Holística em modelos científicos - 2
Poucos campos científicos são mais característicos como holísticos que a evolução dos seres vivos (e campos que tem intrincadas e íntimas relações com evolução, como a Ecologia).
Um detalhe importante:
A seleção natural, como evidente seleção (que tem um sentido de filtro) não é aleatória, mas o filtro em si, a característica do ambiente que a causa, o é.
Explicaremos por duas vias:
Por exemplo, um guepardo adquire mutação (ao acaso, por fatores que incluem até aleatórios eventos de escala atômica, mais explicações abaixo) que aumenta ainda mais sua taxa de fibras de contração rápida, passando a correr mais rápido. Evidente e consequentemente, sua descendência selecionará as gazelas pela sua velocidade.
Os seres vivos que participam da seleção possuem "caráter aleatório", pois mutam pela aleatoriedade específica (explicado adiante) das mutações.
Um vulcão, ao acaso, pois a geologia da Terra é outro sistema de fluidos com aleatoriedade, entra em erupção na savana, e seleciona (noutras palavras: mata) os guepardos "mutantes" na evolução. As gazelas com menos fibras rápidas passam a ser mais viáveis, e são selecionadas, pois agora podem sobreviver.
O ambiente, no geológico, possui aleatoriedade de comportamento.
O problema é o nível nos quais os criacionistas e outros negacionistas colocam o que seja "aleatoriedade".
Cientificamente, fisicamente, se coloca como os passos do trajeto das partículas, expandido para todo o universo. Nisto, para perceber-se aleatoriedade na natureza, basta se ver um dado e entender-se fenômenos da Mecânica Quântica. Os criacionistas aplicam o termo como sinônimo de caos absoluto, que a natureza apresente comportamentos que não possui, e negando os evidentes, claros, que possui.
Nisto, perigosamente, negam a própria liberdade humana que tanto afirmam, e pelo visto, nem percebem.
Estritamente falando, mesmo uma lei simples como a gravitação dos corpos leva a resultados caóticos. A solução matemática para mais de dois corpos leva a sistemas caóticos. Mesmo na astronomia, embora saibamos que os planetas seguem órbitas elípticas com período conhecido, a posição exata deles só pode ser prevista até um certo limite de tempo, onde as perturbações causadas por todos eles - e reforce-se: uns aos outros - acabam gerando uma margem de erro muito grande. Aliás, o que mais se vê no Universo não é ordem, é caos.
Mais notas sobre o Acaso
, Causa / Efeito, e Aleatoriedade (objetiva) no mundo
Um dos problemas é que o universo (o tudo que existe) não pode ser tratado nem como uno nem como contínuo, assim, um evento ou efeito não pode ser atribuído como monocausal. Aqui, Tomás de Aquino e seus já insistentes seguidores enfrentam graves problemas.
Como já apresentamos, mesmo quando tratamos a coisa / as coisas “newtoniana-laplacianamente”, existe o “problema dos três corpos”.
Uma pausa para uma rápida tradução da introdução do artigo da Wikipédia em inglês, pois o em português está lamentável:
“Na física e na mecânica clássica, o problema dos três corpos é o problema de tomar as posições e velocidades iniciais (ou momentos) de massas de três pontos e resolver seu movimento subsequente de acordo com as leis do movimento de Newton e a lei da gravitação universal de Newton. O problema dos três corpos é um caso especial do problema dos n-corpos. Ao contrário dos problemas de dois corpos, nenhuma solução geral de forma fechada existe, como o sistema dinâmico resultante é caótico para a maioria das condições iniciais, e métodos numéricos são geralmente necessários.
Historicamente, o primeiro problema específico de três corpos a receber um estudo extenso foi o que envolveu a Lua, a Terra e o Sol. Em um sentido moderno ampliado, um problema de três corpos é qualquer problema na mecânica clássica ou na mecânica quântica que modela o movimento de três partículas.” - en.wikipedia.org - Three-body problem
A aleatoriedade e intratabilidade surge naturalmente em sistemas complexos, some-se ainda a aleatoriedade muito mais profunda do mundo subatômico, e o determinismo não se sustenta.
Colocando o mundo da Mecânica Quântica, e tudo que compõe o mundo é no fundo quântico, a questão ainda ganha novas nuances, e mesmo para pequenas porções de matéria, a aleatoriedade dos fenômenos e sua causalidade se desfaz.
Nesse momento percebemos que Hume teve um excelente insight, e sequer podemos definir exatamente o que seja causalidade, e desde o primeiro momento, ela se estabelecia apenas como um dogma.
Frase que sempre devemos lembrar:
Na natureza não há efeito sem causa, mas há eventos sem causa.
Como sempre salientamos, a violação experimental das inequações do Teorema de Bell já resolveram fisicamente a questão, e todos os defensores de um determinismos “profundo” na natureza devem se atualizar.
Citemos:
“Se não há causa para o resultado das medições, então este deve ser um processo genuinamente aleatório, violando o princípio de razão suficiente de Leibnitz. A conclusão é que o colapso é um processo indeterminista. Notem, porém, que esta conclusão é independente da tese positivista, difundida por alguns defensores da interpretação ortodoxa a partir da década de 1920, segundo a qual o mundo quântico seria indeterminista, já que não há maneira de prever com exatidão o resultado de experimentos quânticos. A conclusão que estou salientando (e que já foi considerada por diversos estudiosos da não-localidade) só surge ao se considerarem duas partículas correlacionadas e ao se aceitarem as conclusões da Relatividade Restrita.”
Osvaldo Pessoa Jr. Conceitos e Interpretações da Mecânica Quântica: o Teorema de Bell.Depto. de Filosofia, FFLCH, Universidade de São Paulo. WECIQ 2006 - Mini-curso 1.
Ver nos Extras abaixo um interessante texto sobre o grande gênio Albert Einstein e problemas que teve com a aleatoriedade.
(Mais) Um falso dilema
Ou “A insistência em tentar transformar tudo em Biologia que contrarie suas noções dogmáticas - sem falar da ignorância - em um dilema infantil ‘ovo ou galinha’ ”
Uma pergunta com a qual já “cruzei” nos meus anos de contato com criacionistas foi:
Quem surgiu primeiro: A célula ou o DNA?
Um típico e na verdade inadequado dilema do tipo “ovo ou galinha” (fora fruto de não entendimento do processos da biopoese).
O DNA é posterior à célula, se definimos célula como a região de agregação de moléculas que permite o confinamento, ou abrigo, de uma genética. As primeiras proto-células eram completamente instáveis, e apenas permitiam temporariamente a ocorrências de sistemas de reações moleculares, os ciclos (superciclos incluídos, ciclos que conduzem-se por outros ciclos em entrelaçamentos os mais diversos, durante a chamada evolução química).
Esta protocélulas podem (o terreno da biopoese é sempre hipotético) terem abrigados formas de moléculas proto-genéticas, como similares ao PNA, e depois, próximas ao TNA, entre diversas proto-estruturas moleculares responsáveis pela perpetuação de ciclos, e até “quimeras moleculares”, com partes de uma espécie molecular e partes de outra, até que numa etapa “mundo de RNA”, a proto-célula abrigava o RNA.
Posteriormente, a estrutura celular (ou proto-celular, como se queira) chega a conter o DNA, e desse arranjo, L.U.C.A..
Logo, “primeiro temos a caixa do relógio, depois o seu mecanismo”, sem o qual ele não ficaria abrigado dos inúmeros meios de gerar instabilidade de um ambiente químico agressivo.
Uma literatura levantada à época do trabalho de Jack Szostak sobre biopoese no aspecto formação das células:
Zhu TF, Szostak JW. Coupled Growth and Division of Model Protocell Membranes. J Am Chem Soc. 2009 Mar 26. - pubs.acs.org
Szostak JW. Origins of life: Systems chemistry on early Earth. Nature. 2009 May 14;459(7244):171-2. - www.nature.com
Budin I, Bruckner RJ, Szostak JW. Formation of protocell-like vesicles in a thermal diffusion column. J Am Chem Soc. 2009 Jul 22;131(28):9628-9. - pubs.acs.org
Mansy SS, Szostak JW. Reconstructing the Emergence of Cellular Life through the Synthesis of Model Protocells. Cold Spring Harb Symp Quant Biol. 2009 Sep 4;74:47-54. - PubMed
Budin I, Szostak JW. Expanding Roles for Diverse Physical Phenomena During the Origin of Life. Annu Rev Biophys. 2010 Jun 9;39:245-63. - PubMed
Budin I, Szostak JW. Physical effects underlying the transition from primitive to modern cell membranes. Proc Natl Acad Sci USA. 2011 Mar 14;108:5249-5254. - www.pnas.org
Divulgação:
Ricardo A, Szostak JW. Origin of life on earth. Sci Am. 2009 Sep;301(3):54-61 - www.scientificamerican.com
Da trivial Wikipédia:
No início dos anos 90, seu laboratório mudou sua direção de pesquisa e se concentrou no estudo de enzimas de RNA, descobertas recentemente por Cech e Altman. Ele desenvolveu a técnica de evolução in vitro de RNA (também desenvolvida de forma independente por Gerald Joyce) que permite a descoberta de RNAs com funções desejadas por meio de sucessivos ciclos de seleção, amplificação e mutação. Ele isolou o primeiro aptâmero (termo que usou pela primeira vez). Ele isolou enzimas de RNA com atividade de RNA ligase diretamente da sequência aleatória (projeto de David Bartel).
Atualmente, seu laboratório enfoca os desafios de compreender a origem da vida na Terra e a construção da vida celular artificial em laboratório. Eles conduziram estudos detalhados dos mecanismos pelos quais os modelos de RNA podem ter se replicado na Terra primitiva antes do surgimento dos catalisadores enzimáticos. Em particular, eles se concentraram em ribonucleotídeos ativados por imidazol (fosforimidazolídeos) como monômeros capazes de alongar uma nova fita de RNA. Significativamente, o grupo Szostak descobriu que o alongamento do molde mediado por fosforimidazolida ocorre através de intermediários dinucleotídicos em ponte 5'-5'-imidazólio que aceleram a polimerização. Os fosforimidazolidos foram inicialmente propostos como críticos para a polimerização de nucleotídeos da Terra primitiva por Leslie E. Orgel e colegas.
Szostak e Adamala demonstraram que a replicação não enzimática do RNA em protocélulas primitivas só é possível na presença de quelantes catiônicos fracos como o ácido cítrico, fornecendo evidências adicionais do papel central do ácido cítrico no metabolismo primordial.
KATARZYNA ADAMALA, JACK W. SZOSTAK. Nonenzymatic Template-Directed RNA Synthesis Inside Model Protocells. SCIENCE, 29 NOV 2013 : 1098-1100. - science.sciencemag.org
― en.wikipedia.org - Jack W. Szostak
Extras
1
François Vannucci. Albert Einstein: os dois grandes erros científicos que o gênio cometeu na carreira. The Conversation. 28 junho 2020 - www.bbc.com
Nos nossos arquivos: François Vannucci - Albert Einstein - os dois grandes erros científicos
Destacamos:
“A aleatoriedade quântica
Juntamente com a teoria da relatividade, foi desenvolvida a mecânica quântica, que descreve a física do infinitamente pequeno.
Einstein fez uma contribuição notável nesse âmbito, em 1905, com sua interpretação do efeito fotoelétrico como uma colisão entre elétrons e fótons, isto é, entre partículas infinitesimais portadoras de energia.
Em outras palavras, a luz, tradicionalmente descrita como uma onda, se comporta como um fluxo de partículas.
Foi por esse avanço, e não pela teoria geral da relatividade, que Einstein recebeu o Prêmio Nobel em 1921.
Mas, apesar dessa contribuição vital, ele persistiu em rejeitar a lição mais importante da mecânica quântica, que afirma que o mundo das partículas não está submetido ao determinismo estrito da física clássica.
O mundo quântico é probabilístico, o que implica que somos capazes de prever apenas uma probabilidade de ocorrência entre um conjunto de sucessos possíveis.
A obstinação de Einstein novamente sugere a influência da filosofia grega.
Platão ensinou que o pensamento deveria permanecer ideal, livre das contingências da realidade, que é uma ideia nobre, mas longe dos preceitos da ciência.
Assim como o conhecimento precisa de uma concordância perfeita com todos os fatos previstos, a crença se baseia na verossimilhança fruto de observações parciais.
O próprio Einstein estava convencido de que o pensamento puro era capaz de abranger toda a realidade, mas a aleatoriedade quântica contradiz essa hipótese.
Na prática, essa aleatoriedade não é plena, pois é regida pelo princípio da incerteza de Heisenberg.
Esse princípio impõe um determinismo coletivo aos conjuntos de partículas: um elétron por si só é livre, pois sua trajetória não pode ser calculada quando se cruza uma fenda, mas um milhão de elétrons desenha uma figura de difração que mostra listras escuras e brilhantes que sim, podem ser previstos.
Einstein não queria admitir esse indeterminismo elementar e o resumiu em um veredito provocador: "Deus não joga dados com o Universo".
Ele propôs a existência de variáveis ocultas, de magnitudes não descobertas além da massa, carga e rotação, que os físicos usam para descrever as partículas. Mas a experiência não lhe deu a razão.
Devemos assumir a existência de uma realidade que transcende nossa compreensão, de que não podemos saber tudo sobre o mundo dos infinitamente pequenos.”
A mente humana pode se mostrar a mais tenaz das bigornas. E muitas das mentes humanas são tão aptas a aprender como estas. - Frase minha, durante um debate sobre um dos temas acima tratados.
2
3
Frase minha, muito adequada às técnicas “alternativas” de cura:
Ad numerum de casos, ad numerum de relatos e ad numerum de páginas. Ainda sim, continua apenas ad numerum.
4
"A pseudociência é adotada na mesma proporção em que a verdadeira ciência é mal compreendida. Se alguém nunca ouviu falar de ciência (muito menos de como ela funciona), dificilmente pode ter consciência de estar abraçando a pseudociência. Está simplesmente adotando uma das maneiras de pensar que os seres humanos sempre empregaram.” — Carl Sagan - “O mundo assombrado pelos demônios”
Nenhum comentário:
Postar um comentário