segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Clareando as nuvens sobre Gliese 581 g

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Antes de iniciarmos, algumas notas


Recentes publicações sobre Gliese 581 g tem lançado sombras sobre sua existência:
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Doubt Cast on Existence of Habitable Alien World

Mas o que aqui trataremos poderia se aplicar a qualquer planeta que venha a ser descoberto nas mesmas condições de distância/temperatura/densidade/composição das que foram inicialmente afirmadas sobre este planeta.

Uma concepção artística de Gliese 581 g e sua estrela vermelha.

Recentemente cientistas estadunidenses afirmaram com boas bases que planetas na faixa de tamanho da Terra devem ser bem mais comuns do que era suposto até agora, com a possibilidade de que cada cem estrelas similares ao Sol e situadas a até 80 anos-luz de distância de nosso sistema solar, cerca de um quarto pode possuir planetas em seus sistemas do tamanho da Terra, e há considerações do grupo de pesquisadores de que este número pode até estar subestimado. Esta pesquisa levou a uma estatística de que 1,5 % das estrelas possuem planetas com massas próximas da de Jupiter, 6% com massas como a de Netuno e aproximadamente 12% possuem planetas com massas de 3 a 10 vezes a da Terra, levando a existência de planetas tais como a Terra, e na faixa ótima para a vida dos mesmos moldes da que temos na Terra para a faixa de bilhões apenas em nossa galáxia.[Nota 1]

Um infográfico sobre esta distribuição de planetas.
Para uma ilustração leiga desta pesquisa:

Para o artigo original:

Andrew W. Howard, Geoffrey W. Marcy, et al; The Occurrence and Mass Distribution of Close-in Super-Earths, Neptunes, and Jupiters; Science 29 October 2010: Vol. 330 no. 6004 pp. 653-655; DOI: 10.1126/science.1194854


Logo, para Gliese 581 g, ainda em não existindo, ser substituído por outro planeta idêntico nas suas hipotéticas características, é apenas uma questão de tempo. Portanto, tratemos das suas características hipotéticas, e removamos algumas nuvens que se formam sobre o quanto estas poderiam ser proibitivas para a vida.



Mais uma vez, neste tema, recebendo colaborações de meu amigo Mário César Mancinelli de Araújo.



O primeiro dos planetas na faixa ideal para a vida 


Recentemente, com o impacto da descoberta de Gliese 581 g, e mais que isto, da descoberta de um primeiro planeta com suas características, um conjunto de dúvidas e até diria titubeios de pessoas que argumentam que neste planeta não possa haver vida me chegaram, e aqui, tratarei de apontar onde estes argumentos falham, e o que podemos afirmar com segurança.


1) "Um planeta que não realiza um movimento de rotação razoável não consegue tornar a sua atmosfera homogênea, assim como impossibilita a formação da magnetosfera, tão necessária como escudo às radiações solares."

Falso.

Exatamente Vênus mantém sua atmosfera homogênea, até em temperatura, pela sua convecção e 'ventos', até homogenização química pelo seu clima.

A homogeneidade até de temperatura de uma atmosfera de um corpo celeste independe de sua rotação, pois depende de outras variáveis.

Quanto à magnetosfera, ainda mais falso, pois tal não se dá pela rotação do corpo como um todo, mas por diferenças de rotação entre um núcleo metálico sólido interno e um núcleo metálico líquido, e aqui, metálico, pode ser relacionado até ao hidrogênio sólido, como se vê nos gigantes gasosos.

A magnetosfera, portanto, independe da rotação da 'superfície' ou 'camadas' do corpo, mas de "gradientes" de rotação interna, entre estas camadas.


Gliese 581 g e sua posição relativa se estivesse no sistema solar.




2) "..., o fato é que o tal astrônomo não disse nada sobre a existência da camada de ozônio."

Afirmar ozônio como necessario à vida igualmente é argumento, como digo até grosseiramente, de amador ou de criacionista (melhor ser o primeiro que o segundo).

O ozônio é consequente da vida, dos fotossintetizantes, pois o oxigênio, seu gerador, é por demais reativo para se estabelecer  sua fórmula molecular diatômica (O2) em atmosferas geologicamente sem atuação da vida, e poderá, por isso, exatamente ser utilizado como evidência da presença de vida noutro planeta.

E como o ozônio é fruto da ação da radiação sobre o oxigênio...

Deixemos bem claro que a presença de oxigênio na forma de O2 é um indicativo de vida, mas a sua ausência não é, até pela história da vida na Terra, indicativo de ausência de vida.
O ozônio não é igualmente necessário para a biopoese (a formação da vida) pois meio metro de água já barram as radiações ultravioleta.


Explico: não é só o ozônio, em fina camada, na alta atmosfera, que barra o ultravioleta. Tanto que os seres vivos no mar não tem necessidade alguma de pigmentação para absorver e proteger-se do ultravioleta, nem mesmo, nas profundidades abissais, a necessidade até de qualquer órgão para a visão, pelo mesmo motivo. O menor dos problemas na superfície de Vênus, garanto, para sua exploração, é a incidência de ultravioleta. Mesmo na Terra, a própria presença de particulados de origem humana (fuligem, em suma) na atmosfera conduziu ao chamado "resfriamento global", oposto do aquecimento, pelo efeito estufa, e correlatamente, faz incidir menos ultravioleta na superfície.

Como digo, ironicamente:

AH! MALDITOS CLOROBLASTOS, QUE ENTUPIRAM A ATMOSFERA DE OXIGÊNIO, QUE ALIADO DAS MALDITAS MITOCÔNDRIAS, CONDENOU-OS AO ENVELHECIMENTO PELOS RADICAIS LIVRES!

Este debatedor insistiu com a argumentação: "O 'cara' não disse que existe água no local."

Ironizo: Sim, porque sabemos, claro, que tanto faz água líquida como vapor, ou mais uma dúzia de gases que absorvem radiações, inclusive, medade das substâncias que torna a (ou qualquer) atmosfera não transparente no espectro do ultravioleta.



Gliese 581 e seu sistema, comparativamente ao sistema solar, apresentando a faixa ótima para a vida.


Para maiores informações:
Global cooling (resfriamento global)

A propósito, por ser fruto de dois átomos mais que banais, o abundantíssimo hidrogênio e o produzido pelas estrelas mais massivas que o Sol oxigênio (e nem se necessita apenas estrelas extremamente massivas), a água é banal pelo universo, tanto que já detectamos planetas com água líquida e oceanos teoricamente de milhar de quilômetros de espessura, com densidade planetária na faixa de 2 (GJ 1214 b).

Infográfico sobre a hipotética composição de estrutura de GJ 1214 b (Geoffrey Marcy; Extrasolar planets: Water world larger than Earth; Nature 17 Dec. 2009).

Muitos destes raciocínios e argumentos, nascem de um pensamento associado à "falácia da poça d'água", ainda que não afirmando que o planeta tenha sido "criado" para conter a vida. É uma espécie de "terraquização" do que seja a vida, inclusive, em seu estágio contemporâneo, muito diverso do período de seu surgimento em nosso planeta e de muito tempo após seu surgimento, antes do surgimento dos organismos mais complexos, de certa forma, uma visão 'antropocêntrica atualizada' do que seja a vida.

Até mesmo nossa convivência com extremófilos, fora outros ecossistemas que não os superficiais dos oceanos e o terrestre sob a atmosfera são desprezados.

Aponto mais destas questões no meu artigo: Vida, um produto do universo, não um milagre

Um detalhe que também aponto é que afirmar que "tempestades", ventos, os mais violentos fenômenos climáticos sejam condutores a não permitirem a formação de vida é exatamente um argumento dos mais infelizes.

A vida na Terra, e muito de sua evolução nos períodos mais arcaicos, deve-se a enormes efeitos de maré da Lua, com marés de metros de altura, lavando e dissolvendo os minerais dos continentes, nos oceanos primitivos, transformando a Terra inteira num enorme reator químico em agitação.

Isto porque a Lua, após o "Big Splash", estava muito mais próxima da Terra.


Para noções mais formais deste novo campo no estudo da história do planeta Terra:

MALCUIT, Robert J., THE FIRST 800 MILLION YEARS OF EARTH HISTORY: CAN WE NEGLECT THE TIDAL EFFECTS OF THE MOON?

MALCUIT, Robert J.; THE COOL EARLY EARTH AND THE TIDAL CAPTURE MODEL: THERMAL AND TECTONIC EFFECTS ON EARTH AND MOON

MALCUIT, Robert J.; A PROGRADE PLANETOID CAPTURE EPISODE ABOUT 3.95 GA AGO: IS THIS MODEL COMPATIBLE WITH THE INFORMATION FROM HADEAN- AND ARCHEAN-AGE DETRITAL ZIRCON CRYSTALS?

Richard Lathe; Fast tidal cycling and the origin of life; Icarus; Volume 168, Issue 1, March 2004, Pages 18-22

A vida, mais que fruto da suavidade do ambiente, é fruto de sua turbulência, que agiliza a fase de reações polimerizantes e estruturação de moléculas auto-replicantes, e destas, moléculas em sistemas colaborativos.

Como a vida é, antes de qualquer coisa, ação da energia livre de Gibbs sobre/na química trivial, a disponibilidade de energia, incluindo calor, apenas na faixa adequada*, a presença de radiações ionizantes, conduz a aumentar as reações químicas, conjuntamente com a catálise do meio mineral finamente dividido disponível nos sólidos em suspensão.

*Regra de Van’t Hoff


Um detalhe que deve ser observado é que turbulência atmosférica, onde ocorrem fenômenos climáticos na fase gasosa, não implica em haver turbulência em profundidades oceânicas. Vide que nada mais tranquilo que as jornadas em submarinos, mesmo com os piores furacões na superfície.

Os fenômenos de convecção na atmosfera não implicam em mudança significativa no meio líquido, onde a transferência de energia se dá por ondas com pouca movimentação de massas de água e a convecção oceânica se dá por correntes oceânicas relativamente independentes dos vetores da atmosfera.

Alerto para que não se tente nunca modelar fenômenos planetários com afirmações oriundas de modelagens simplórias.

Outro detalhe: uma estrela vermelha é produtora de energia muito mais perene, suave e harmoniosa que nossa bolinha amarela medíocre (o que por si só, já seria um argumento que burla uma questão de atmosfera ou massas de água bloqueantes das radiações ultravioleta ou da magnetosfera).


Os períodos possíveis de operação das reações biopoéticas num mundo que o orbitem podem estar em ação há bilhões de anos, diferentemente de nosso planeta, onde entre 4,5 bilhões, no Big Splash, e 3,8 bilhões (apenas... uns 700 milhões de anos) produzimos as primeiras bactérias fósseis, muito mais complexas que os primeiros parentes de L.U.C.A., e certamente, passamos por um grande e massivo período do "Mundo de RNA".[NOTA 2]



Muita gente começa, sem querer, a pensar como o que defino como um "poça-d'aguista" (relacionado á falácia da poça d'água), achando que a vida é algo exótico quimicamente, pouquíssimo probabilístico e fruto de um milagre físico-químico e, ainda por cima, que seu planetinha vulgar é algo quase impossível de existir, pela galáxia a fora.

Porém, a energia livre de Gibbs e uma dúzia de mecanismos de reações químicas pouco se importam com esta maneira de pensar.

Lembremos que em termos de átomos, elementos e seus isótopos, nada muda pelo universo, pois a "tabela periódica" é fruto, "por dentro", da Mecânica Quântica, e "por fora", da nucleossíntese nas estrelas, que são as mesmas pelo universo a fora, e tal é observável e até analisável em minúcias pela espectroscopia, e neste campo, a coisa não muda em modelagem, na verdade, desde os anos 50.


Aqui, recomendo a procura pelo artigo chamado B2FH
, chave para o assunto.

Noutras palavras, a química pelo universo a fora é igual em suas bases pois os elementos são os mesmos, pois a produção de átomos pelas estrelas é a mesma.

Já a combinatória química, pode ser diferente.

Sob determinadas condições, a formação de aminoácidos pode convergir para a formação de diácidos e diaminas, por exemplo, e teríamos um mundo de "nylon", e talvez, até vida relacionada com este tipo de poliamida, e não proteínas.

Aqui, ainda não podemos falar coisa alguma sem ser na especulação.

Mas noutras pressões e temperaturas, o "reator químico" que é a geologia, mantida pela gravidade, produz outras substâncias.

Exemplo banal: na nossa atmosfera, o enxofre tende a sair da atmosfera, "lavado" pela abundante água, nas precipitações, até no que chamamos chuva ácida, e voltar às rochas, como sulfatos. Em Vênus, existe um ciclo de óxidos de enxofre e ácido sulfuroso e sulfúrico, da mesma maneira que aqui temos com a água e o CO2, e outros compostos, de química mais "suave".

A determinadas pressões e temperaturas, o nitrogênio, aqui tão inerte, começa a fazer chover ácido nitroso e nítrico e produzem-se névoas avermelhadas de anidrido nítrico.

Até mesmo a quiralidade, um detalhe da orientação espacial dos átomos nas moléculas, tem sido percebido nos ambientes mais impropícios à vida, como a L-isovalina enriquecida na presença de água:



Glavin DP, Dworkin JP (2009) Enrichment of the amino acid L-isovaline by aqueous alteration on CI and CM meteorite parent bodies
. Proc. Natl. Acad. Sci. USA 106: 5487-5492

Assim como diversos excessos de enantiômeros, assim como assimetrias na química orgânica extraterrestre e buscam-se explicações para a homoquiralidade detectada nestas moléculas:

John R. Cronin and Sandra Pizzarello; Enantiomeric Excesses in Meteoritic Amino Acids; Science 14 February 1997: Vol. 275. no. 5302, pp. 951 - 955; DOI: 10.1126/science.275.5302.951

S. Pizzarello, Y. Huang, and M. R. Alexandre; Molecular asymmetry in extraterrestrial chemistry: Insights from a pristine meteorite. (2008); PNAS 105, 3700-3704

R. Breslow and Z.-L. Cheng; On the origin of terrestrial homochirality for nucleosides and amino acids. (2009); PNAS 106, 9144-9146

A meu ver, a maior colaboração da descoberta de Gliese 581 g é apontar que a noção de que uma "Terra Rara", astrofisicamente falando, foi destruída pelas evidências, e o universo agora aponta, mesmo na Via Láctea e nas nossas proximidades, para bilhões de mundos possíveis de produzir vida, mesmo nos bacterianos moldes terrestres.
Representação de Gliese 581 g se visto de um hipotético satélite natural. Notar o planeta do sistema passando frente a sua estrela.



O insight que teve Giordano Bruno cada vez mais se mostra sólido:

'Sóis inumeráveis existem; Terras inumeráveis giram ao redor desses sóis de uma maneira similar à que os sete planetas giram ao redor do nosso sol'.

Resta-nos apenas a comprovação da continuação: 'Seres vivos habitam esses mundos.'










 “Nós que habitamos a Terra não podemos fazer nada por nós mesmos, tudo é conduzido por Espíritos, não menos que a Digestão ou o Sono”. - William Blake (1757-1827), no poema épico Jerusalém.


Notas

NOTA 1

De certa maneira, até me atrevo a afirmar que a existência de muitos planetas pequenos já encontra evidências no próprio sistema solar. A hipótese Big Splash, cada vez mais sólida, já aponta para que nossa órbita era "dividida" com um corpo do tamanho de Marte, nomeado Theia, e o próprio Marte sofreu uma grande colisão em seu passado, com o que se hoje existisse seria classificado como um grande asteróide, do tamanho próximo ao de Plutão.

Mas temos outras evidências não somente históricas, como a colisão entre corpos de massas terrestres em Aries.

Para mais detalhes, recomendo meu próprio artigo, com muito mais referências:



NOTA 2

Artigos fundamentais para a teoria do "Big Splash":

Benz, W.; Slattery, W. L.; Cameron, A. G. W.; The origin of the moon and the single-impact hypothesis. I; Icarus (ISSN 0019-1035), vol. 66, June 1986, p. 515-535.

Stevenson, D. J.; Origin of the moon- The collision hypothesis, Ann. Rev. Earth Planet Sci. 15, 271-315 (1987).

Benz, W.; Slattery, W. L.; Cameron, A. G. W.; The origin of the moon and the single-impact hypothesis. II; Icarus (ISSN 0019-1035), vol. 71, July 1987, p. 30-45.

Benz, W.; Cameron, A. G. W.; Melosh, H. J.; The origin of the moon and the single impact hypothesis. III; Icarus (ISSN 0019-1035), vol. 81, Sept. 1989, p. 113-131.
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Cameron, A. G. W. & Benz, W. The origin of the Moon and the single impact hypothesis IV. Icarus 92, 204-216 (1991).

Canup, R. M. & Esposito, L. W. Accretion of the Moon from an Impact-Generated Disk. Icarus 119, 427-446 (1996).

Cameron, A. G. W., The origin of the moon and the single impact hypothesis V. Icarus 126, 126-137 (1997).

Shigeru Ida et al., ‘Lunar accretion from an impact generated disk’, Nature 389 (6649):353–357, September 25, 1997 - Para leitura rápida: www.xtec.es


Extras

1)

Flutuantes venusianos



Recentemente, tem surgido discussões sobre a hipótese de vida no topo das nuvens de Vênus, de bem mais baixa temperatura que sua tórrida atmosfera, com considerações sobre mecanismos que impediriam a dissociação das moléculas de sua vida pela ação do ultravioleta (mais intensa em Vênus que na Terra, pela óbvia distância do Sol) pela presença de outros compostos químicos absorventes, como os derivados de enxofre, somado ao fato da possibilidade de existir fotossíntese baseada exatamente neste espectro de radiação. Existe a sugestão de que o sulfeto de carbono seja uma substãncia importante, pelo seu carater solvente, nestas hipotéticas formas de vida.

No mundo da alegre leitura:

O ataque dos venusianos ultravioletas

Venusian Cloud Colonies

A "coisa" com determinado peso:

Dirk Schulze-Makuch, Louis N. Irwin.; Reassessing the Possibility of Life on Venus: Proposal for an Astrobiology Mission; Astrobiology. June 2002, 2(2): 197-202. doi:10.1089/15311070260192264.


2)

Oxigênio, cada vez menos raro pelo cosmos



Enterrando de vez as afirmações de alguns sobre a raridade de oxigênio em outros mundos, a sonda Cassini nos apresenta este elemento em Reia, de Saturno:

Cassini detecta oxigênio em lua de Saturno







3)

A hipotética ebulição sulfurosa e quente da vida


O ataque ao problema do surgimento da vida não para. Artigos que levanto para futuramente, acrescentar numa nova versão de meu artigo sobre a vida ser apenas um produto da natureza, e não um milagre (pois sabemos que U.R.I. não perde tempo com estas banalidades):

Pelo surgimento da vida a partir de bolhas de monosulfeto de ferro em hidrotérmicas submarinas em ambiente redutor e pH adequado:

Russell MJ, Hall AJ.;  The emergence of life from iron monosulphide bubbles at a submarine hydrothermal redox and pH front.; J Geol Soc London. 1997 May;154(3):377-402.

Relacionado com oceânicas hidrotermais e condições de pH de possível relevância para a origem da vida:

MacLeod G, McKeown C, Hall AJ, Russell MJ.; Hydrothermal and oceanic pH conditions of possible relevance to the origin of life.; Orig Life Evol Biosph. 1994 Feb;24(1):19-41.

Algumas análises recentes sobre determinados elementos e sua influência catalítica, no mesmo ambiente hidrotermal, sobre a origem da vida:

Nitschke W, Russell MJ.; Hydrothermal focusing of chemical and chemiosmotic energy, supported by delivery of catalytic Fe, Ni, Mo/W, Co, S and Se, forced life to emerge.; J Mol Evol. 2009 Nov;69(5):481-96. Epub 2009 Nov 13.

Mais, sempre focando nas fontes hidrotermais:

Simoneit BR.; Aqueous high-temperature and high-pressure organic geochemistry of hydrothermal vent systems.; Geochim Cosmochim Acta. 1993;57:3231-43.

Sobre o surgimento das primeiras células a partir do puramente químico:

Martin W, Russell MJ.; On the origins of cells: a hypothesis for the evolutionary transitions from abiotic geochemistry to chemoautotrophic prokaryotes, and from prokaryotes to nucleated cells.; Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2003 Jan 29;358(1429):59-83; discussion 83-5.


4)

Para uma interessante análise da distribuição dos exoplanetas, recomendo:_

Distribution of currently known extrasolar planets


Representação artística de um "Júpiter quente"., de relativamente fácil detecção.
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domingo, 7 de novembro de 2010

A Origem (XI)

...de muitos erros



O fio de Ariadne - O índice deste conjunto de postagens



Sono, o imprescindível




Acredito que todos nós sabemos que a suspensão prolongada de períodos de sono, as "viradas de noite", os porres, as noites de sono entrecortadas, as "baladas" extendidas levam ao tão sonhado "espírito independente da matéria" a mostrar-se uma enorme bagunça bioquímica, especialmente hormonal, e a pregada eficiência aristotélica da mente humana virar o carro enfiado no poste ou jogado pelo barranco abaixo no primeiro rio.

Nosso hardware cerebral, para manter o software mental em razoável operação, necessita de vez em quando, tanto em ciclos múltiplos (polifásico), como os bebês humanos e os cachorros (na verdade, a maior parte dos animais), quando em ciclos longos, únicos, para "descompactar e limpar a lixeira de nosso HD".

Há casos notórios de homens que dormiam pouco, como Thomas Edison e Napoleão. Um exemplo conhecido entre os brasileiros é o ex-vicepresidente Marco Maciel. O caso mais conhecido de pessoa com sono polifásico é Leonardo Da Vinci, que é descrito tendo diversas cochiladas ao longo do dia. Até o sono excessivo pode ser prejudicial ao bom funcionamento do cérebro, como no meu caso, que durmo confortavelmente umas cinco a seis horas, e com mais horas, acordo com o que chamo de "estado de goma", passando o dia meio desanimado e indisposto, que também caracteriza-se pelo que defino como "gosto de corrimão de INSS na boca". Acredito que muitos que leem estas linhas saberão experimentalmente do que falo.

Na "limpeza da lixeira", como já tratei, eliminamos os "vestígios do dia", entre outras coisas. Esta, para mim, é uma das maiores evidências da unidade mente-cérebro, pois se a mente pudesse processar seu entulho por simples lógica em seu "mundinho transcendente", como afirmam os dualistas, bastaria o fazer. Mas não. Precisamos desligar partes da máquina, e em processos de transmissões, gerando até a confusão, muito mais angustiante em alguns momentos que as dúvidas sobre o que seja a realidade dos personagens de A Origem, "botar a tralha para fora". Tal mecanismo que busca o descarregar de informações inúteis é tão poderoso e de ação inexorável (ou até levará ao colapso o funcionamento cerebral) que conduz o mais atento e experiente motorista a dormir ao volante, o trabalhador mais zeloso a dormir em meio ao barulho de máquinas, apenas para citar mais exemplos.

Poderia transcrever longos textos sobre o sono e suas questões bioquímicas, mas deixarei o principal com uma profissional do ramo:

Dra. Regeane Trabulsi Cronfli; A Importância do Sono




A plasticidade do cérebro


Conhecemos os notórios casos do brasileiro sem parte do cérebro, do menino estadunidense Tyler Plotkins, 5 anos, que vive apenas com a metade esquerda do cérebro, da menina de dez anos que perdeu metade de seu córtex, Michelle Mack, que vê perfeitamente por causa de uma massiva reorganização de seus "circuitos" cerebrais envolvidos com a visão. Consegue falar normalmente e chegou a graduar-se na high school e possui uma excepcional capacidade para guardar datas. 

Uma garota de 10 anos da Alemanha é foco de grande volume de estudos médicos. Mesmo sofrendo de eventuais espasmos, e vendo somente por um olhos, apresenta-se bastante "normal", e surpreendeu os médicos até uma imagem de ressonância de seu cérebro, mostrando um enorme volume de "vazio".






A imagem do cérebro da menina alemã (www.virtualworldlets.net).

Notemos que estas lesões, má-formações, todas as que tratamos nesta série, não anulam completamente a operação da mente, mas claramente a modificam. Também podem, se de determinada escala, não alterar extensamente aquilo que até sempre classificamos como "mental", como a personalidade, caráter ou comportamento, permitindo uma convivência social sem relativamente problema algum, mas poderá alterar gravemente as funções motoras do cérebro, como a coordenação fina, e sempre, repitamos, sempre, gerar-se-ão determinadas nuances no comportamento e desempenho peculiar em determinadas áreas relacionadas com aquelas coisas que julgamos somente mental, como a visualização de conceitos. Para determinado perfil de lesões, o autismo.

Os portadores da síndrome de Savant são exemplos disto. Alguns (também chamados simplesmente de savants) podem ter excelente talento para a música, mas suas lesões cerebrais os impedirão a vida inteira de amarrar sapatos, que é uma atividade motora-espacial simples para qualquer um de nós, "humanos médios". Outros, serão capazes de desenhar paisagens de memória com a riqueza de detalhes de um Gustave Doré, mas são incapazes de gravar mentalmente uma canção simples e a cantarolar. Outros, podem guardar datas e mais datas, inúmeros fatos ligados a estas, mas são incapazes de realizar cálculos simples. Outros, de maneira curiosa, são capazes de realizar cálculos de multiplicação com números de determinada quantidade de algarismos, mas são incapazes de realizar o mesmo cálculo com um único algarismo a mais, pois não são capazes de aprender algoritmos de multiplicação, e fazem suas proezas baseados em processos mentais próprios.



Um desenho de Stephen Wiltshire, um savant.

Assim, também conhecemos todos nós agradáveis e carinhosas crianças, que não apresentam diferenças muito sutis de comportamento com crianças de mesma idade, mas que apresentam dificuldades motoras de membros ou partes destes. Normalmente, estas dificuldades, até em graus mais elevados, como a chamada paralisia cerebral, são originárias de ações mais difusas de uma lesão por todo o cérebro, como na carência de oxigênio, nas asfixias e nos afogamentos, ou como já conheci, por determinadas intoxicações graves, infecções e febres.

Algumas vezes, um pequeno impacto numa queda conduz à grandes limitações, e outras vezes, uma grave lesão não leva a mais que algumas sequelas, até dificilmente perceptíveis. Mais uma vez, mostramos que o cérebro é plástico, e o funcionamento da mente, em seu substrato, um tanto difuso.

Aqui, mais uma vez, a analogia do cérebro-mente com o computacional hardware-software encontra suas limitações, pois mesmo o mais sofisticado computador, de milhares de processadores em paralelo, ao ter determinado condutor rompido, cessará imediatamente de operar, e se tornará uma massa inútil de circuitos e peças eletrônicas. Como vemos acima, mesmo o mais lesado cérebro, pode ainda continua a manter sua mente e o básico de sua operação.


Quando o mau funcionamento encontra a loucura

No livro O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, Oliver Sacks, um cientista e neurologista  descreve vários casos de pacientes com funcionamentos cerebrais problemáticos que os levam, entre outras anomalias, a exatamente como mostra o título, a ter uma captura da realidade completamente absurda, embora em outras áreas, como a imaginação, determinados talentos, a capacidade de comunicar-se e raciocinar, o próprio senso moral, não apresentarem disfunção alguma.

Mostra também, algum casos de savants, destacando-se entre minhas lembranças o caso de irmãos gêmeos "prodígios matemáticos" que descobrem o "milagre" da multiplicação de números de mais de 3 algarismos.

Citando cinema, em Tempo de Despertar, (Awakenings, 1990, IMDB), também baseado em livro de Oliver Sacks, é apresentado o caso de paciente que desenvolveram uma determinada variedade do mal de Parkinson ao ponto de sua "vibração" ser tão intensa que apresentam-se totalmente paralisados - inclusive, por que tudo que o filme mostra, até mentalmente.

Estes pacientes, apesar de serem fisicamente paralisados, apresentam estranhas reações como pegar uma bola em pleno ar sem no entanto o restante do corpo reagir, assim como parar de caminhar em direção a um bebedouro por causa do quadriculado do piso ser interrompido a partir de um ponto, e serem capazes de se comunicar usando uma tábua Ouija. Mas notemos: comunicam-se apenas quando tocando na tábua, que torna-se, assim, uma "muleta" para sua atividade mental.



Para ver o quanto um mal de efeitos diretamente físicos pode interferir no dito psicológico, recomendo:



Estranhos hábitos

Quando estou chegando a um elevador num hotel, ou até mesmo no carro, em frente a minha casa, seguidamente sou tomado daquela dúvida: "Será que chaveei a porta?"

Valeria o mesmo para conferir se peguei determinado documento para uma reunião, revisando a pasta, se desliguei o computador, etc. Nosso cérebro seguidamente "pifa" e esquece pequenas atividades, não dá os "checks" nas atividades de nossas rotinas. Aliás, grande parte dos acidentes por falhas humanas ocorre deste tipo de falha, como esquecer que os ventos afetam um guindaste, e não só a carga, que cabos tensionados lateralmente tem modificadas suas tensões, etc, citando casos que sempre lembro da engenharia. Se esquecemos coisas de nossa vida profissional, o que dirá de distrações inocentes e inofensivas quanto esquecer a chave da porta dentro da geladeira, lembrando caso hilário de amigo de minha adolescência.

Quando eu ou você volta à porta, a revisa e passa a ter a segurança que a fechou, acredite amigo, você e eu somos absolutamente normais. O problema é quando, após revisar, chegamos na porta do carro e novamente tivermos a dúvida.

A dúvida é humana, a permanente dúvida é um tormento.

Igualmente, eu trabalho sempre melhor, mais confortavelmente quando coloco os documentos a processar à esquerda, os trato e repasso para a direita. Deve existir "um Francisco" israelense ou árabe que o faz, igualmente de maneira mais confortável, da direita para a esquerda. O problema é quando um indivíduo qualquer não consegue mais suportar, se torna perturbador, coisas fora de determinada ordem ou disposição, ou ainda, absurdos como só caminhar numa calçada não pisando nas junções das pedras, ou algo insano parecido.

Mais uma vez, deixemos com os profissionais:
A frase irônica define muito, de maneira simplíssima:

Eu tenho COT. É que nem TOC, mas em ordem alfabética, como as coisas devem ser.

Mas seguidamente, como todos nós, que suponho dentro de determinado limites de normalidade, simplesmente empilhamos revistas e jornais sem ordem alguma, e dormimos tranquilos com isso.

O caos do humano mostra nossa sanidade.


A angústia de não se ter a certeza de que se fechou a porta, por exemplo, é bem definida pela expressão francesa folie du doute, a 'loucura da dúvida'. A "loucura" não é se ter dúvida de que se fechou a porta, mas a permanência da dúvida, mesmo após repetidas revisões, o permanente esquecer de ter trancado a porta e após a verificação, continuar na mente a dúvida.

O cinema e a televisão tem contruído bons retratos do TOC, como o filme Melhor é Impossível (As Good as It Gets, 1997, IMDB), onde é bem mostrada a coisa absurda que são os "rituais de caminhadas" com o cuidado de pisar-se nas posições corretas e cartesianas da calçada. A série Monk mostra inclusive o conflito terrível de quando um portador de TOC encontra uma pessoa completamente inversa a seus hábitos insanos de higiene, como o detetive que prova o sabor de lama para saber sua origem, interpretado por Jason Alexander, o eterno problemático por outras vias George Costanza, entre tantos outros problemáticos, da série Seinfeld.

Momentos de TOC explícito, em Melhor é Impossível.


Somos normais quando com os pés enlameados, ou as mãos engraxadas, ou pingados de tinta, não paramos histericamente nossas atividades.

Ser higiênico é a normalidade, julgar que sempre se está sujo é loucura.

Questões com a limpeza e outros "rituais" são muito bem mostrados em Os Vigaristas (Matchstick Men, 2003).

Em O Aviador (The Aviator, 2004) é mostrada inclusive a perturbadora entrada em loops de frases ou palavras, que trava a operação da mente dos sofredores com TOC. Os "dominós" de uma mente destas iniciam uma queda que não chega a um ponto final, e ficam num ciclo que bloqueia os próximos passos de raciocínios, discursos e até mesmo os movimentos. Este sintoma é aparentado de nossos momentos atrapalhados, em que não conseguimos fazer determinada coisa nem de perto corretamente quando temos de dizer alto um número de telefone, por exemplo. A diferença é que conseguimos parar uma atividade, encerrar outra e retornar a anterior.

Uma coisa é quando falamos, por exemplo, introspectivo, demoramos umas duas repetições entre intos..., introsprec..., até finalmente acertarmos a pronúncia. Outra, é quando ficamos preso em falar "the way of the future...", e não mais conseguimos parar de dizer isto.

A confusão é o normal, a regularidade interminável é doentia.


Existe um "licor" das nossas memórias? E memórias que viciem?


Tratando novamente das memórias, tem de ficar claro que os registro dos fatos e das coisas em nosso cérebro, ainda que químico e eletrolítico, não se dá numa quantidade definida em um volume. Noutras palavras, não se dá numa "solução que contenha as memórias", ou aquilo que no passado do mundo da farmácia chamava-se "licor".[NOTA]

O acumular é na forma de um circuito difuso, "fractal", dos impulsos, e mesmo rendendo interessantes ideias para suspenses e ficção científica, como se vê em Inesquecível (Unforgettable, 1996, IMDB), não há extração de líquor (aqui, o medular, por exemplo), ou de líquidos encefálicos que abasteça a memória de alguém, nem que preserve suas lembranças. Ainda que acumulem-se neste líquido substâncias que estejam envolvidas as memórias, tal como uma "sopa de letrinhas", formada por letras que cuidadosamente formavam um soneto de Camões, ao estarem na sopa, não formam mais que um caos de letras, e voltam a ser as porções de massa que só possuem sentido para identificar que letras são, e não mais, o texto coerente anterior. Perderam seu substrato, que poderia ser, repetindo a analogia, a matrix quadriculada que coordenava as letrinhas de macarrão para expressar o poema.




Este mesmo tipo de erro é cometido pelos homeopatas, que baseados em premissas aparentemente coerentes do século XVIII, trazidas aos conceitos da Físico-Química já bem estabelecidos desde o século XIX, soam ridículas, pois sempre, qualquer que seja o fluido, existe uma agitação, e a menor variação de temperatura ocasiona uma alteração de densidade, e de gradiente em gradiente, põe-se o fluido em movimento, e não se registra mais a ordem inicial - a falácia da "memória molecular". Quem faz o amontoado de moléculas de meu cérebro, pela minha mente, produzir este texto com alguma mínima coerência e medíocre estilo é o conjunto como um todo, e não moléculas em suspensão, muito menos uma quantidade molar de neurotransmissores e íons formando um conjunto de núons, em um meme, sem as interações com todos os núons, de todos os neurônios neste (ou naquele) momento cerebral-mental, num instante específico, e inclusive, numa onda de correlações em determinada distribuição e sentido pelo cérebro.

E tal "frasco" não pode sofrer impactos intensos, nem ser muito agitado, nem mesmo, violentamente desacelerado, ou o "licor" pode perturbar-se a tal ponto que nada mais lembre, e até, nem mais funcione. Na verdade, não pode nem ser diluído com o álcool aparentemente inofensivo dos "medicamentos" homeopáticos acima de uma determinada concentração.

Aliás, mantendo o alvo principal desta série de textos em foco, esta é mais uma prova que a mente e o cérebro formam uma coisa indissolúvel, e não algo que após o "desligamento", possa ser carregado exatamente como estava no seu estado anterior, como se a mente estivesse no correspondente da "nuvem", da moderna informática. O reiniciar de nosso software, mesmo com o hardware intacto, trás perdas de dados e dificuldade de processamento, pelo menos, por algum tempo. Somos um computador meio ineficiente no backup.

NOTA: Em até grafias mais exóticas, de onde exatamente o termo médico se origina, como "líquor", ou termos mais beirando a mágica, como "elixir" - as vezes, aos nossos olhos atuais, o passado da linguagem pode parecer ridículo. A evolução dos memes tem sua pressão social e comportamental, num processo histórico-cultural, e como tal, direciona-se pelo que podemos definir como um sentido mais amplo de "moda". Que o diga a publicidade:

“Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro, que o senhor tem ao seu lado. Mas, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o o Rum Creosotado!”.

Falando de publicidade, nosso cérebro-mente pode ser tão influenciado pela sua química que até podemos nos viciar em coisas que somente causam alteração bioquímica indiretamente. Sendo claro: quando cheira-se cocaína, é óbvio que chega esta substância ao cérebro, igualmente quando saltamos de paraquedas, com a nossa própria adrenalina, ou as endorfinas dos esforços físicos, mas quando fazemos excessivas compras, ou relacionamo-nos horas a fio apenas pela internet, ou jogamos, ou mais exoticamente, quando nos tornamos viciados em auxiliar pessoas com dificuldade (aqueles mesmos que consomem, entre outras coisas, cocaína, por exemplo).


O vício da internet - Expresso do 7B

Como quero contingenciar minha compulsão por escrever, com a palavra, especialistas - e outros nem tanto, pois afinal de contas, isto aqui é um blog, e não uma publicação científica, e temos de manter todo o TOC sob controle:

Na verdade, para o vício em adrenalina, nem se necessitam esportes radicais:
Sobre internet e o que causa:
O vício em jogo:
O interessante do vício em jogo é que casa perfeitamente com o conceito dos "ganhos acessórios" dos vícios. O doente passa a ser dependente dos bons tratos, da pena, do estreitamento das relações familiares, como é bem mostrado no filme The Gambler (1974).

E o "divertido" vício de Becky Bloom, de Confessions of a Shopaholic (2009).
E por último, a mostra que até no mais aparente humano dos ímpetos, podemos nos tornar vítimas do funcionamento de nossa mente:


A irreal felicidade do esquecimento e da fantasia

Como os dominós mentais caem, o filme Tempo de Despertar possui um personagem chamado enfermeira Beth, que me lembra Enfermeira Betty (Nurse Betty, 2000, IMDB), um filme onde uma gentil dona de casa assiste o brutal assassinato de seu esposo e sofre um colapso, passando a viver um mundo de fantasia onde o personagem - na verdade, todas as situações - de uma novela passam a ser reais.

Este tipo de comportamento é chamado "estado de fuga", ou ainda melhor, "fuga dissociativa", caracterizado por amnésia para a identidade pessoal (aquela coisa ilusória que mostramos aqui ser o que tratamos de "o eu").



Alguns problemas com números

A primeira vez que li sobre aritmomania, devia ter meus 18 anos. Não acreditei simplemente em uma única palavra do texto, ao considerar, infantilmente, que tal comportamento fosse impossível de se estabelecer em uma mente.

Devia ser uma época que minha imaturidade me levava, dogmaticamente, a que o funcionamento da mente humana dependia apenas dele próprio - seja lá o que fosse, e não de determinados "relés" em operação no cérebro.

Passadas poucas semanas após este novo meme em minha memória, ao esperar um ônibus chamado T3 (acho que significa "transversal") em Porto Alegre, aparece uma senhora, julgo na faixa dos 60 anos, e me pergunta se naquela parada passava tal ônibus. Ao responder que sim, passou imediatamente a falar em voz bem audível, mais ou menos isso:

- "Tê" três. 3 mais a passagem de 2 e 70,  5 e 70  , 5 e 7, 12, 12 e 3, 15...

Olhei para o céu e pensei comigo mesmo: - Tá bom, entendi o recado! (Até hoje mantenho meu panteísmo com nuances de uma crença fervorosa, numa ironia típica. Hoje, acrescentaria: "UM SINAL! UM SINAL DO UNIVERSO!).

Diario del toc - ARITMOMANIA el deseo compulsivo de contar.

A aritmomania é atormentadora e não trata-se do magnífico gosto pelos números e suas relações, como em Fermat ou muitos matemáticos amadores e profissionais, ou diversos contabilistas de altíssimo nível, apaixonados pelos números em si, mas da geração inútil de operações matemáticas e seus resultados, pois convenhamos, perceber que raiz quadrada nenhuma de número primo é racional já era uma coisa brilhante ao tempo de Pitágoras, mas qual o nexo de somar o código de uma linha de ônibus com o preço da passagem?

Eis a loucura: operar com variáveis nem um pouco dependentes, para não dizer completamente separadas,e  sobre tal coisa insana, não conseguir mais parar de fazer isso.

Lembrando a ironia que fazemos em debates, entre outras tantas tolices: Se você não gosta de bom-bons, para que roubou minha bicicleta?

Com o elemento em comum de referir-se a números e matemática, mas deixe-se bem claro, com enormes diferenças, existe também a discalculia.

Minha irmã, até determinada fase da adolescência, poderia aparentar ter uma leve discalculia, mas na medida que amadureceu, e seu cérebro também, como em todos nós, passou a ser muito apta em números e matemática, como minha família em geral, e destaque-se, apresentou desempenho excelente nas cadeiras de cálculo na sua faculdade, onde seus colegas graduandos de Arquitetura normalmente penam semestres. Assim, não só a mente opera no substrato, mas muitas vezes, necessita que o substrato amadureça para operar melhor.


Consertando circuitos


Recentemente, cientistas brasileiros obtiveram a proeza de consertar um 'neurônio autista' em laboratório.

Com excelente infográfico: g1.globo.com

Devo destacar a parte que é citado que consertar um neurônio (ou memo um grande conjunto destes) não é o mesmo que consertar um cérebro inteiro. Aliás, nem copiar um cérebro inteiro implica em consertar uma mente, pois a mente é também formada por um carregamento de uma vida inteira, na identidade - "o eu" - e por períodos razoáveis, digamos dias, no entendimento de novas situações - como nos casos de pacientes que saem de coma. Mais uma vez, a natureza difusa da operação da mente se manifesta, e até a conformação das células neurais e seus conteúdos e interações no espaço e no tempo influi nos resultados e mecanicismos.

Neste tratamento em desenvolvimento ainda de seus princípios, o foco restringe-se apenas a Síndrome de Rett, numa mostra que em se tratando do cérebro, diversos mecanismos na origem podem redundar, convergir, num quadro final, ainda que amplo, de sintomas similares, como o vaso quadro que chamamos autismo.


Postura de mãos típica da síndrome de Rett (medscape.com).

Sempre lembro do drama da atriz Isabel Fillardis, com seu filho, que padece de Síndrome de West, uma forma grave de epilepsia, geralmente causada por anomalias do cérebro e que resulta em prejuízos para o desenvolvimento mental. Até mesmo um balanço entre ácidos graxos resulta em graves prejuízos para os mecanicismos cerebrais e o estabelecimento de uma mente minimamente funcional neste, como vemos de maneira brilhante, até pelo trabalho verídico dos pais em campos dos quais não eram profissionais, no filme O Óleo de Lorenzo (Lorenzo's Oil, 1992).

Para questões mais técnicas:  Adrenoleucodistrofia

Casando estes exemplos com o que vimos sobre o autismo, observamos que mesmo a recuperação do hardware cérebro não implicará em recuperação plena do software mente, restando sempre alguns bugs. Por este motivo, pessoas que passaram por severos processos de perturbação de seus processos cerebrais não recompõe plenamente sua mente naquilo que chamamos de normalidade, mesmo com alguma carga minha de preconceito e definições estritas aqui embutidas. Restarão traumas, lembranças desagradáveis, um certo nível de paranóia e mesmo, em casos mais graves, deficits diversos. Minha experiência profissional com empresas em dificuldade me levou a perceber que mesmo problemas menores na vida, como diminuição do poder aquisitivo, os processos de falência, com a mudança completa de paradigmas do que era julgado como "um plano de vida", ocasionam mudanças nítidas de comportamento, nuances de distúrbios de conduta, mudanças nítidas de caráter e até fobias diversas.

O jogo de dominós que é a mente, quando perturbado, sempre deixa algumas peças perdidas, perturbando a nova partida.



A consciência e nosso difícil autorretrato


Já abordamos que a consciência é, para meu "credo" e de muitos outros, ilusória, e aqui, só colocarei úteis links.
E um dos maiores sucessos no Knol:


Rembrandt retratando-se doente, uma mostra de sanidade mental e aceitação racional da realidade.

Na canção abaixo, descobri pela primeira vez, em coro de minha escola de primário, que tinha a capacidade de fazer arranjos musicais, e em compensação, uma enorme indisciplina para seguir a ordem apresentada por composições musicais. Tenho um desejo incontrolável para modificar o musical estabelecido. Nasci, pois, para ser um mínimo compositor musical, e como sou um lesado cerebral para a música "formal", apoio-me em computadores. Se a questão fosse mental, pura e transcendentemente, bastaria colocar a pena sobre a pauta, e fazer o que desejo, ou os dedos sobre o teclado, mas não me estimula nem um pouco música sem o som ocorrendo e meu lado esquerdo do corpo tem tanto talento para os instrumentos musicais quanto um ferreiro, por mais habilidoso que seja, tem para pintar retratos na cabeça de um alfinete.


Roda, pião
Bambeia, ô pião

O pião entrou na roda, ô pião
Roda, pião
Bambeia, ô pião

Sapateia no tijolo, ô pião
Roda, pião
Bambeia, ô pião


Passa de um lado pro outro, ô pião
Roda, pião
Bambeia, ô pião

Também a vida da gente
É um pião sempre a rodar
Um pião que também pára
Quando o tempo o faz cansar


Roda Pião - Cantiga de roda


Somos até nos nossos mais destacados talentos, assim como nos mais lúdicos e triviais, prisioneiros dos modos como opera nosso cérebro com seu corpo. Nosso julgado "eu" é além de ilusório, uma construção que tem de ser feita ao longo de toda nossa vida, com momentos de maiores realizações, como em suas fundações, com momentos de desequilíbrio e recuperação, revisões do projeto e correções, e permanente risco de perdas de controle, e temos de aceitar um final momento de destruição completa.


O delicado prumo do pião

Finalizando, o que nos torna normais, equilibrados, é o balanço razoável entre extremos de loucura. Se fôssemos completamente passíveis, não defenderíamos um parente ou vítima incapaz de uma agressão, ou nos encolheríamos num canto num incêndio. Se apenas fôssemos apenas agressivos, não resolveríamos nossas diferenças a não ser pelo uso da força, e não teríamos momentos de ternura com nossos próximos. Se fôssemos apenas de um comportamento hedonista, extremado, ou preguiçosos patológicos, não nos preocuparíamos nem um pouco com nossos semelhantes, e teríamos uma vivência social completamente impossível, quando não, nem poderíamos nos sustentar. Se fôssemos de uma comportamento absolutamente espartano, diria psiquiatricamente maníaco (embora aqui o termo permita especificações e até correções de meu texto), não teríamos prazer algum como passear no parque com os filhos e esposa ou companheiros, e sem aquela dose na hora certa de preguiça, tenderíamos ao colapso mental (ou ao infarto, antes), e assim por diante, patologia após patologia, depressão contra mania, polaridade contra polaridade, extremo contra extremo.

Em se tratando de mente, fiquemos com algo próximo do dito por Siddhartha Gautama, o "Buda", e escolhamos como sanidade o "caminho do meio", uma posição equilibrada.

Como somos primatas, somos animais preênseis. Na verdade, adoramos segurar coisas. Vide os momentos em que não sabemos onde colocamos uma caneta, e ela já está ridiculamente na nossa mão, ou quando nos atrapalhamos para fazer alguma coisa porque não largamos algum objeto. Seguidamente, me pego na cozinha com tal problema. Herança infeliz do reflexo preênsil. Nossa civilização nasce, inclusive, de mantermos objetos, e nos afetuamos a eles; basta olhar qualquer casa que chame-se lar, e lá estarão toda sorte de quinquilharias e traquitanas como memórias acessórias de viagens, eventos familiares ("dominós mentais externos") e simples ocupação de espaço por até suspeitos motivos estéticos.

Nossas maiores bibliotecas, coleções de música em diversas mídias (para não dizer os termos limitantes "discos" ou CDs) são outra mostra disto. Mas concentrando-nos em livros, o equilibrado amor aos livros, que é aquilo que tenho quando entro num sebo e encontro curioso livro criacionista que contém discurso que me interesse para escrever algo, me leva a comprá-lo, e apenas ele naquele dia, vendê-lo dias depois, já "sugado", é o mesmo impulso que exacerbado que distorcido leva pessoas à falência, ao roubo por não conseguir adquirir mais livros, relatórios, catálogos e até qualquer papel com escritos. A bibliofilia limita-se na sanidade com a insanidade da bibliomania. O TOC "possessivo", como chamo, ou colecionismo patológico, leva pessoas até a acumular, em ordem crescente de insanidade, classificados de jornal, cabos de guarda-chuva encontrados na rua, potes de iogurte vazios, cascas de ovos quebradas e até sacos de lixo coletados na rua. Profissionalmente, vi mais de um empresário após grave crise desenvolver nem tão sutis apegos patológicos a objetos inúteis.

Na cultura popular, um personagem que sofre de bibliomania é Jerry Fletcher (Mel Gibson), de A Teoria da Conspiração (Conspiracy Theory, 1997).

Para conhecer mais: Regina Wielenska; O caos e a ordem: as faces do colecionismo patológico

Para conhecer um bibliômano lendário:  Thomas Phillipps

É descrita na literatura um caso de um bibliófilo da antiguidade que passava fome para adquirir livros. Desde já grato por referências. Devo destacar que não necessariamente um bibliófilo colecione livros.
Logo, no "gene" de nossa acumulação de cultura e contrução de patrimônio, tanto individual quanto coletivo, está o "gene" de uma doença mental.


Em cada paraíso dos bibliófilos, pode vagar um bibliômano.

Se fôssemos excessivamente realistas, vendo o mundo apenas com a percepção da visão, e esta interpretada puramente de forma racionalista, não teríamos as magníficas metáforas de um Inferno de Dante, ou o fantasma da tragédia Hamlet, ou ainda as fadas de Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare, nem mesmo as asas da Vitória de Samotrácia. Destruiríamos boa parte de nossos mitologias, tanto do passado como mais recentes, abatendo todos os inúmeros animais falantes de Esopo, os elfos de Tolkien e o Yoda de George Lucas (sem falar, óbvio, da imensa fauna destes universos imaginários), pois aquilo que não fosse real não seria pensável. Uma distopia cuja maior vítima seria a fantasia. Assim, muito de nossa cultura é fruto de um delírio mantido sobre racional controle, colocando os sonhos frente a nossos olhos, em todas as formas de arte, até para nisto temos as certezas que Dom Cobb só possuirá com seu totem. Como Cobb, somos os extratores permanente de nossos delírios mais profundos, para relaxarmos frente a fria e cruel realidade, desde o tempo que nos reuníamos para dividir uma carcaça ao redor da mais rústica das fogueiras. Damos poderosas asas às nossas fantasias, e pela cultura, as mantemos com os mais racionais objetivos.


AVitória de Samotrácia.


Somos, ao contrário de lógicas máquinas eletrônicas, as morais e lúdicas máquinas biológicas,
em que numa parte de nosso corpo, processam-se emoções que nos caracterizam como humanos, aquilo que há muito julgaram, pelos fisiológicos efeitos, que ficava no coração. Lá está a origem do que julgamos "eu" (ou "nós"), e que em vida, procuramos, até em desespero, mantermos em movimento.

...
Roda mundo roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração


Roda-Viva - Chico Buarque de Hollanda



Confissões...

Os subtítulos desta série de blogagens tem inspiração do livro O Despertar dos Mágicos, de Louis Pauwels e Jacques Bergier, pois como já citamos, criatividade pura é coisa que não existe.

Erudição é a poeira sacudida de um livro para dentro de um crânio vazio. - Ambrose Bierce

O número de blogagens foi fixado em 11, e não em dez, pois a fixação nos números redondos é uma mostra de TOC, assim como também se preocupar com não mostrar isso é uma mostra de neurose! ;)



Somos feitos da mesma matéria que os sonhos e nossas pequenas vidas são rodeadas pelo sono...

Shakespeare - A Tempestade




segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Origem (X)

...de muitos erros



O fio de Ariadne - O índice deste conjunto de postagens



Falsas lembranças de ilusórias antecipações


O fenômeno chamado de déjà vu , citado em Matrix é mais uma das provas de que nosso cérebro não é a maravilha que julgamos. Ele nos trai até o ponto que podemos julgar (e muitos assim o fazem, da maneira mais ególatra e narcisista possível) de que seja a manifestação de que podem captar o futuro.

Explico o "ególatra e narcisista": muitos de nós não aceitam o simples fato que sejam apenas macacos pelados, incapazes de correr a mais de 40 km/h ou de erguer cargas que quanto muito, sejam de uns 200 kg. Mesmo os mais fortes e rápidos de nós não passam muito disto. Mas mesmo os mais aptos fisicamente de nós não poderiam mergulhar com a mais frágil foca. Em cima destes limites físicos, acrescentam não só uma até honesta pretensão de possuirem uma alma imortal, mas também, os poderes de detectar coisas à distância, mover objetos apenas com seu pensamento (até no nosso passado, pirâmides inteiras) e até mesmo, conhecer todos os fatos relacionados com um objeto, como uma colher, pelo simples fato de tocá-lo com suas miraculosas mãos (aquelas mesmas patas modificadas que eu e você temos, e que mal conseguem identificar um objeto quanto a luz falta). Não contentes ainda com essas proezas, conseguem também visualizar os eventos futuros (muitas vezes, não numa colher, mas por exemplo, olhando dentro de uma bacia com água).

Quanto ao futuro, notemos que aqui eu não estou negando que não o captemos, a priori. Estou negando que nestes casos, o estejamos captando, em mínimos detalhes, pelos mecanismos propostos, com a precisão afirmada, em todos os momentos em que se desejar ou mesmo em raros momentos de suspeita inspiração e transcendência do trivial humano.

No campo das descrições deste tipo de fenômeno, nunca se conseguiu passar do anedótico, do duvidoso, da coincidência até simplória, da imprecisão que nada soma. Exemplifico: alguém ter escrito um texto com um navio chamado Titan, que afunda tragicamente, e depois um navio Titanic ter afundado não sustenta coisa alguma além da coincidência.

Neste campo, muitos buscam as explicações mais exóticas para obterem "bases físicas" para que tenhamos a capacidade de prevermos o que o universo nos reserva, incluindo táquions (independente de a ciência afirmar se estes existem ou não, e até como sua existência tem de ser interpretada). Esquecem, inclusive, de apresentar algum mecanismo pelo qual nosso cérebro receba seja qual for, esta informação do futuro, quando já é um enorme problema explicar como capta o que se afirma em telepatia, em tempo presente, e até da sala ao lado. Uma clara falácia da argumentação negativa. Se 'acho que pode', primeiro afirmo 'que pode', depois busco, ou não, aliás, melhor - para quem o afirma - não, a evidência de que tal ocorra como descrevo.



Voltando ao fenômeno deste tipo especial de bug de nosso cérebro, notemos que guarda relação com o efeito das drogas alucinógenas, só que aqui, não mais causando a confusão no espaço, na estrutura cerebral e suas regiões de espécíficos processamentos, e sim, no tempo, com como a memória processa as informações que captamos. O que era para estar no "recente", parece-nos, momentaneamente, num distante passado.

Quanto a este tipo de argumentação por "poderes cósmicos fenomenais", especialmente no que tange a captaçao de eventos futuros, contraria a "seta do tempo" em que estamos presos desde nossa concepção, que relaciona-se com toda nossa bioquímica e a termodinâmica que a tudo no universo afeta, quando tais ilusórias “lembranças do futuro”.

Novamente explico: todo nosso cérebro (e corpo) está preso a um funcionamento que marcha com a entropia termodinâmica (como diz o comediante Marcelo Médice: vovó vai morrer, mamãe vai morrer...) e até com a entropia da informação (e talvez, antes de morrer, vovó e mamãe se esqueçam até do nome, como esquecemos permanentemente do nome da pessoa que conhecemos semana passada e até do assunto que tratamos nos textos anteriores). A memória é, exatamente por ser termodinâmica e informaticamente entrópica, não só respectivamente apenas acumuladora do passado como também degenerante.

Mas mais que isso, uma certa determinação no futuro contrariaria uma série de questões que envolvem a Mecânica Quântica e a violação experimental das desigualdades do Teorema de Bell.

Perdão se aqui "peguei pesado", mas os links acima já mostram que a própria natureza da aleatoriedade experimentável no presente, e a lógica poderosa que nos leva a determinadas conclusões sobre a natureza aleatória mais íntima da natureza (confesso que adoro esta redundância) leva-nos a entender que o presente é cristalino, e o futuro, um mar de crescentes possibilidades a cada instante em que nos aprofundamos em seu mistério.

Por uma analogia com uma árvore, se estou subindo num tronco, acima de mim existem 3 grandes ramos a escolher, adiante, em cada grande ramo, três ou quatro ramos menores, e adiante, uns 5 galhos em média por ramo, e nestes, milhares de folhas. Se estou no tronco, como saberei em que folha tocarei?

Logo, prever o futuro não se sustenta em Física.

Notemos que as questões de que hajam múltiplos universos, até mesmo quanticamente pululando ao nosso redor, com infinitos "nós" tendo estas vivências previstas, pouco soma, pois meu amigo, o "eu" que você preveria seria este que você é e será, e como então saber se passaria certamente a ser aquele que previu e não outro, como aquele que trocou determinados números na aposta da Megasena da semana passada e acertou as seis dezenas, ou o humilde Francisco N (noutro cruel universo) que escovou os dentes um tanto mais cuidadosamente esta manhã, saiu uns segundos mais tarde de casa, e distraidamente, foi atropelado pelo caminhão do gás?

Perceba-se que afirmar que existem possibilidades não implica em que as possamos prever, e sim, que existem crescentemente possibilidades a cada instante para prevermos e menos probabilidade a cada passo adiante no tempo para permitir acertos, e repitamos, pouco interessa se existirem infinitos universos - só piora o problema.



Mas podemos tratar este problema de porque estas impressões são os bugs que os neurologistas já há décadas afirmam, por uma via mais filosófica pelo“Paradoxo da Cigana” ou "Paradoxo da Cartomante":

A previsão do futuro sempre apresenta-se como um antigo paradoxo. Se o futuro foi determinado, seria possível prevê-lo, embora fosse inútil, se não for determinado, a previsão seria meramente probabilística. Ou, qual o nexo de uma cartomante que lê cartas, ou uma cigana que lê linhas da mão, se o que ela afirma, se assim visto, exatamente no futuro "já ocorreu", já está neste futuro "cristalizado", e não pode ser mudado, ou se mutável, poderia de infinitas maneiras o ser (bastando mais e mais previsões e ações) e portanto, não poderia ser previsto exatamente.

Logo, o segredo das ciganas não são as linhas que definiram-se em minhas mãos ainda no ventre de minha mãe, nem as cartas que o destino embaralhou para uma cartomante, nem o poder mágico de ambas, mas a ingenuidade de quem nelas acredita. Mas somos uma espécie que desde seus primeiros dias, sempre procurou xamãs, e sempre apresentou em cada um de seus momentos de angústia frente ao mundo os guias que nos levassem à carcaça de animal mais próxima, ou ao arbusto de amoras mais fáceis de serem colhidas. Exatamente por quererem colher estes frutos e banquetear-se com as menos trabalhosas carnes (ou seus similares civilizados), muitos de nós exploram esta nossa natural tendência para desejarmos ter superpoderes, até nos outros. Chegamos, nisto, a quase desenvolver uma arte.



Frente a estes simples e claros fatos, nossa mente é presa no agora, e apenas acumula resquícios de cada instante porque nossos sentidos passaram e do pouco que podemos de cada coisa captar. Não somos o acumulador de perfeitos e magníficos óleos, mas sim, de picotes de aquarelas simplificadas da imensa e complexa realidade.

Recomendo: Marcus Valerio; A Liberdade e Os Hemisférios



Uma errata: acima, coloco como uma velocidade simbolicamente limitante para os seres humanos 40 km/h. O número é redondo, o texto me parece ainda estiloso mas o valor é relativamente errôneo, e como digo, sendo chato, mas exato... Na verdade, os mais rápidos seres humanos de todos os tempos são os velocistas de 100 m rasos. Usain Bolt, correndo 100 m em 9,58 s , o fez a uma velocidade média de 37,578 km/h. A controversa Florence Griffith-Joyner o fez a 34,318 km/h. Só para ter ideia de nosso pobre desemprenho físico frente a outros animais, o mesmo Usain Bolt, nos 200 m, já tem sua velocidade caindo para 37,519 Km/h. A literatura aponta a máxima velocidade humana 43 km/h, que deve ser uma tomada de instantes de determinadas acelerações em provas de velocidade. Seria covardia nos compararmos com as desajeitadas girafas e seus longíssimos membros, que correm até a 50 km/h (e como não são muito aptas nisto, entre os animais, seguidamente enfartam). Comparando-nos com animais mais próximos de nosso tamanho, perdemos para nossos amigos cães, que correm na faixa de uns 40 km/h, atingindo até 70 km/h, ou os pequenos gatos, que atingem até 48 km/h.


A queda de dominós que é a memória (II)


Como já afirmamos, a operação da memória por “pilhas de neurônios”, em sua estrutura não monolinear, fractal, e um tanto caótica em funcionamento pode fazer-nos lembrar até de casos pessoais interessantes, que ilustram muito bem o imperfeito hardware que é o cérebro e os bugs que possui o software que é a mente humana. Nada melhor para ilustrar isso, que agora, tardiamente, citar alguns exemplos de meu próprio "mau funcionamento".

- Que edifício é aquele?

Lá pelos meados dos anos 90, ao caminhar pelo centro de São Paulo, deparei-me com certo edifício ao longe, de tal maneira que podia ver sua fachada inteira (detalhe: sou do tempo em que se estudava uma "formação profissional", e sou desenhista arquitetônico, e conhecido profissionalmente por desenhar bem e sempre tive bom raciocínio espacial). Sua imagem se tornou um tanto inconveniente, pois "lá no fundo", sabia que ali estava um prédio relacionado com alguma coisa importante, marcante, mas não conseguia me lembrar o que seria. Passados alguns dias, já em outro ponto da cidade, sem a menor associação com o edifício, vi passar na rua um caminhão dos bombeiros. Imediatamente, me veio qual edifício era. Hoje chamado Edifício Praça da Bandeira, foi chamado Joelma, e assisti, ainda criança, à transmissão ao vivo de seu terrível incêndio.


- Onde está meu diploma?

Durante determinado fase de negociação para determinado trabalho de consultoria, necessitei iniciar protocolos de inscrição no Conselho Regional de Química, que no final não se efetivou, pois também a consultoria não avançou além da fase de negociação. Após poucos meses, precisei de meu diploma de Eng. Químico para outra finalidade. Eis que o infeliz sumiu em meio aos meus organizados documentos. Passam-se dias de algumas procuras eventuais, à altas horas da noite, e nada do já desgraçado aparecer. Por sei lá que motivo, necessito ir ao cartório eleitoral, então, em detrminada rua central de Porto Alegre. Eis que ao cruzar por determinada praça, vejo um monumento relacionado à proclamação da república. Imediatamente, me lembro que o diploma estava dentro do envelope com os documentos necessários para aquele específico trabalho não "fechado", para o fim de registro em órgão "federal" (relacionado com república) e até exatamente em que pasta se encontrava.

- Certo prédio em Curitiba...

Recentemente, ao percorrer os arredores da região central de Curitiba, avistei determinado prédio que possui um desenho interessante, parecendo uma enorme arquibancada de uma meia dúzia de degraus (agradeço se me informarem do que raios tal prédio seja!).

Imediatamente, lembrei-me de o ter visto, da janela da casa de minha tia, no ano de 1981, quando nesta cidade ela morou, e em passagem rumo ao Rio, lá estive, e nunca mais estive nem próximo naquele bairro. Durante todos estes anos (quase 30) nunca mais tinha lembrado de tal coisa, nem mesmo, lembro de como era a casa desta tia, que poucos anos morou em Curitiba. Nossa memória não só é frágil como um tanto ineficiente, como, por este exemplo, podemos ver que guarda completas inutilidades, claramente, ocupando espaço precioso.

Vemos aqui, que em termos de memória, muitas vezes só necessitamos derrubar o dominó certo, e constatamos que existem dominós muito mais perenes que outros.




Conceitos, Termos, Memes e Núons


Tenho de deixar bem claro que pouquíssimo entendo de Memética. Só o necessário para não parecer um completo ignorante no tema.



Muito do que os memes representam e modelam [NOTA 1] já foi, "nas entrelinhas", tratado por mim neste conjunto de artigos.

Gostaria de citar o termo "carreata". Sua existência, lexicamente, é recente, mas seu uso se espalhou entre a população, na mídia - que troca informações entre  populações à distância e massivamente - tanto, que finalmente, "lexificou-se", vide: Wikcionário.

Todos nós tivemos nosso primeiro momento em que fomos apresentados ao termo "carreata", e se na leitura, o lemos com o "ca", o "rê", o "á" e o "ta", temos estes "submemes" que estão em nossa mente/memória, prontos a processar outros memes novos, pela leitura, e compô-los, e até identificar que possui associação com o que seja "carros" e seus componentes, talvez até associá-lo com o que seja uma campanha política ou conceitos relacionados. Memes não só contaminam como formam simbioses, são comensais e apresentam analogias com diversas questões do biológico.

[NOTA 1] Tem gente que acha e discute ferozmente, de maneira na verdade ridícula, achando que memes sejam algo como "blocos sólidos", ou "componentes mecânicos" que andam "pela mente" e pelo cérebro. Pior ainda se consideram que "nadam pela mente", que nem é propriamente algo que possa ser definido de uma maneira estrutural, espacial, e sim, deve ser tratado, ainda que por similaridade e limitadamente, como um software operando. Devemos salientar, também, que memes não são nem mesmo como os bits e bytes da informática, e suas composições, associações, adições não podem ser tratadas como entes lógicos tão formais e rígidos.

Nem só de palavras vivem os memes, ainda que a unidade mínima do pensamento e da linguagem é o significado da palavra, e este é expresso muitas vezes em nosso pensar por outras palavras. ''É no significado que o pensamento e a linguagem se unem, criando condições para o desenvolvimento do pensamento linguístico e da fala intelectual''[NOTA 2]. Claro que ao ver uma vaca pela primeira vez, os hebreus não tinham palavra para descrevê-la, nem por isso deixou-se de então desenvolver-se (surgir) um meme para "a grande cabra de lisos chifres" ou coisa parecida, nem o desenho que certamente fizeram em suas reuniões ao redor de fogueiras, com varetas e dedos na areia. Igualmente, indígenas norteamericanos cunharam termo para cavalo com um "grande cachorro".

Estes termos, como nosso "mãe", o inglês "mother" e o alemão "Mutter" evoluiram, evoluem permanentemente até mesmona composição de suas sonoridades, e evoluirão pela nossa história, mesmo neste mais básico dos termos humanos, a partir de memes, passando de pessoa para pessoa, de geração para geração, de população para população, até em sua mínima sonoridade, como percebemos nos diversos e filigranamente fragmentados sotaques, mesmo entre cidades próximas.



Quanto a sotaques, o próprio Noel Rosa, que aqui nesta série citei com diversas utilidades, escreveu um samba ironizando o nascimento do "chiado" típico dos cariocas ("shhhhharuto", é meme que até hoje mantenho, resquício da única vez que o ouvi). Recentemente, uma peça de teatro sobre a "era do rádio", teve de treinar seus atores para a pronúncia "estalada do T" e "rasgada do R" típicas da época. Logo, nem mesmo o que consideramos hoje como típico deixa de evoluiu e ser fruto de um processo evolutivo. O cultural é por excelência, memético.

[NOTA 2] Aqui, serei o mais honesto possível e colocarei a referência de parte disto:

Vygotsky E O Papel Das Interações Sociais Em Sala De Aula

Algo interessante para se ler:

Variantes lingüísticas (variação lingüística)

Leonardo Taveira; Intérpretes originais de canções de Noel Rosa: uma comparação de suas pronúncias com as sugestões de pronúncia neutra para o português brasileiro cantado; XVIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPPOM); Salvador - 2008

E para se entender o quanto mudaram até os simples e "Ts" os "Rs": Carmen Miranda e Aurora Miranda - 'Cantoras do Rádio' (1936)





Claro que nossos elementos de linguagem mais profundos são relacionados até com nossas etnias e seus grupos linguísticos (embora elementos basais, uma linguagem neural profunda já esteja lá disponível [NOTA 3]). Assim, um bosquímano, com seus "estalidos" e os chineses, com sua língua tonal, em que certos "cantares" na pronúncia ganham significados que para nós são num primeiro momento ininteligíveis para nós, pronuciadores de rígidos e padronizados fonemas - mas nem tanto.

[NOTA 3] Aqui, recomendo: PERUZZO, TREVISOL e SCHONS; LINGUAGEM E PENSAMENTO: DA ESTRUTURA AO FUNCIONAMENTO NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM


Acredito que o pensar de meus amigos falantes de mandarim e cantonês seja processado parcialmente com o "tempero" de sons, coisa que nós só temos exatamente quando pensamos musicalidades. Já bosquímanos devem acrescentar algo parecido com o código Morse, dado o grande peso de seus estalos na sua comunicação. Pensamos, na maior parte das vezes, em termos de palavras. Já quando pensamos espacialmente, como fazem os artistas plásticos, especialmente os escultores, os arquitetos e nós, os rígidos nas medidas engenheiros e nossa típica falta de plástica, pensamos por formas. Mas pela própria descrição de Temple Grandin, a grande veterinária autista, ela própria, em sua moléstia, pensa por formas (aqui, seu problema mostra-se exatamente por predominantemente pensar por formas). Já o colosso da Física Stephen Hawking passou, pelas suas limitações físicas, a pensar Física não pela álgebra, mas por gráficos e formas.


Já as fatias da realidade que processamos mentalmente, até os fragmentos da memória em tratamento pela, mente, destacados como mostrei do "continuum da realidade percebida"[NOTA 4] pela imagem de picotes de aquarelas simplificadas da imensa e complexa realidade [NOTA 5], são mentalmente analisados e decompostos em “partículas elementares” da significação, dos elementos mais profundos de linguagem, e do pensamento, que por uma analogia com os elétrons dos circuitos e outras partículas do subatômico que constituem a matéria, são chamados no jargão do meio de núons (do grego noûs, “mente, pensamento”), algo como as "qualidades fundamentais de Locke", mas definidas com um mais atual rigor matemático.


[NOTA 4] Novamente, crédito a quem merece: BIZZOCCHI, Aldo.; COMO PENSAMOS A REALIDADE; Publicado em Scientific American Brasil, ano 7, n.º 82, março de 2009

[NOTA 5] Já lhe infectei com este meme, caro leitor? Seguidamente, é um truque de grandes autores, e Christopher Nolan o fez com muitos, se assistiu (espero) o filme.



Estes são os mínimos impulsos de neurotransmissores e eletrólitos, que tratei ao longo deste conjunto de textos. Tem-se de entender que não são quantizáveis, como cargas pontuais como o fez Robert Andrews Millikan com o elétron em sua carga em 1909. Como repetimos quase ao ad nauseam, o funcionamento do cérebro e sua mente são muito mais caóticos e por quantidades variadas em cada mecanicismo. Se aproximariam, desculpe a até grosseria, do encanamento de um edifício de apartamentos. Pela luz no banheiro do apartamento 701 e pela medição da água do condomínio você pode estimar que a belíssima vizinha que lá mora está tomando banho, mas garanto que você não tem como afirmar que não seja seu namorado enorme lutador de MMA, seu pai delegado de polícia do interior de visita ou mesmo quanta água, lá, naquela específica e exata unidade, naquela saída especificamente, se esteja gastando, a cada segundo, nem mesmo durante um tanto de tempo.

Atenção: esta passagem é apenas uma exemplificação, ficcional...

Por esta associação que confesso "tosca", se entende porque do muito da série de motivos que fazem a mente humana e o próprio cérebro serem objetos científicos de difícil estudo, e de porque a analogia com um computador ser bastante limitada, pois não existem as definidas e visíveis conexões onde se toque com precisíssimas agulhas de um amperímetro, e mesmo se existissem, ainda sim, um microampere alí não corresponde a exatamente tal conjunto de núons, nem mesmo, a determinado inexistente bit de um meme (aliás, as vezes o que faz o impulso numa determinada fase do processo não é uma corrente elétrica, e sim, um punhado de moléculas de neurotransmissores, até os modos de operação se alternam, intrincadamente).




Esta caracterização difusa de seu funcionamento que leva o cérebro a só poder ser estudado pela ciência pela observação indireta de sua operação, como quando desde Freud e outros observou-se as paralisias causadas pela em voga histeria, ou pelos diversos testes hoje apresentados pela neurociência, ou ainda, num nível mais físico, pela observação indireta de seus fenômenos eletromagnéticos, como fazemos com a tomografia de emissão de pósitrons, (Positron Emission Tomography, PET).

Uma tomografia de emissão de pósitrons mostrando a atividade cerebral em repouso, operando linguagem e música conjuntamente, e operando linguagem e música isoladas (The Brain an Nervous System - Human Diseases and Conditions).



Favor não confundir, embora até eu poderia dizer que é tentador, os nobres mas difusos núons com os psions, dos místicos, um pouco de humor, que caem no caso que tratei da angústia que a muitos de nós aflige e as oportunidade de vida fácil que sobre isso alguns de nós aproveitam.


Pausinha para se recuperar o ar: quando gênios da literatura permeiam suas enomes fábulas morais, honestas até mesmo quando orientadas por forte fé, como as obras de C.S.Lewis, Tolkien e tantos outros, é arte, com um nobre propósito. Quando trata-se destes conhecedores profundos das soluções fáceis pelos "infinitos poderes das remotas civilizações superiores que ninguém conhece" - a não ser eles mesmos -, o resultado (lixo) e os objetivos (o engano do otário que a cada minuto nasce, como bem disse Crowley, ver anexos abaixo) são outros.

Temos de nos perguntar, agora, se alterações no encanamento dos núons, no edifício dos memes, na arquitetura deste prédio onde opera a mente, alteram a mente que lá funciona, além dos casos mais graves que já mostramos e mais alguns que mostraremos, o quanto e o como.




Inspiradores e temerários anexos




Teach us Your secret, Master! yap my Yahoos.
Then for the hardness of their hearts, and for the
softness of their heads, I taught them Magick.


But...alas!

Teach us Your real secret, Master! how to become
invisible, how to acquire love, and oh! beyond all,
how to make gold.

But how much gold will you give me for the Secret
of Infinite Riches?

Then said the foremost and most foolish; Master, it
is nothing; but here is an hundred thousand
pounds.

This did I deign to accept, and whispered in his ear
this secret:

A SUCKER IS BORN EVERY MINUTE


Aleister Crowley - THE BOOK OF LIES - [185] 88

Numa humilde tradução deste:

Ensina-nos o Seu segredo, Mestre! berre os meus "IARÚ".
Então, para a dureza de seus corações, e para a suavidade
de suas mentes, eu os ensino a Mágica.

Mas ... infelizmente!

Ensina-nos o Seu verdadeiro segredo, Mestre!
como se tornar invisível, como adquirir o amor, e oh!
além de tudo, como fazer ouro.

Mas quanto ouro vocês me darão pelo Segredo
das Riquezas Infinitas?

Então disse o primeiro e mais estúpido: Mestre,
não é nada, mas aqui estão cem mil libras.

Isto eu aceitei condescendente, e sussurrei em seu ouvido
este segredo:

UM OTÁRIO NASCE A CADA MINUTO





Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, onde animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da “história universal”: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer. — Assim poderia alguém inventar uma fábula e nem por isso teria ilustrado suficientemente quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza. Houve eternidades em que ele não estava; quando de novo ele tiver passado, nada terá acontecido. Pois não há para aquele intelecto nenhuma missão mais vasta que conduzisse além da vida humana. Ao contrário, ele é humano, e somente seu possuidor e genitor o toma tão pateticamente, como se os gonzos do mundo girassem nele. Mas se pudéssemos entender-nos com a mosca, perceberíamos então que também ela boia no ar com esse páthos e sente em si o centro voante deste mundo. Não há nada tão desprezível e mesquinho na natureza que, com um pequeno sopro daquela força do conhecimento, não transbordasse logo um odre; e como todo transportador de carga quer ter seu admirador, mesmo o mais orgulhoso dos homens, o filósofo, pensa ver por todos os lados os olhos do universo telescopicamente em mira sobre seu agir e pensar. — Friedrich Wilhelm Nietzsche



Má compreensão do sonho. — Nas épocas de cultura tosca e primordial o homem acreditava no sonho conhecer um segundo mundo real; eis a origem de toda metafísica. Sem o sonho, não teríamos achado motivo para uma divisão do mundo. Também a decomposição em corpo e alma se relaciona à antiquíssima concepção do sonho, e igualmente a suposição de um simulacro corporal da alma, portanto a origem de toda crença nos espírito e também, provavelmente, da crença nos deuses: “Os mortos continuam vivendo, porque aparecem em sonho aos vivos”: assim se raciocinava outrora, durante muitos milênios. — Friedrich Wilhelm Nietzsche


O “puro espírito” é uma pura estupidez: retire o sistema nervoso e os sentidos, o chamado “envoltório mortal”, e o resto é um erro de cálculo — isso é tudo!… — Friedrich Wilhelm Nietzsche