sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Diálogos sobre energia em transportes

 com Marinno Martins

Pontos sobre veículos elétricos, baterias, aplicações de motores, fontes de energia, problemas do uso do hidrogênio, biomassa e o biocarvão com suas diversas implicações ambientais.



Tenho já há anos mantido diálogos diversos, especialmente sobre biopoese (origem da vida) e evolução dos seres vivos, com o conhecido de longa data nas redes sociais, bioquímico, Marinno Martins.


Desta vez, um desses diálogos surgiu, mais longo que de costume, de uma mensagem sobre uma notícia na internet de investimento em propulsão de veículos por hidrogênio da parte da China.


Entendamos que quando se trata de fontes de energia para transportes, estamos tratando desde pequenas motocicletas e veículos de transporte individual, passando pelos dominantes no cenário automóveis e chegando aos caminhões e trens, considerando os meios de transporte sobre terra, assim como também os meios por massas de água e o transporte aéreo. Em suma, estamos tratando de motores e sua fonte de energia, que observe-se, mesmo para o quadro atual, mesmo em se tratando de petróleo, não são da mesma natureza de combustível empregado, como claramente entre gasolina, querosene de aviação, óleo diesel e óleo pesado, sem falar de emprego de gás natural e biomassa, seja na forma de álcool etílico, seja na forma do biodiesel com todas suas fontes de matérias-primas entre fontes vegetais e de resíduos animais.


Apenas como histórico, já tivemos o momento de disputa entre carros a vapor, movidos à lenha, com riscos característicos pela pressão de operação em sua caldeira, e por pouco tempo, os primeiros e caríssimos carros elétricos, ainda com baterias de chumbo e suas limitações de carga por peso. Com o surgimento dos veículos de motor de combustão interna, ambas as tecnologias foram abandonadas.


Veremos aqui que estas duas tecnologias, no seu básico, podem vir a se fundir e retornar numa revolução de paradigmas da produção, distribuição e consumo de energia em transportes.



O artigo cujo link me foi enviado:


China quer avançar em ideia menosprezada durante anos por Elon Musk


Governo chinês informou que o país se concentrará no uso de veículos movidos a hidrogênio, em vez das baterias elétricas como as usadas nos carros da Tesla


https://www.seudinheiro.com/2020/empresas/china-quer-avancar-em-ideia-menosprezada-durante-anos-por-elon-musk/  


Alguns problemas do hidrogênio


Uma das vantagens da combustão do hidrogênio é correlata com um dos seus problemas: a energia de sua reação com o oxigênio.


Exatamente pelo grande poder calorífico como combustível, mais seu estado gasoso, existem seu risco de provocar explosões,


Devido a fatores relacionados com esta energia, seu produto de combustão final com o oxigênio, a água, sendo abundante e barata, é sua fonte ideal em custos como material, mas exige grande quantidade de energia para ser decomposta, o que torna um balanço energético geral não muito atrativo.


Claro que há hidrogênio de fontes de diversas naturezas, como gás de síntese, que trataremos adiante, e hidrogênio oriundo de microorganismos, que a nosso ver, pode ser abandonado por um raciocínio rápido quando se pensa em fontes de biomassa chegando-se noutros combustíveis.


O hidrogênio ainda apresenta o problema da corrosão por "empolamento", pois quando o átomo de hidrogênio perde um elétron, passa a ser um pequeno núcleo atômico ou mesmo, na imensa maior parte dos casos, um próton isolado, e esse penetra facilmente em espaços do metal, que ao capturar algum elétron livre, volta a ocupar o espaço de um átomo, da ordem de dez mil vezes maior, e forma também rapidamente moléculas, causando enorme pressão, levando à deformações e rompimento do metal. Isso não é um grande problema em cilindros de uso industrial e laboratorial, nas seria um grande problema na produção, transporte e estocagem intermediárias de grande escala.


Apenas como curiosidade, a amônia, que permite uma combustão limpa e com resíduos apenas a água e o nitrogênio, também já foi testada como combustível, mas guarda problemas com sua toxicidade, e assim como o hidrogênio, uma necessidade de estocagem sob pressão.


As células de combustível, que são geradores de eletricidade, podem ser uma solução parcial, em uso cruzado com a estocagem de hidrogênio em esponjas metálicas nos veículos, mas não elimina a estocagem noutros meios e na logística, o que retorna a problemas já apresentados, gerando o que denominamos uma "cascata de inviabilidades".


Porém as células de combustível podem usar biocombustíveis diversos, especialmente com vantagens para moléculas pequenas, como o etanol, e cairemos nas soluções de biomassa que pretendemos apresentar.



As fontes centralizadas de grande escala


A produção de energia elétrica em grandes centrais apresenta diversas vantagens, das quais destacamos: a economia de escala, a capacidade de usar diversos materiais como combustíveis, e o aproveitamento direto e na mesma escala das emissões e subprodutos - e tal se dá conjuntamente com o controle das emissões poluidoras - a possibilidade da cogeração (aproveitamento de calor gerado em processos) assim como o coprocessamento (a combustão de materiais diversos conjuntamente com a produção de outro produto extensivo, como destacadamente o cimento).


Em contrapartida, quando a geração de energia é distribuída nos veículos, todos esses ganhos e sistemas pretendidos como fechados e com ecologia industrial possível são perdidos, e os riscos distribuídos.



Ganhos de eficiência


A eletricidade e os motores elétricos possuem vantagens claras frente aos combustíveis, tanto em comportamento quanto ao torque como eficiência energética, e tal já se expressa nas locomotivas diesel-elétricas, nos caminhões de grande porte para mineração e nos sistemas de propulsão navais, tanto de navios como os de cruzeiro quanto nas plataformas de exploração de petróleo.


Uma extensão entre fonte por combustão e veículo seria apenas um distanciamento da distribuição dessa energia, e com ganhos pela centralização e maior escala.


Vantagens na distribuição


Da mesma maneira que a eletricidade não veicular é já há mais de século distribuída para usos finais fixos, uma estrutura de distribuição de energia elétrica veicular análoga à estrutura de refinarias e posteriores postos de combustíveis é apenas uma expansão de tal infraestrutura. A diferença que deve ser lembrada é que o reabastecimento doméstico e em garagens em espaços comerciais e empresariais os mais diversos se soma, e permite a integração com retorno de energia excedente à rede, coisa impensável no segmento de combustíveis.


Não se pode tratar jamais a logística de combustíveis como algo que se aproxime da facilidade de distribuição da energia elétrica. Vazamentos, perdas de pressão, necessidade de estocagem em pontos específicos, a brutal diferença entre cabeamento e dutos, as possibilidades da transformação e as características da carga elétrica e propriedades decorrentes do que seja diferença de potencial são todos fatores que entram no equacionamento.


Essa produção de energia centralizada é intrinsecamente segura quando comparada à uma geração distribuída nos veículos e intrinsecamente limpa em se tratando de áreas urbanas. 


Biomassa e biocarvão 


A quantidade de biomassa disponível no mundo é de escala bem maior do que os combustíveis fósseis, e tal é facilmente entendido pela constatação que o carvão mineral e o petróleo, esse mais raramente, são subprodutos da biomassa.


Os balanço de emissão de gases de efeito estufa da biomassa e sua utilização são discutíveis, mas a condução para um balanço negativo, com absorção de dióxido de carbono atmosférico é possível, tarefa que para ser realizada pelo uso de combustíveis fósseis necessita da produção de biomassa, o que conduz a um dilema que nos leva a um quadro geral de que o não direcionamento da indústria de energia baseada em combustão à biomassa trata-se de ampla e profunda Miopia em Marketing Ambiental, definição de fenômeno nossa, uma Miopia de Marketing de Sustentabilidade, conforme diversos autores, e Miopia Tecnológica, a miopia para um aspecto específico do que não está sendo percebido num cenário / ambiente do negócio em evolução.


Além dos produtos de biomassa que podemos definir como 'quimúrgicos' (de Quimurgia, a produção de substâncias químicas a partir da agricultura), relativamente diretos, como o etanol, os óleos vegetais e os derivados biodiesel e diversos biocombustíveis de diversas gerações, alguns de aplicações específicas, como o bioquerosene (ver Apêndice), temos a combustão direta total, como dos resíduos da produção agrícola a mais diversa, e a combustão parcial, pirólise, a qual analisaremos mais detalhadamente.


A combustão parcial, incompleta de madeira trata-se no conceito de biocarvão. Trata-se simplesmente da expansão em escala e patamar técnico (o artesanal substituído pela engenharia) e tecnológico da carvoaria, normalmente associada a um extrativismo predatório, para unidades totalmente viáveis economicamente, com aproveitamento de calor, aproveitamento de efluentes e resíduos em processamentos químicos, redução de efeitos ambientais os mais diversos e integração com sistemas de reflorestamento, incluindo respectivamente a absorção de dióxido de carbono atmosférico e a manutenção de biomas completos.


A viabilidade econômica se dá pela simples escala e balanço de energia produzida e sua receita direta somada a outras receitas advindas de subprodutos. 


A geração de energia pelo aproveitamento de calor produzido na combustão parcial é apenas uma modificação óbvia dos processos de produção de energia nas usinas termoelétricas a carvão mineral.


Entre os subprodutos / efluentes da combustão incompleta, temos o gás de síntese, rico em monóxido de carbono e com determinado teor de hidrogênio, que possibilita diversos caminhos de síntese de hidrocarbonetos de cadeias de carbono até certo comprimento viável principalmente pelo processo Fischer-Tropsch, e pelo alcatrão vegetal, conjunto de substâncias voláteis que destila da massa vegetal em processamento, com moléculas mais complexas, com analogias com o alcatrão da hulha, berço de toda a química predominantemente europeia a partir da segunda metade do século XIX.


Assim, plantas químicas diversas podem ser acopladas à unidade de produção de biocarvão e sua unidade de geração de energia elétrica, e tal como uma refinaria de petróleo e pólos petroquímicos próximos, se teria a termoelétrica de biocarvão, uma refinaria de alcatrão vegetal e um pólo 'biocarboquímico', em uma ecologia industrial adequada.


A integração com sistemas e parques periféricos de reflorestamento, pela escala e perenidade do empreendimento, necessariamente de décadas, permite o reflorestamento de biomas completos, como por exemplo, florestas de coníferas com produção de madeira (o que é para todos os casos uma produção em paralelo), florestas úmidas com suas diversas produções extrativistas e a adaptação em escala da já existente produção de carvão em biomas caracterizados por árvores de menor porte, como observamos na caatinga e no cerrado brasileiro.


A absorção do dióxido de carbono se processa pela formação de biomassa e na produção do biocarvão, que pode ser enterrado, fazendo o caminho inverso da liberação do carbono dos "esconderijos" que são os combustíveis fósseis.


As baterias e suas características


Independente do crescente ganho em eficiência e capacidade de armazenamento das baterias ao longo dos últimos anos, mesmo com limites eletroquímicos que são intransponíveis, as baterias apresentam as vantagens de modularidade, que distribui os efeitos de falhas, e permite com incrementos apenas de quantidade os ganhos de potência.


Para explicarmos esse ponto, por exemplo, um cilindro de motor diesel falhando é carga a ser carregada pelos demais cilindros, e um motor diesel de um automóvel tem a sua escala específica, e não tem qualquer utilidade para um caminhão, tendo cada um seu nicho específico e processos e linhas de produção exclusivos. Claro que os motores elétricos também tem sua escala, mas desdobram o problema em duas partes distintas, a unidade de produção de potência e a unidade de geração de torque.


Um motor elétrico adequado a um avião, com exigências de velocidade de rotação e estabilidade de operação, assim, pode ser abastecido pelo mesmo produto modular da indústria que fornece as unidades de potência de uma moto esportiva ou de um veículo de carga, que necessitam de motores com características específicas.


O consumo consciente e os custos absorvíveis


Concordamos que os custos durante um bom tempo se manterão globalmente, em todo o quadro de exigência, mais altos, e tal será primeiramente suportado por sociedades mais ricas e mais direcionadas por um consumo ambientalmente consciente. Tal se evidenciou similarmente com o consumo de combustíveis de menor teor de enxofre, e foi problema ultrapassado por determinação das sociedades e seus estados. 


Mas da mesma maneira que a produção de energia termoelétrica por carvão mineral tem sido crescentemente abandonada nas últimas décadas pela produção de energia eólica dado quando somados os custos ambientais, a adoção de veículos elétricos suplantará os veículos a combustíveis fósseis, pelos motivos ambientais gerais e custos associados. 


Lembrando a já clássica frase: 


"A Idade da Pedra não acabou pela falta de matéria-prima."


Nossa discussão, aqui, centrou-se apenas da nuance de como esses veículos serão abastecidos de energia.

Referências


Para um quadro geral de biomassa, recomendamos a trivial Wikipedia:


https://en.wikipedia.org/wiki/Biomass 


Coprocessamento


https://docs.google.com/document/d/1vfC4i2klCn3vr_XLm9sRDRNZmfkEPacLXx8PVbvmvL8/ 


Miopia em Marketing Ambiental


https://sites.google.com/site/medioquestoesambientais/miopia-em-marketing-ambiental 


Miopia de Marketing de Sustentabilidade


https://www.hisour.com/pt/sustainability-marketing-myopia-40206/ 


Nos nossos arquivos:


https://docs.google.com/document/d/1Q_1p2bbC-_Ed4fXhHVcQgDUxZtGqk9GPsNkYnVSDZMY/ 


Miopia Tecnológica


https://docs.google.com/document/d/1Dv2gHwpZ67Vsijbxv5VtwKcsdD0LGZv7nUG4p3WMcM4/ 


Biocombustíveis e suas gerações


https://sites.google.com/site/scientiaestpotentiaplus/biocombustiveis 


Para uma ilustração genérica e didática do que seja o gás de síntese:


https://www.infoescola.com/combustiveis/gasogenio/ 


Nos nossos arquivos:


https://docs.google.com/document/d/15xL7XxG2eeoARxGCsB9wSo69YVUzfxsJtaHesiEBgtU/ 


Processo Fischer-Tropsch


https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Processo_de_Fischer-Tropsch


Recomendamos:


Miopia do marketing do século XXI


https://www.marketingsustentavel.com.br/3-5-miopia-do-marketing-do-seculo-xxi/ 


Apêndice


O bioquerosene e sua aplicação específica


Entendemos que o uso de motores elétricos para aviões restringe-se à propulsão à hélice, que por motivos aerodinâmicos limita-se à certas velocidades já bem entendidas desde os anos 1950. A propulsão à velocidades como a dos atuais aviões comerciais de determinado porte só é possível pelos motores propulsionados por turbinas, seja jato puro, seja turboélice, e tal limitação em velocidade cruza com a questão de potência exigida.


As altitudes viáveis - e consequentes temperaturas ambientais - para os motores à turbina exigem características específicas do combustível, o que leva ao querosene de aviação, que além da densidade de carbono por moléculas típicas relativamente curtas, tem de ter conteúdo molecular de oxigênio se possível nulo e teor de água que o caracteriza como anidro, isento de água.


O biodiesel, em qualquer configuração molecular, pode abastecer sem problemas motores à explosão e turbinas de uso em solo, mas não apresenta a característica de baixo oxigênio molecular.


Faz-se necessário o uso do chamado bioquerosene, que é produto de quebra e remoção das estruturas oxigenadas de moléculas de ácidos graxos, padronização do comprimento das moléculas e posterior remoção de teor de água.


Para mais informações


https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Bioquerosene 


Combustíveis Sustentáveis de Aviação - Bioquerosene - Proposta de Agentes da Cadeia Aeronáutica do Brasil sobre a Consulta Pública MME nº 26 de 15/02/2017


https://drive.google.com/file/d/10Nnj7rsvNO_FOiOOqfACgwNFgck2vxww/ 


Bioquerosene de óleos vegetais - 29/09/2009 - Thiago Romero - Agência FAPESP 


http://www.agencia.fapesp.br/materia/11133/noticias/bioquerosene-de-oleos-vegetais.htm


Nos nossos arquivos:


https://docs.google.com/document/d/1Xt5_dRoreMHEc2Do0XopFJfyrUxKXGKpdImMuXsFsFk/ 


Placas fotovoltaicas e inércia


Existem veículos com placas fotovoltaicas mas não possuem muita potência, sendo mais curiosidades, projetos e competições acadêmicas. O problema básico é a área possível de instalação das placas e a potência requerida para uma carga útil.


Aproveitamento da inércia, frenagem e das descidas com geração nas rodas existe em carros no mercado hoje, mas a capacidade, até pela simples 2a lei da Termodinâmica, é sempre limitada e no fundo um ganho de eficiência, nada além disso.


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