A Física como Modelagem da Natureza
Uma observação inicial:
Esse texto nasce de três comentários feitos há mais de década num grupo de rede social de debates científicos:
“A Física não é como as coisas 'se comportam'. A Física é como modelamos confiavelmente como a natureza comporta-se, não sendo, pois, a realidade em si.”
“Não temos acesso "a coisa em si", que é tema da Filosofia em apresentar os limites do científico e mesmo de qualquer dos nossos conhecimentos, a Epistemologia.”
“Logo, nenhuma Ciência é "o ser", mas apenas produz modelos confiáveis de seu comportamento.”
Um dos maiores equívocos no entendimento popular sobre a ciência é a crença de que as leis da Física são a "verdade última" sobre a essência da realidade. No entanto, o rigor intelectual exige uma distinção clara: a Física não dita como a natureza é, mas sim como nós, através de ferramentas lógicas e experimentais, modelamos confiavelmente o seu comportamento.
A Ilusão da "Coisa em Si"
Como apontado na tradição da filosofia epistemológica, não temos acesso direto ao "ser" ou à "coisa em si" (das Ding an sich). O que temos são fenômenos — informações captadas por sentidos e instrumentos que são, então, processadas pela razão humana. Quando dizemos que um elétron "tem" uma carga negativa, estamos, na verdade, afirmando que o modelo matemático que atribui essa propriedade ao elétron prevê com precisão absoluta os resultados de nossos experimentos. A ciência, portanto, não descreve a essência do elétron, mas a sua interação com o restante do mundo observável.
O Poder do Modelo Confiável
Se nenhuma ciência é "o ser", o que a torna tão poderosa? A resposta reside na confiabilidade. Um modelo científico não precisa ser a "verdade absoluta" para ser útil; ele precisa ser consistente, preditivo e falseável. A transição da gravitação de Newton para a relatividade de Einstein não ocorreu porque Newton estava "mentindo" sobre a realidade, mas porque o modelo de Einstein ofereceu uma modelagem mais abrangente e profunda de como a natureza se comporta em escalas maiores. O território (a natureza) permaneceu o mesmo; o nosso mapa é que ganhou novos detalhes.
Conclusão: O Limite Científico como Postura Ética
Reconhecer que a ciência produz modelos, e não realidades, é a base da humildade científica. Isso separa o cientista do dogmático. Enquanto a Metafísica se ocupa em debater a essência do "ser", a Ciência se ocupa em refinar suas ferramentas de tradução. Ao entendermos que operamos no campo da Epistemologia — o estudo dos limites do que podemos conhecer — libertamos a ciência para evoluir sem o peso de ser uma "religião da verdade", mas sim a nossa melhor e mais confiável descrição do comportamento do Cosmos.

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