Complexidade e Reducionismo
O resumo do artigo de Derek Gatherer sobre Walter Elsasser (1904-1991) já oferece um excelente ponto de partida para discutir visões teóricas do passado em Biologia, especialmente aquelas que desafiaram o reducionismo molecular dominante.
A principal visão teórica "errônea" que Elsasser combateu — e que ele próprio tentou substituir com suas ideias — não é tanto uma falha factual na biologia, mas uma visão filosófica e metodológica sobre como a biologia deveria ser estudada:
1. Oposição ao Determinismo Genético e ao Reducionismo Molecular
A crítica central de Elsasser era direcionada ao que ele via como a insuficiência do reducionismo molecular para explicar a totalidade da vida.
Visão Reducionista (Dominante na época): A ideia de que todos os fenômenos biológicos, mesmo os mais complexos (como consciência, desenvolvimento ou comportamento celular), podem ser integralmente explicados e previstos ao se entender as propriedades e interações de suas partes constituintes — moléculas, genes e processos bioquímicos.
Visão Errónea Implícita: Assumir que o DNA é o determinante absoluto e exclusivo das características de um organismo, e que a complexidade surge de maneira trivial a partir das regras da Física e Química.
A Crítica de Elsasser: Ele argumentava que sistemas biológicos, devido à sua imensa complexidade e individualidade única (ele cunhou o termo "biotônico" para fenômenos que não podem ser reduzidos à física), não poderiam ser completamente explicados pelo conjunto finito de leis e medições da física e da química.
Ele introduziu a ideia da "biologia dos organismos grandes", onde a especificidade e o número de estados possíveis de um organismo (ou, em sua formulação matemática, o número de "componentes" necessários para descrevê-lo) tornam a aplicação das leis físicas (como as da mecânica quântica, onde a estatística funciona em grandes ensembles idênticos) inviável ou inútil para predições individuais.
Em essência, a visão que ele estava combatendo era a de que a Biologia era apenas um "ramo da Física e da Química".
2. A Epistemologia Radical e a Noção de Sistemas Biotônicos
O cerne da sua proposta era que a Biologia exigia uma epistemologia (teoria do conhecimento) diferente daquela usada na Física.
O Erro Combatido: A crença de que é possível obter uma descrição completa e exaustiva de um sistema biológico complexo com base em princípios físico-químicos (o "Determinismo Genético" era um sintoma dessa crença, onde o blueprint genético supostamente continha toda a informação).
O Conceito Biotônico: Elsasser propôs que os fenômenos biológicos de complexidade irredutível são biotônicos — eles são consistentes com as leis da física (não as violam), mas não são previsíveis ou deduzíveis a partir delas. Eles requerem princípios organizacionais adicionais (os princípios biotônicos).
Ele via a singularidade de cada organismo como uma barreira epistemológica. Devido à sua heterogeneidade e ao número praticamente infinito de interações, é impossível replicar os métodos de descrição e medição da física, que dependem da homogeneidade e da repetibilidade em grandes amostras.
Divulgação da Ideia: Essa visão pode ser divulgada como a "limitação da ciência em lidar com a singularidade", onde a ciência tradicional é boa para descrever o geral (leis), mas falha em prever o único (o destino de um organismo).
3. A Ironia da Biologia de Sistemas e a Seleção Natural
O resumo destaca a ironia de que o princípio biotônico mais importante, a Seleção Natural, foi amplamente ignorado por Elsasser. Isso aponta para a falha final em sua estrutura teórica:
A Falha de Elsasser: Ao focar tanto na complexidade e na irredutibilidade do organismo individual (o sistema grande), Elsasser negligenciou o princípio que confere coerência e significado funcional a essa complexidade: a Seleção Natural.
O Papel da Seleção Natural: A Seleção Natural explica como a complexidade biológica, apesar de não ser previsível a priori pela física, se torna adaptativa e funcional ao longo do tempo. É o princípio biológico fundamental que dita a emergência e a manutenção de estruturas complexas.
A Seleção Natural é um princípio holístico e não reducionista par excellence, pois opera no nível do organismo inteiro e da população em seu ambiente, e não em moléculas isoladas.
Conclusão para a Biologia de Sistemas
A relevância de Elsasser hoje reside no seu papel como precursor da Biologia de Sistemas (Systemic Biology) e do Holismo na Biologia, movimentos que ganharam força nas últimas décadas.
O que o passado nos ensinou: A visão reducionista do passado falhou em explicar fenômenos emergentes (propriedades que o todo tem e as partes isoladas não têm) e a resiliência dos organismos.
O Legado de Elsasser: Sua insistência na irredutibilidade do fenômeno biológico (o conceito biotônico) e a necessidade de uma ciência que trata o organismo como um sistema completo é a base do Holismo moderno. Embora suas soluções matemáticas e epistemológicas específicas possam ter sido falhas (como a negligência da Seleção Natural), a sua pergunta fundamental sobre a complexidade permanece central.
Referências
Gatherer, Derek (2008). "Finite Universe of Discourse: The Systems Biology of Walter Elsasser (1904-1991)". The Open Biology Journal. 1: 9–20. doi:10.2174/1874196700801010009. - https://benthamopen.com/ABSTRACT/TOBIOJ-1-9
“Walter Elsasser (1904-1991), eminente físico quântico e geofísico, também atuou na biologia teórica durante um período de 35 anos, do início da década de 1950 ao final da década de 1980. Embora tenha se distanciado cada vez mais do meio biológico durante os últimos quinze anos de sua vida, a preocupação central de Elsasser com a complexidade resultou em um renovado interesse por suas teorias na última década, particularmente entre aqueles que enxergam a biologia a partir de uma perspectiva sistêmica holística, em vez de uma perspectiva reducionista molecular. Este artigo revisa o desenvolvimento do pensamento de Elsasser, desde sua oposição inicial ao determinismo genético, passando pela epistemologia radical de seu período intermediário, até suas ideias filosóficas mais amplas da fase posterior. Após um resumo das respostas existentes a Elsasser na literatura, apresenta-se uma nova crítica e avaliação de sua obra, com atenção especial às implicações para a biologia de sistemas. Conclui-se que, embora Elsasser tenha extraído algumas conclusões de sua epistemologia que não se justificam à luz de pesquisas posteriores, sua insistência na existência de fenômenos biotônicos na biologia, irredutíveis (seja atualmente ou em princípio) à física, está correta. Ironicamente, o princípio biotônico mais significativo é aquele que Elsasser ignorou em grande parte em sua própria obra: o da Seleção Natural.”
Nota
Walter Maurice Elsasser (20 de março de 1904 – 14 de outubro de 1991) foi um físico americano nascido na Alemanha, desenvolvedor da teoria do dínamo, atualmente aceita como explicação para o magnetismo da Terra. Ele propôs que esse campo magnético resultava de correntes elétricas induzidas no núcleo externo fluido da Terra. Ele revelou a história do campo magnético terrestre através do estudo da orientação magnética de minerais em rochas. Ele também é conhecido por sua proposta não publicada da difração ondulatória de partículas de elétrons por um cristal. O subsequente experimento de Davisson-Germer, que demonstrou esse efeito, levou à concessão do Prêmio Nobel de Física.
Entre 1962 e 1968, foi professor de Geofísica na Universidade de Princeton. Entre 1975 e 1991, foi professor adjunto de Geofísica na Universidade Johns Hopkins. O Olin Hall, na Universidade Johns Hopkins, possui um memorial em homenagem a Walter Elsasser no saguão. - en.wikipedia.org - Walter M. Elsasser
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