quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A Origem (IX)

...de muitos erros



O fio de Ariadne - O índice deste conjunto de postagens



Minha memória e alguns fermentados

Todo aquele que me conhece, normalmente, vai comentar que possuo uma memória muito boa. A de minha irmã, é ainda melhor, e acredito que tal se deve a uma conformação cerebral herdada de nossa mãe, que por sinal, possui muito boa memória também.

Sou capaz (e minha irmã mais ainda) de citar num "papo de bar" nomes de filmes, quem os dirigiu, o nome dos atores, algum detalhe e até falas inteiras, mas...

Exatamente por ser um "papo de bar", lá pela metade da segunda cerveja, quando as últimas moléculas de álcool da primeira estiverem talvez chegando ao meu cérebro, como sempre digo, "minha memória vira patê", e já tenho dificuldade de associar qualquer dado, até dos anteriormente citados, ou mesmo lembrar o nome de uma linda atriz de quem gosto mundo, e só o farei, após algum esforço (e tal se dá, nitidamente, pelo recurso à outra "pilha de neurônios", conceito que tratarei adiante).

O que quero mostrar com este simples comportamento pessoal é que o funcionamento de atividades características de nossos cérebros é afetado pela sua química (ou pela química que acrescentamos a ele). A adição de drogas (e álcool, o etanol, é uma delas) ao funcionamento bioquímico cerebral altera a operação do cérebro.

Lembrando a clássica piada, por exemplo, maconha, causa três problemas ao funcionamento do cérebro: dificuldade de raciocínio, perda de memória e uma terceira coisa que não lembro.

Os alucinógenos produzem a transmissão, dentro do cérebro, de áreas que eram restritas ao sonho, com imagens que seriam libertadas para o onírico, durante o período de vigília, assim como sons também, diretamente às regiões que operam estes sentidos, e também em mistura, onde sons produzem imagens e imagens produzem sons, e daí, como digo, verem quem consome tais drogas elefantes rosas voadores, ou até, deformações, ainda que bem estruturadas, de captação da realidade. Conheço relatos de "ondas" vindo pelo calçamento da rua por parte de consumidores de "chá de cogumelo".

As drogas euforizantes, como a cocaína e nossa maravilhosa cafeína, produzem a aceleração dos funcionamentos cerebrais, e exatamente por isso, aumentam a capacidade de raciocínio, a apreensão pela memória de dados, porém, infelizmente, até a queda que produzirão adiante; ainda, que neste campo, a cafeína seja muito mais harmônica e equilibrada que sua molécula parente dos Andes.

Na opinião do leigo em farmacologia aqui, a droga perfeita, a SOMA de Huxley, no balcão mais próximo de sua casa.


Mas focando no que tratamos nesta série de blogagens, lembremos de que se a mente fosse algo "desplugado" do cérebro, a adição de qualquer coisa não afetaria a mente (o que já nos parece, a mínima análise, um absurdo). Os dualistas ainda poderia afirmar que a mente opera "ligada" ao cérebro, e quando este é adicionado de químicas exóticas, tal ligação é perturbada. Mas observemos que não seria aí a mente em si que seria alterada, pois apenas a operação do "órgão cérebro" seria afetada, e não teríamos problemas como mudanças de comportamento. Noutro ângulo, ficaria apenas a memória, como no meu caso com algumas cervejas, perturbada, mas não se tenderia a casos de esquizofrenia, como percebidos com o uso da maconha, ou "tetos pretos irreversíveis" como o caso do LSD, em que comportamentos apáticos ou depressivos surgem, e não mais retornam a seu estado anterior. Sem falar do comportamento irresponsável e até criminoso, numa variedade de drogas, incluindo, para alguns, apenas mais algumas cervejas.

Assim, a mente, altera-se quando o cérebro altera-se, exatamente como altera-se quando o cérebro é lesado ou tem sua conformação gravemente modificada. Analisando bem, não percebo diferença alguma entre uma estaca de ferro e uma dose de cerveja, tirando coisas secundárias, como o tamanho da lesão e a composição química.

Além de uma composição química "externa", e talvez, até uma barra de ferro, a mente se altera pela própria hormonação porque passa, por exemplo, nas proximidades do horário de sono. Eu, notoriamente, sou daqueles indivíduos que após acordar, e acordo relativamente cedo, e até lá pelas 11 da manhã, apresento o que descrevo como um "QI de couve-flor", sendo assumidamente incapaz de realizar tarefas de maior necessidade intelectual, como cálculos e escrever. Melhor, nestes casos, me dedicar a atividades rotineiras, braçais e de mínima necessidade de raciocínio.

Mas uma vez, vemos uma relação íntima da mente com o substrato onde ela opera. Se o cérebro fosse um receptor (que meu amigo Deneau descreve, ironizando certos dualistas, como "cérebro radinho") de uma realidade transcendente, sobrenatural, onde situa-se a mente, bastaria meu corpo colocar-se em movimento, e bastando uma água no rosto, para minhas capacidades em álgebra, cálculo e geometria se estabelecerem.

Claro, que aqui, como sempre, os dualistas colocarão que a "sintonia" do "radinho" ainda não estaria perfeita, pois a maneira do "paradoxo sorites", eles sempre colocam em mais um intervalo um argumento para que a mente seja a, por fim, alma imortal pela qual eternamente e em desespero anseiam seja comprovada. Eu, por outro lado, já me contento com meu substrato primata com seu software em operação, finito, limitado, de mau comportamento pela manhã e falho sob cervejas.

Igualmente, se nosso radinho comunica-se num sentido de ida-e-volta com seu mundinho transcendente, claro que dualistas colocarão que coisas como por exemplo, quando eu escuto números, não consigo fazer cálculos aritméticos de cabeça a não ser lenta e esforçosamente, são fruto da saturação da operação deste agora "celular" que comunica o órgão cérebro com esta mente que sabe-se lá onde habita. Eu, já mais simplista, e aqui abraço-me amigavelmente com o grande Ockham, munido de sua navalha, e prefiro dizer que o software, saturado pelas exigências de operar duas regiões distintas simultaneamente, e com a limitação de "clock" do hardware, perturba-se e não opera na perfeição tomista-aristotélica-platônica que consideram aqueles que afirmam o indetectável e transcendente, ainda que ligado à este amontoado de matéria destinada, naturalmente, à decomposição, e permeada por todos os seus defeitos de humano.


Um perigo permanente do mal funcionamento do cérebro sob efeito do etanol.


A queda de dominós que é a memória

Sobre "pilhas de neurônios" o cérebro não memoriza por dados num HD, como os meios digitais, e sim, por fragmentos da apreensão da realidade dispostos em impulsos por neurônios que se relacionam, e se modificam no tempo, numa arquitetura que diria, como sempre, fractal. Estes neurônios formam uma "pilha", que se redisposta no espaço, poderia formar uma cadeia relativamente linear, numa geometria mais euclidiana, como aquelas quedas de dominós, de intrincada distribuição, mas que possuem uma certa linearidade, já que possuem sentido bem definido de avanço, e quando perfeitamente construídas, caem numa sequência harmoniosa e bem definida. (Espero não estar sendo incompreensível?.)



Por um caminho mais de como memorizamos, ao ver um filme, e ver uma determinada atriz, memorizo certos detalhes de sua imagem, não como uma foto, mas elementos que permitem um esboço, e se quero guardar seu nome, o faço por associação (relacionando com outra "pilha") e mais a imagem de algum objeto, ou fruta. Um exemplo: a lindíssima atriz Rena Sofer, sempre me vem a memória quando penso em pinturas a base de henna (basta a pronúncia) e a mantenedora de sobrenome Sopher de um teatro em Porto Alegre. Por técnicas natas similares, típicas de nossa mente/cérebro guardamos, uma infinidade de nomes e dados, incluindo, por exemplo, o amigo que encontramos ao sair de um cinema, ou a notícia que assistimos quando chegamos em casa, que associa-se aos eventos e dados, de todos os tipos, anteriores.

As técnicas mnemônicas, curiosamente já desenvolvidas por alguns dos filósofos gregos e por Copérnico são o uso basicamente destes princípios, e levadas ao nível de arte.

Obs.: Há pensadores, até sérios, que fazem afirmações absurdas de que a memória se situaria fora do cérebro, em uma "estrutura holográfia". Isto é refutado pelo simples fato que um acidente, sem nem mesmo causar danos físicos ao cérebro, em seus tecidos, danificar a memória. Não poderia se afirmar que o "sistema de comunicação com o bnco de dados está avariado", pois parece óbvio que quando não se danific a formação da memória, formam-se novas memórias, e se formam-se novas, e o "banco de dados" está fora do cérebro, por qual causa haveria então de não se ter mais acesso às memórias anteriores?

Uma amostra deste tipo de pensamento:




O Cérebro - Funções, Fala e Gramática Universal II.1 - O CÉREBRO HUMANO – Funções, Fala e Gramática Universal


Por que cometer erros antigos se há tantos erros novos a escolher? - Bertrand Russel



Os atos falhos

(Ou, como ironiza um amigo, mais freudiano ainda que eu: os atos fálicos)

Seguidamente gaguejamos, perdemos a correta pronúncia de palavras, quando moramos no exterior muito tempo, isolados de nossa língua natal, trocamos palavras (sempre lembro o caso de uma moça que voltando de longo período na Escócia, contou que "apolojou-se" com senhor no qual derubou bebida no voo), e todo tipo de erro linguístico. Sob stress, certa vez, numa mesma comunicação, na época por carta (estou ficando velho...) escrevi professor com Ç, segundos após datilografar (sim, estou ficando realmente velho) professor corretamente.

Interessante como gagueira, que pode até ser uma séria complicação do setor linguístico do cérebro, não implica em danos noutras partes ligadas á capacidade linguística, como o caso do grande orador grego Demóstenes. Recomendo aqui, a leitura de Gagueira.

Na verdade, nem mesmo a dislexia, ou qualquer outra disfunção mental/cerebral menor, ou mesmo o poderoso e até devastador autismo, leva a incapacitar outras funções da mente, ou não produzir indivíduos capazes em diversos campos, mesmo ligados aqueles que a própria disfunção em questão atinge. Um exemplo, em filme que espero em breve ver, é o de Temple Grandin, com curiosamente, atriz que seguido esqueço o nome, mas que muito aprecio.

Lembrando mais uma vez Noel Rosa, e parafraseando Jay Gould*, não será pela medida linguística ou comportamental estrita do homem que se poderá ter sua medida, nem mesmo, julgá-lo capaz de amar, por exemplo:

Gago Apaixonado

* Uma leitura que recomendo:  A Falsa Medida do Homem

Certo período, acredito que lá por 1990, passei alguns meses, sem conseguir me lembrar da palavra "bochecho". Temos sempre nossas "palavras perdidas", muitas vezes, por um bom tempo, como no meu curioso caso. Tenho de me lembrar por técnicas de minemônica que aplico desde o primeiro segundo do nome de pessoas que recém me foram apresentadas - o que considero uma falha quase de caráter. Somos um animal com cérebro mais que falho, ainda que em determinados campos, poderoso entre os diversos da natureza.

Quanto a memória de curto prazo, por algum motivo, ainda para mim em aberto, perdemos algumas coisas desde nossa separação de nossos primos, talvez até para ganharmos outras:

Chimpanzé jovem supera humano adulto em memória
Chimpanzés derrotam humanos em teste da memória no Japão




Quando a ilusão domina o julgado real

Determinadas anomalias cerebrais levam a aquilo que existe apenas no imaginário, até no subconsciente, tal como no citado pela perturbação química pelas drogas alucinógenas, a passar a ser o apreendido pelo cérebro como sendo o real, e gerando todo o tipo de comunicações, contrução de relações com alguns fictícios personagens e até a confecção de dramas e tragédias, muito mais perturbadores que oníricas fantasias felizes, por parte de suas vítimas.

Aqui, não mais é Cobb que não sabe mais se habita o real ou o onírico, mas Mal, que a cada segundo, adentra pela porta, perturbando sua vida, e assistimos, infelizmente, sabendo que o pobre coitado está no mundo que em conjunto, sabemos que é o único real.

Como meu objetivo aqui não é o repetir o que outros falam com imensa maior capacidade, boa leitura:

Esquizofrenia - psicosite

Esquizofrenia - Wiki PT

Deixo bem claro que o comportamento esquizofrênico pode até ser relacionado com o hoje dito transtorno bipolar e seus "aparentados", mas não deve ser com eles jamais confundido. Como destaquei até numa saudável discussão com um parente (discussões com parentes - há mais de 200 mil anos fazendo a humanidade avançar!), o chamado "furor" dos maníacos, por alguns autores, em que começam a nem mesmo controlar seus impulsos, como por exemplo, que inclusive citei, entrarem empresa a dentro gritando que farão negócios bilionários com japonenes a partir do próximo telefonema (pois maníacos tem uma extrema segurança, passando até para a insanidade em suas ações), não implica em de forma alguma, verem sobre a mesa em frente a qual sentarão, suando e animadíssimos com seus trabalho e ideias sempre geniais, secretárias que não existem, ou mesmo, borboletas coloridas nas bordas de suas visões.

A forma como a química cerebral perturba-se, nos dois casos, e em diversos outros, pode ser agrupada em classificações clássicas e sempre mais e mais subdivididas, mas jamais são, estritamente, as mesmas, nem operam, na maneira de fazerem a mente operar, da mesma forma.

Como descobri, intelectualmente de maneira desonesta até, de que cinema atrai pessoas para a leitura e o conhecimento muito mais que meus medíocres escritos, recomendo os seguintes filmes, tratando sobre o tema, de onde, mesmo com o acréscimo da ficção, pode-se perceber o quão perturbador ao humano é a perda de seu dicernimento do que seja real ou não.

Primeiro, o óbvio: Uma Mente Brilhante (2001) - que mostra que mesmo um gênio em determinados campos pode perder, pelo próprio funcionamente do seu cérebro, a noção do que seja real. Um detalhe: neste filme, não é mostrado metade das bobagens perigosas que Nash fez, até por motivos de simples dramaticidade e tornar o roteiro mais tragável.Para ver mais, Wiki EN.



Na mente de um esquizofrênico, um personagem como o de Ed Harris não só "existe" momentaneamente na mente do esquizofrênico, como pode ter personalidade muito bem definida, e uma história (ou seria estória) muito bem estruturada.

Embora no campo da ficção, e de uma "perfeição no mal" um tanto forçada, vale ver algo que de absurdo não possui nada, e ainda, desculpe pelo spoiler, com observações sobre a genética ligada a coisa: O Amigo Oculto (2005), com Robert De Niro, para variar, provando que mesmo sendo sempre igual, é bom para danar.

*Pois esquizofrênicos, embora seguidamente não lembrem-se, numa "existência", da "outra", não necessariamente tendem à psicopatia, ao crime, ou mesmo, a qualquer ato maldoso. Um filme que aborda ficcionalmente um psicopata com nuances de esquizofrenia é Instinto Secreto (Mr. Brooks, 2007), onde o personagem de Kevin Costner possui um "mentor" apenas existente em sua mente. Os esquizofrênicos são, normalmente, os oradores delirantes de nossas praças, ou os caminhantes com o olhar perdido no horizonte, mais que inofensivos.

Na mesma linha: O Mistério das Duas Irmãs (2009) - e como dizemos nesta série de blogagens, criatividade pura é coisa que não existe.

Nestes diversos filmes mostra-se também que as ilusões sempre apresentam lacunas frente à complexa e coerente realidade, e pode ser percebida como irreal por um detalhe, como a menininha que não cresce com o passar dos anos, em Mente Brilhante.

No campo do comportamento bipolar, Mr. Jones (1993), inclusive com as típicas "certezas de invulnerabilidade" do personagem, e seu comportamento impulsivo, que pode chegar a ser, como você verá, mais que inconveniente.

Nota: vale a pena levantar a fala de George Clooney, em E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000), sobre o bipolar assaltante de bancos que encontram, para ser emoldurada sobre o transtorno bipolar, pois ao que me parece, não encontra-se no Quotes do IMDB.

No campo das drogas, mas mantendo o tema básico desta listagem, com um pé sempre presente no humor típico de Terry Gilliam, vale a pena assistir o delírio alucinógeno de Medo e Delírio, (o título em Portugal julgo melhor: Delírio em Las Vegas).

Por fim, um filme que considero difícil: Alucinações do Passado (1990), com Tim Robbins vivendo um soldado veterano que crescentemente perde a noção do que seja real, e como vocês poderão ver, não vivenciando jardins floridos. O nome em inglês é uma clara alusão à Escada de Jacó, citada na Bíblia.

Aqui, certos antecedentes levarão o meu leitor a descobrir que o tema remete a Jorge Luis Borges, e neste, chega-se também a Inception, retornando a origem desta blogagem - perdão, não resisti ao trocadilho, pois sabemos, sou um primata típico, que molda suas relações inclusive usando do chiste freudiano.

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