendo absoluto como propunham Newton e muitos outros, ainda sim ele se comporta, mesmo com suas deformações, homogeneamente, pelo universo a fora, seja ele, no todo, o que ele for, até porque nos basta para nosso Física nosso cone de luz, o universo do captável.
 
Logo, podemos afirmar, com firme convicção, de que a realidade, ainda que nos atormentando com o solipsisimo num nível filosófico mais profundo, mostra-se cientificamente tratável, pois seu cenário pelo menos opera sob um relógio, que mesmo que estejamos preso a ele, é confiável.
 
Desta maneira, podemos, retornando um pouco, afirmar que meu Jeep de lata descia a ladeira (que nós gaúchos chamamos peculiarmente de "lomba") numa velocidade variável mas com aceleração regular, sob o mesmo atrito, com a mesma capacidade de minhas então pequenas pernas conjuntamento com meus braços de um menino de 4 anos a controlá-lo, e tal processou-se por "memória neuromuscular" de coordenação de meu corpo com minha mente, pois nosso cérebro mais que tudo se mostra uma máquina de processamento, usarei um neologismo, "fisicóide" dos fenômenos do físico no tempo.
 
Os mecanismos não são computacionais, numéricos, mas instintivamente, atribuem reações aos fenômenos no tempo, exatamente pois os trata como regulares, e como já afirmei noutro texto, na mesma herança que fez com que nossos ancestrais julgassem para que lado havia andado um antílope, pela direção em que se configurava a pegada na areia, independente de podermos sentir seu cheiro, o que nos fez mais hábeis parta caçar mesmo comparados aos mais eficientes caçadores entre os mamíferos, que são os cães selvagens africanos.


 
Quando Ariadne "deforma a onírica Paris", se tal deformação fosse coerente geometricamente com o físico num universo inteiro, o mais externo do universo se tornaria um ponto infinitamente compactado a uma determinada altura dentro do cubo que foi formado, e o centro da Terra seria distorcido até formar um espaço euclidiano/riemanniano infinito (aqui a forma do universo, que nos é um tanto fugidia, complica as coisas), preenchido de mais e mais rarefeitas (quase um paradoxo) rochas, depois rheid, depois metal líquido, depois metal sólido. O absurdo completo. Mas como o sonho de Ariadne era dela, ela limitava as deformações ao útil aos seus propósitos (e até para a felicidade minha e sua, se começar a pensar na miríade de variações e consequências deste tipo de coisa).
 
Mas por mais deformado geometricamente que possa ser na realidade o físico, ainda que o observemos com coerência, diria relativística, e mesmo para pequenas distâncias, velocidades e campos gravitacionais, newtonianamente ilusório o mundo, ainda sim, podemos fazer um raciocínio similar ao de Descartes, e considerar que o mundo mantém-se coerente, sem milagres, sem demônios a perturbar sua ordem natural, sem alterar a seu bel e perverso prazer as leis da Física que regem tudo, mesmo na mais deformada das geometrias, ainda que o observemos com o prisma de uma ótica completamente coerente, a cada confiável instante. Mesmo no quântico, onde as coisas surgem e somem, desaparecem e se duplicam como pareceria uma loucura se ocorre-se com maçãs sobre nossas mesas, na média, em grande escala, não surge "do nada", em plena savana africana, um elefante. (O que por si só, já mostra o quão infantis são nossos amiguinhos criacionistas, e suas gerações de vida fantasiosas, independente do vingativo e titubiante poderoso autor de tais absurdas façanhas).
 
A natureza, para onde observemos, mostra-se um processo em andamento, com associação de suas partes, emergências como harmoniosas dunas e suas rugosidades, esferas a caminho do perfeito, mesmo com diâmetro de milhares de quilômetros, e mesmo na maior das escalas de produção de energia nas reações mais violentas, com uma regularidade justa, coerente, com uma marcha inexorável rumo a seu imprevisível destino, sempre pelos mais sutis e minúsculos processos, que em todo lugar se repetem, invariavelmente dentro de limites de uma variabilidade estanque, em equilíbrios dinâmicos que a tudo limitam, mesmo o menor milagre, que poderia ser um processo muito raro, mas jamais anormal. Ela é, na verdade, o que seja a normalidade. O sonho de Brahma, se existe, é um sonho sereno, duradouro e de regras rígidas.
 
Num sonho perturbado como o dos personagens de A Origem, um mundo onde a gravidade muda de direção e inclina taças num bar, pode até deixar pelas paredes seguranças e nossos heróis golpistas, mas falha ao não derrubar o próprio prédio, que como estrutura típica de meus amigos e ex-colegas da engenharia civil muito bem sabem, não resiste a inclinações nem de poucos graus.* As regras do mundo são tão rígidas que construímos nossos castelos, de todas as formas, exatamente nas beiras dos mais perigosos abismos. Seja da gravidade, seja das reações químicas, seja da aleatoriedade dos fenômenos, e todos estes fenômenos se dão num coerente cenário espaço-tempo, que para onde olhemos, mostra-se seguro em seu andar.

*E "catando piolho", nem faz cair das paredes os quadros das paredes, pendentes, normalmente, por um ou dois pregos.


 

Logo, concluímos que Letícia Birkheuer, para minha felicidade, mais que meu saudoso Jeep de lata, é, pelo menos, o que Einstein diria que é, como a realidade inteira, uma ilusão persistente.
 
Assim, poderíamos estar num sonho dentro de um sonho dentro de n outros níveis de sonhos, operando em matrizes de diversos e inimagináveis níveis, ainda sim, não poderíamos construir por lógica metafísica alguma, que nos desse a plena e absoluta certeza do que somos e onde estamos, mas podemos construir dentro desta "natureza estável", a mais sólida física, e dela, o conhecimento do químico, do biológico, de nossa sociedade, até de nossa falha e um tanto instável mente.
 
Mente instável esta que é nossa próxima mudança de direção dentro deste labirinto.
 
Enquanto isso, uma lembrança de outra época, um tanto mais madura que a de um Jeep de lata, e que vem a calhar em meio ao que estamos tratando:
 
All that we see or seem

Is but a dream within a dream
Take this kiss upon the brow
And in parting from you now
This much let me avow
You are not wrong who deemed
That my days have been a dream
Yet if hope has flown away
In a night in a day in a vision or a memory
Is it therefore the less gone?
All that we see or seem
Is but a dream within a dream
I stand amid the roar
Of the surf tormented shore
And I hold within my hands
Grains of golden sand
How few yet how they creep
Through my fingers to the deep
While I weep while I weep
Oh god can I not grasp them with a tighter clasp
Oh god can I not save one from the pitiless wave
Is all that we see or seem
But a dream within a dream

Dream Within A Dream - Propaganda

Um dos castelos que construímos, e o mais íntimo, é o de cartas de nossas lembranças.
 
Alguns acréscimos:
 
1) Algumas teorizações em física tratam que nosso universo seria na verdade, um holograma, e ganha "posteriormente" a sua dimensionalidade pelo simples fatos que nesta holografia estamos mergulhados.

2) Outras teorizações apontam que o universo é intrinsecamente estático, e o tempo é ilusório e consequência de sua própria física.



Novamente publico este soneto de um mestre, agora noutra tradução, que prefiro:


Desgasta, voraz Tempo, as garras ao leão,
Do tigre, arranca o dente à fauce que tem fome,
Faze que a terra coma a própria criação
E a Fénix sempre-viva em seu sangue consome.

Torna triste ou alegre a estação, quando passas,
E faze o que quiseres, Tempo vertiginoso,
Ao vasto mundo e a seus fugazes dons e graças;
Só não cometerás um crime mais odioso:

Não craves teu buril, do meu amor, na fronte,
Não desenhes ali com teu cálamo antigo,
Deixa que tua nódoa em seu rosto não conte,
Que seja da beleza o padrão sempre vivo.

Mas, por mais que essas mãos,
Tempo cruel, o provem,
No meu verso ele vive eternamente jovem.

Shakespeare (Soneto XIX)

É visível que o tempo tem uma direção para nossa consciência, pois vemos uma xícara cair e quebrar, mas jamais saltar de seus cacos ao chão e voltar inteira para nossa mesa. Mais gritantemente ainda, nossa imagem no espelho de hoje não é a mesma de nosso primeiro dia em que lavamos o rosto sozinhos.

As maçãs na mesa não multiplicam-se miraculosamente, mas a maçã, talvez inspiradora de Newton, cai ainda com a mesma aceleração.

Assim, os processos do universo tem um sentido, e os arranjos das partículas (ou entes, num tratamento mais filosófico que físico) no espaço tem uma marcha de se apresentarem.

Mas tal questão não tem sentido no subatômico, e ali reside nossa liberdade mais íntima, pois somos feitos do subatômico.

Enfim, no  universo, tudo sempre muda, e tudo passa;

Por­que, enfim, tudo passa;
Não sabe o Tempo ter fir­meza em nada;
E a nossa vida escassa
Foge tão apres­sada,
Que quando se começa é aca­bada.

Camões (em Odes IX)

3) Em relatividade, a gravidade - a suprema senhora do comportamento do universo - é fruto da própria deformação do espaço-tempo, causada pela massa. Sinceramente, embora esta abordagem seja utilíssima, tenho simpatia pelas teorizações de uma gravidade quântica, causada pela interação das partículas com massa através da partícula portadora da gravidade, que seria o gráviton. Mais ainda, simpatizo pela gravidade quântica em loop, ou laço, como dizem meus amigos wikipedistas lusitano, em que o mundo é um fervilhar de espaço e tempo surgindo em cada interstício mínimo dele próprio, somente inteligível quando se entende o que seja um grafo, e nós, as partículas mássicas, a nadar aos saltos através de cada uma destas bolhas.

4) Algumas teorizações, vide até Hawking, tratam da gravidade advindo de "outro plano", passando pelas dimensões distintas das nossas, como um fio que une duas folhas de tecido, estes, ainda se mantendo superfícies distintas, embora dentro de um mesmo espaço. Também sinceramente, pode até ser fato, mas já me basta a gravidade que nossa própria massa, em nosso próprio universo, possui e a gravidade que gera.
 
 
Mantendo o estilo, a próxima questão:
 
Mas esta mente, que julga e decide o que confia existir, operando neste cérebro, é estável no tempo, como é, quando bem qualificado, o mais confiável de nossos computadores?

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