terça-feira, 12 de novembro de 2013

Filosofia e Evolução e a Evolução da Filosofia




Um breve histórico deste texto


Num momento em que havia no então muito popular ORKUT uma boa parcela de pessoas qualificadas, recorrentes tópicos em diversas comunidades, a meu ver, patologicamente teístas, e inclusive com vasto volume de afirmações contrárias à Biologia formal e acadêmica (e não existe, como em qualquer outra Ciência, outra válida e valorosa além desta), tomei a liberdade de abrir um tópico onde transferi posts de um debate antigo, na comunidade “Olavo de Carvalho” onde tratei temas da Filosofia relacionados com o que seja a Evolução dos Seres Vivos.


Detalhe: após alguns poucos posts, fui expulso da comunidade “Olavo de Carvalho”.


Neste texto, então mais simples, "passei em revista" as modificações no tempo de discursos filosóficos e determinadas questões, que, repito, recorrentemente, voltam às redes sociais, sem falar em blogs e sites pitorescos com "novas fórmulas da pólvora" e “novos desenhos da roda”.


Aqui, uma revisão deste texto, que continha no meio observação que agora passo para este prefácio:



Apenas como observação, a respeito de certos teístas, para não dizer crentes, me avaliarem por certas características de permanente ironia que mantenho, lembro que sobre tal ponto existe um sábio conselho de um jovem rabino de poucos dias e muitas dores em MATEUS 6:28,29. Bom proveito.


Boa leitura! (ou não...)




Conceitos, juízos e raciocínios



Cedo aprendi que conceitos são claros ou obscuros. Sobre conceitos claros fazem-se juízos verdadeiros e sobre conceitos obscuros fazem-se juízos falsos, e pode-se fazer a combinação diversa também, de onde mesmo conceitos claríssimos podem produzir a completa falsidade. Por exemplo, mesmo bem definida o que seja neve e igualmente bem definido o que seja para o humano o conceito de quente, afirmar-se que “a neve é quente” é para qualquer pessoa minimamente sensata, um absurdo.


Utilizando-se se juízos falsos se constroem raciocínios corretos ou errôneos, mas se sobre premissas falsas, inadequados ao que seja o real, e o natural sempre é o real, constrói-se raciocínios que podem ser corretíssimos do ponto de vista lógico, mas não concordantes com o mundo. As ironias como ”Steve Wonder é deus” que abundam na internet são exemplos destes tipo de questões em lógica.


Estes raciocínios assim inadequados ao mundo, e os juízos mais que falsos, sem falar de toda sombra que paira sobre diversos conceitos, apenas perpetuam o que tem de ser chamado pelo nome, que já estava na sua origem, nos conceitos: ignorância, a qual pode ser até específica, em certos temas e pontos, mas não deixará de ignorar ser.


Entendamos que em debate de tema científico, sendo a Ciência amoral e meritocrática, todas as “galas de obreiros”, de ordem iniciáticas, cursos de teologia, profundos estudos bíblicos - ou de qualquer livro de tradição religiosa - e ser um entusiasmado e persistente religioso autodidata, nada significam, assim como ensinamentos de cunho moral serão inúteis, mas sobre tal ponto, deixarei a plena resposta para mais adiante neste texto.


Respondendo especificamente determinados pontos aos senhores e senhoras e passando pelos outros argumentos postados posteriormente pelos outros participantes destes típicos tópicos e debates, trataremos de clarear alguns conceitos.


Agora, voltando ao tema científico, iniciando por questões filosóficas necessárias ao debate:



A verdade


Sendo desde Aristóteles, depois solidificado no mundo cristão em Tomás de Aquino, a verdade é aquilo que é, sabemos que a verdade não pode ser deformada pela opinião, apenas o que seja a interpretação desta verdade, a qual apenas tangenciamos, quanto muito, pelos sentidos e pela razão.


Assim, uma verdade afirmada pode apenas ser uma valoração humana.


Sendo desde Kant (embora já com diversos antecedentes significativos) a plena verdade incognoscível e sendo todo juízo feito amparado numa primeira apreensão do que seja a conceituação de alguma coisa, temos que apenas o físico (no sentido de o material, sempre o natural)  pode ser tratado fisicamente (no sentido que é relacionado ao que seja a ciência chamada Física), e o metafísico - o além do físico - não pode ser tratado cientificamente (até pelos próprios termos), portanto os entes de que tratam as ditas “doutrinas filosóficas” das religiões não podem ser objeto do que já então era chamado de Filosofia Natural, e mais tarde, na moderna conceituação do termo Ciência, nem tratados pela Lógica Menor (que inclui a hoje chamada Formal e a Aristotélica, “Clássica”), a não ser criticamente em suas afirmações.
A razão mais profunda das coisas afirmadas neste parágrafo pode ser dividida em duas questões fundamentais:

1) Jamais temos acesso “a coisa em si”, e sim, aos fenômenos que nos chegam das coisas, e depois disso, ainda tratamos o que captamos pelos sentidos - sempre - pela nossa instável, duvidosa, pois iludível, razão.

2) Toda a afirmação que fzemos é limitada no tempo e no espaço - distância - e não o podemos fazer para além disso, pois estamos presos nestes limites temporais e espaciais junto com o objeto cujas características, os fenômenos dele emanados captáveis, como vimos, foram apreendidos.

Praticamente contemporâneo de Kant,
Hume ataca as afirmações sobre os milagres, a causalidade usada por Tomás de Aquino e anteriores, os argumentos de desígnio, a teleologia, de maneira devastadora, e coloca todo um processo de “dedução pelo teológico” como não concludentes.


Sendo que desde Spencer (e mais uma vez, com significativos antecedentes), tanto os dogmas religiosos mais profundos, quanto os também mais profundos postulados científicos são fundamentalmente dogmáticos e distintos, temos que as bases de lançamento dos primeiros serão “a Fé e a Revelação” (e estas revelações sempre duvidosas), e as dos segundos serão senso comum (no nosso exemplo inicial, “a neve é fria”) e concordância (acordo entre as autoridades sobre o tema, como a temperatura que a água ferve a uma atmosfera de pressão, por exemplo).



Os limites da razão


Sobre postulados científicos, Popper em seu discurso filosófico demonstra que estes jamais serão absolutos, e concorda nisso plenamente com Kant e outros, portanto todos os juízos (afirmações, teorias e teoremas físicos - um tanto diversos dos matemáticos e lógicos) que fazemos sobre tais postulados não serão jamais a verdade absoluta, concluída, deduzida, mas devem em sua estrutura serem falseáveis, prováveis como falsos, e se provados falsos, descartados, ficando eternamente, desde então, a Ciência não a provar coisa alguma, mas sim a testar se as hipóteses apresentadas são falsas e sobre os modelos estabelecidos por estas hipóteses, temos confiança. As hipóteses sobrevivem ao seu “falseamento”, no jargão do meio, por assim dizer. Simultaneamente, Popper define por seu conceito de “demarcação”, que entidades sobrenaturais não podem servir de hipótese em Ciências, exatamente por não poderem ser testadas e afirmadas falsas.


Sobre o discurso de Popper, Kuhn constrói um sistema de Lógica Científica ainda mais “instável” e este determina que as relações entre as hipóteses também são instáveis e o máximo que podemos ter sobre afirmações de cunho científico é uma relativa confiança. Constrói-se pois uma “estrutura de afirmações”, na qual um passo é dado sobre outro já dado, mesmo que aquele posteriormente mostre-se falso, não tendo-se de mergulhar no mais profundo e remoto no tempo da natureza para afirmar-se algo cientificamente. Como todos os modelos científicos são apoiados no par de linguagens Lógica-Matemática, restava-nos a solidez de uma completa integridade das afirmações apriorísticas destas linguagens, que sempre pareceram aos Filósofos como auto-evidentes.[Nota 1]


Mas o Teorema de Gödel nos mostra de maneira inequívoca que a linguagem Lógico-Matemática não pode ser auto-definível em axiomas plenamente, no que chamamos de incompletitude, portanto, em algum ponto, sempre haverá a imposição de um axioma absolutamente baseado em “opinião” ou como preferimos “senso-comum”, identicamente às Ciências “Popperianas”, mas de natureza um tanto diferente. Recentemente, a “Questão do Número Ômega” de Chaitin, demonstrou de maneira inequívoca, que não pode ser construída uma Teoria Geral em Matemática, mesmo a partir de um conjunto de axiomas por maior que seja, e uma das consequências de tal Teorema é que a Física como tal, sempre será empírica - a Física teórica se limita e necessita da experiência e da observação - e portanto todas as suas Ciências dependentes, chegando aonde queremos: numa Biologia empírica.

Noutras palavras: não podemos deduzir que uma espécie não modificou-se, ou que surgiu por milagre, ou ainda, que nenhuma criação é dedutível, assim como nenhuma negação de um processo evolutivo pode ser oriundo de uma dedução lógica. O mesmo vale para a própria vida como um todo, no seu surgimento.


Em Heidegger, temos a “destruição da Metafísica Ocidental” e chegamos ao ponto que os dogmas religiosos não são mais tratados em Filosofia, apenas criticados dialeticamente por esta, em Lógica Maior (Dialética). Em casamento do que os Filósofos da Ciência e os Filósofos do Social e da Religião tratam, segundo Habermas, a falibilidade possibilita desenvolver capacidades mais complexas de conhecer a realidade e mais sólida tradição religiosa, dentro de uma ótica Darwiniana (aqui, ironia das ironias) da busca “tangencial” da verdade, pois esta, absoluta, como vimos, é inalcançável.


Retornando aos dogmas religiosos em Spencer, disto desenvolveu-se também uma Filosofia da Religião, que trata do fenômeno religioso no humano, já que o fenômeno religioso que seja a divindade, a alma, os milagres, diversos dogmas, seus sustentos “lógicos” não mais epistemologicamente tratáveis. Entenda-se, noutros termos, que uma Metafísica, um Física e , até uma história do mundo não podem originar-se de afirmações de cunho religioso tradicional.


Nesta Filosofia da Religião apenas trata-se o fenômeno no religioso como cultural no humano, e define-se, principalmente com a Escola de Frankfurt, que fé sempre será individual ou de grupo, questão de gosto ou vontade, portanto sempre relativa e qualquer afirmação de qualquer fé que afirme sobre o natural, ultrapassa o limite do que seja fé, e como tal tem de ter concordância com o que a razão, no senso comum, trata como real, e portanto, em concordância com o científico, que sempre o busca por método.



A Religião de hoje será a mitologia do futuro. Em ambas muitos acreditaram, mas comprovadamente erradas pelos espertos. - Steven Crocker


Mitologia é o nome que damos às religiões dos outros. - Joseph Campbell



Em poderosos ombros


Apoiado agora no ombro destes gigantes, tratemos especificamente do tema deste tópico.


Da Filosofia da Religião e das consequências do desenvolvimento do discurso metafísico (os fundamentos mais profundos do mundo) e epistemológico (os fundamentos mais profundos do conhecer o mundo), temos que todo indivíduo tem pleno direito de professar sua fé, mas jamais impô-la como “única e detentora de toda a verdade”. Porém, quando uma fé qualquer afirma que seus princípios determinam que afirmações científicas estão erradas pois em desacordo com “sua tradição”, expressa em seus ditos “escritos sagrados”, por exemplo, esta fere este princípio, pois sempre haverá a fé de outrem que aceite perfeitamente tais afirmações científicas em acordo com a sua. Portanto, como deve ser sempre repetido principalmente para Criacionistas Bíblicos, e similares, suas afirmações não são fé, apenas fanatismo.



Aquele que não usa a razão é um fanático, ele que não pode raciocinar é um tolo, aquele que não se atreve a usar a razão é um escravo. - William Drummond



Você vai encontrar homens como ele em todas as religiões do mundo. Eles sabem que nós representamos a razão e a ciência, e, no entanto, confiantes que podem estar em suas crenças, eles temem que vamos derrubar seus deuses. Não necessariamente através de qualquer ato deliberado, mas de uma forma mais sutil. A ciência pode destruir uma religião por ignorá-la, bem como por refutando seus princípios. Ninguém nunca demonstrou, tanto quanto eu saiba, a não-existência de Zeus ou Thor, mas eles têm poucos seguidores agora. - Arthur C. Clarke, O Fim da Infância





Entra em cena a “árvore da vida” e seu modelo



Como a finalidade de parte da T.E. é estabelecer uma “árvore genealógica da vida” que apresenta a ancestralidade universal dos seres vivos (ou ancestralidades comuns, mesmo que se limitadas fossem), obviamente cairemos na ancestralidade humana. Sendo nesta construção desta “árvore genealógica” algum mito religioso de qualquer Fé for contrariado, infelizmente, para bem da “tangencial busca pela verdade” e da separação irrevogável entre Ciência e fé, tal relato deverá ser tratado e aceito pacientemente pelos que professam tal fé como o que sempre foi, apenas a cultura humana não sabia: mito. Apenas nestes pontos entra a questão da tradição religiosa.



O humano sempre requisitou uma explicação para as coisas do quando mundo que ele não entende. Se a explicação não está disponível, ele cria uma. - Jim Crawford



Na Filosofia da Ciência, frequentemente, os defensores (pois a situação chegou tolamente a este ponto) são confrontados com afirmações do tipo Teoria da Evolução é “apenas” uma “teoria”, demonstrando com isto um completo desconhecimento do que seja Teoria em Ciências “Popperianas” - e nestas, as Naturais. Sendo que Teoria é o conjunto de hipóteses “sobreviventes” ao processo de falseabilidade do escopo científico, tal Teoria, quando extremamente abrangente em determinado objeto científico é o dito eixo desta própria Ciência deste mesmo objeto. Como tal, a Teoria da Evolução (T.E.) em sua atual forma é o eixo fundamental em Biologia, e tem sobrevivido e sido aprimorada por mais de 150 anos, e seu objeto, que é o fato da evolução dos seres vivos, apenas por ela é plenamente modelável.[Nota 2] 


library.sc.edu



Como dizemos: Nada se faz em biologia a não ser à luz da evolução. (Dobzhansky) Tanto que se discute detalhes de mecanismos e algumas conjecturas, e dentro de seu maior modelo resultante, que seria uma “árvore genealógica” da história da vida terrestre, apenas corrigimos cursos e preenchemos lacunas, e entre estas lacunas, hoje poucas ainda restam.


A questão recorrente de “Lei” Científica, exigida para a evolução ser algo científico, apenas denota o desconhecimento do que seja este termo, “lei”, em Ciência, sendo estas apenas hipóteses que resultam em modelos de altíssima confiabilidade, tal como são frequentes na Física e na Química, mas muito pouco na Biologia, campo muito caótico no sentido de complexo e variável em mecanismos.


Aqui cabe uma nota sobre uma absurdamente exigida “premiação” para a T.E. ou sua “comprovação”: a “premiação” de Darwin é exatamente a permanentemente comprovada sobrevivência e corroboração de sua Teoria ao longo de 150 anos, de seu conjunto de hipóteses. Todas as posteriores revisões, somas de novas descobertas em Genética, estudo de populações, estatística aplicada aos processos de especiação (Teorema de Hardy-Weinberg), entre outras muitas descobertas, ainda em crescimento, não modificaram o fundamento básico do dito Darwinismo, de que todas os seres vivos modificam-se ao longo do tempo e sempre são originários de um ancestral comum. Por outro lado, em premiações de Medicina e Fisiologia, tal como o Nobel, inúmeras são pesquisas derivadas exatamente de afirmações da T.E.



Passos de uma demonstração que seguidamente passa despercebida


Quando tratamos de evolução, devemos separar bem em seu conjunto de afirmações duas questões: especiação, que é a alteração de uma espécie em outra com separação de suas populações, e a história deste conjunto de especiações e modificações, que será representado num modelo matemático (certos biólogos odeiam quando falo isto!) que chamam cladograma. A especiação é provada frequentemente tanto em campo quanto laboratório, conforme vasta literatura em Biologia.


Cladograma dos vertebrados - biologiacapufrgs.blogspot.com.br



Por outro lado, a história da vida depende das evidências fósseis, Paleontologia e outras “paleociências”, e muito raramente até arqueológicas. As evidências fósseis, embora abundantes em sua abrangência e quantidade, são relativamente raras para uma descrição exata de todo o histórico da vida, pois mais de uma centena de vezes mais espécies viveram no passado que as hoje conhecidas milhões vivem, estima-se.[Nota 3]


Mas no quadro geral, poucas grandes lacunas restam serem preenchidas, e como é natural em tal Ciência, quanto mais para o passado mais rara e difícil é a obtenção de tal “preenchimento de lacunas”. Notemos que a “Ciência da Especiação” é uma ciência popperiana típica e clara, passível de parte experimental , testável e reprodutível, já o completar dos cladogramas inclui uma ciência histórica, sendo apenas parcialmente popperiana, e por este mesmo motivo, Popper em determinado momento de sua carreira faz afirmações equivocadas sobre o que seja a T.E., retratando-se posteriormente.


Entendamos que sendo a T.E. uma Teoria em Biologia, qualquer afirmação de ordem da Embriologia Humana, Fisiologia Humana, Histologia Humana ou mesmo Genética Humana, em qualquer ciência que ampare a Medicina, ou mesmo toda a literatura médica, mostrar-se-á inócua como argumento ou contra-argumento, pois dentro da Biologia, o ser humano, objeto destas especialidades científicas, é apenas um dentre milhares de espécies de mamíferos (incluindo os extintos), um dentre um número ainda maior de vertebrados, um dentre um número ainda maior de cordados e assim por diante.[Nota 4]


Por outro lado, mostra-se, tal como já percebido por Darwin, a similaridade e perceptível exagerada coincidência entre todos os mamíferos, que apresentam pelos. A mesma situação com os répteis, aves e mamíferos, quanto às unhas ou garras. Porém, como sempre se observa em outras relações modeláveis pelos cladogramas, embora a presença de dentes envolva até anfíbios e aves fósseis, jamais encontramos um réptil propriamente dito com dentes diferenciados, porém sim no que chamamos de proto-mamíferos.


Dimetrodon, ou “aquele que tem dentes de duas medidas”, não um ancestral dos mamíferos, mas dividindo ancestralidade e contemporâneo de animais de dentes diferenciados que resultaram nos mamíferos.


Explico o acréscimo aparentemente deslocado acima: Tais questões sempre nos levam a corroboração e permitem predições, todas elas sempre ao longo da história confirmadas, que nos mostram a solidez do modelo, da ancestralidade universal entre todos os seres vivos, até prova em contrário (falseabilidade, sempre a ser lembrada em qualquer ciência), amparada no registro fóssil, por sua vez amparada em sua datação pela Geologia - em seu campo Geocronologia, Ciência muito mais formal e matematicamente modelável, que por sua vez se ampara na Física, rainha de todas as Ciências.


Aqui devemos tratar da recorrente “Falácia da Incredulidade” de que muitos crêem de que uma “ameba se transformou num rinoceronte” (p.ex.): consideremos que os rinocerontes não advieram de outra espécie, logo sempre existiram rinocerontes, e façamos uma interessante “indução ao absurdo”.[Nota 5]


Rinoceronte. desenho à pena sobre papel , Alberto Dürer, 1515.



Mas no registro fóssil encontramos rinocerontes os mais variados, em muitas espécies, até um determinado “momento” que encontramos um rinoceronte com características comuns a outros tantos ungulados, e então temos de considerar que os ungulados sempre existiram.


Mas no registro fóssil encontramos ungulados cada vez mais antigos até um determinado tempo geológico no qual encontraremos um mamífero com características comuns entre muitos mamíferos. Repetiremos o mesmo processo para mamíferos e chegaremos a um mamíferos com características comuns com répteis, um proto-mamífero, e posteriormente um amniota (todos os animais cujos embriões são rodeados por uma membrana amniótica - amnios), e posteriormente um anfíbio, depois um peixe, animais com cada vez menos partes ósseas e mais cartilaginosas como estruturações corporais, similares às lampreias e com ainda menos estruturação os chamados “peixes-bruxa”, e então um simples cordado “vermiforme” e completamente invertebrado. Tendo chegado invariavelmente nisto, mesmo se pegássemos qualquer outro mamífero ou mesmo uma lampreia ou um peixe-bruxa, que nem propriamente peixes são, podemos concluir que todos os vertebrados descendem de um invertebrado.


jeronimobelojorge.wordpress.com



Então se pegarmos todos os invertebrados e repetirmos o processo, chegaremos num conjunto de invertebrados que obrigatoriamente se mostrará oriundo de invertebrados ainda mais primitivos e finalmente num simples ser vivo pluricelular, o mais simples possível, num período histórico em que só estes animais viveram e finalmente, todos estes descendam pelo mesmo conjunto de evidências de um conjunto de organismos unicelulares, os quais incluem uma ameba típica (um animal adorado como exemplo pelos criacionistas, com a irônica característica para estes que possui genética mais complexa que a humana, molecularmente falando), porém de amebas os vertebrados comprovadamente não descenderam, mas com elas apresentamos um ancestral comum, assim como com todas as plantas e fungos. Logo, por este “decréscimo finito”, fixismo não se sustenta, porém a variação e ancestralidade entre todos os seres vivos, até “prova falseante” inegável, sim.



August Johann Rösel von Rosenhof, primeiro pesquisador a descrever as amebas, em Insecten-Belustigung - (“Recreação entre Insetos” ), 1757. (eukaryography.tumblr.com)


O único escape do fixismo, logicamente, desta indução ao absurdo, seria supor uma Terra, e consequentemente, por fim, o próprio universo como eterno em sua apresentação atual, o que cairia noutro conjunto de insustentabilidades.[Nota 6] Portanto, o fixismo cai num absurdo, e exige um momento de criação de uma espécie, e este fenômeno tem de ser extraordinário frente aos fatos da natureza, seu regular comportamento. Esta espécie miraculosamente surgida (e aqui o “esta” incluiria todas), inegavelmente por simples fatos evidentes até nos animais domésticos na História, modifica-se, já sustentando que evolução ocorre.


Aqui devo fazer o destaque que a lógica aplicada, como aqui fizemos, não sustenta o processo evolutivo por si, mas como percebe-se facilmente, refuta um fixismo e induz inquestionavelmente um certo ponto de criação, logo, uma base para algum tipo de criacionismo (pois não existe somente o de natureza judaico-cristã).


Para entender o acima de outra maneira, o fixismo só seria evidente se um enorme rinoceronte fosse encontrado com mesma datação, e no mesmo substrato de um trilobita, no período cambriano. Desta questão simplíssima, e do desejo de tornar as modificações inegáveis, pois evidentes, acumuláveis no tempo insustentáveis, nasce uma necessidade de tentar derrubar as datações em centenas de milhões de anos apresentadas pela Paleontologia, pela Geologia - Geocronologia, pela Astrofísica e pela Cosmologia, por parte dos criacionistas, mesmo quando não defendem uma Terra de apenas 6000 anos, adequada apenas para sustentar o texto bíblico mais radicalmente.



Evolução de diversos ungulados - www.flickr.com



Uma recorrente confusão



Devemos deixar bem claro, e isto muitas vezes é difícil de ser entendido por “opositores” da T.E., que seu objeto não é o surgimento do primeiro ser vivo, sendo que este é objeto da Biopoeise (do grego bio, vida, e poiéo, produzir, fazer, criar), área intermediária entre a Biologia e a Bioquímica no trato das “moléculas primordiais” que se formaram por reações químicas, a partir de matéria inorgânica ou orgânica muito simples (estas puras classificações humans), formando moléculas orgânicas mais complexas e com determinadas características que se combinaram formando um (ou hipoteticamente vários) primeiro(s) organismo(s) extremamente simples. Para a T.E., pouco interessa se a vida originou-se por milagre (até como o proposto em relatos religiosos) ou vinda do espaço, seus modelos e o seu histórico não tratam disto.


Quanto a questões apresentadas pelos debatedores como ordem numérica, devemos entender que a T.E. não supõe um organismo 1 (um primeiro) de uma série, uma ancestralidade, e observando um organismo 10000 (um décimo milésimo), supõe todos os intermediários. Historicamente no desenvolvimento de uma "árvore genealógica da vida”, os pesquisadores escolhem uma espécie, digamos a 10000, viva ou extinta, e baseado em outra, considerada provavelmente a 5000, a colocam no cladograma, assim, buscam a 7500, depois a 6250 e a 8750 e assim por diante.


Neste processo, que jamais será apenas linear, gerar-se-ão bifurcações. Cedo ou tarde os ancestrais comuns entre as mais diversas espécies presentes ou passadas terão sua participação no cladograma definidas e muitas vezes até corrigidas, como é natural em uma ciência tão passível de erro (mas não no seu modelo básico!). Mas notemos, o método é correto, não necessariamente o total de seus resultados.

Uma observação importante: Acrescentemos que atualmente, investigam-se as simbioses em nosso passado, as
endossimbioses, quando apenas haviam organismos unicelulares em nosso planeta, de onde a árvore da vida será imensamente modificada, mas ainda sim, em coisa alguma modificar-se-ão as descendências posteriores a estas simbioses.



Os processos endossimbióticos. - www.simbiotica.org



Já a especiação opera de maneira matemática e logicamente diferente. Pois tendo a espécie N, comprovamos de maneira inequívoca que ela se transformou na N+1, e como N+1 adveio de N, da mesma maneira a espécie 10000 adveio de uma 9999 e assim por diante, em casamento com o modelo básico. Pelo menos até a apresentação de um surgimento miraculoso, que falsearia a especiação. Na demonstração por indução ao absurdo que apresentamos, seria o surgimento de um rinoceronte, miraculosamente, em qualquer período do passado.


Os processos na especiação de anagênese e cladogênese. - www.acervoescolar.com.br


Apenas tal argumento já responde, independente de outros, pela afirmação de que fixismo não se sustenta, restando pois, aos fixistas, e nestes os criacionistas, apenas relutar inutilmente contra a questão da ancestralidade universal, e esta encontra amparo na classificação dos seres vivos, na Paleontologia, na anatomia comparada, na Genética e em plena concordância com a datação geológica, sempre confirmando o modelo, daí afirmamos:



A alternativa à evolução não é o fixismo ou seu inevitável criacionismo, mas a ignorância.



Notas


1. Já Kant tratava estas questões com o conceito de “juízos sintéticos a priori”. Sobre tal, cito texto que me parece simples sobre o tema:

As fontes de toda metafísica como o próprio nome indica devem estar além de toda experiência e, portanto, devem ser oriundos da razão pura, ou em outras palavras, a priori. Um juízo metafísico para ter alguma validade deve ser necessário, absoluto. Conhecemos juízos desse tipo: os juízos analíticos, os quais se caracterizam pela ausência de produção de conhecimento. Tais juízos são apenas explicativos e não acrescentam conhecimento algum, Ex.: Os corpos são extensos. Nesse exemplo vemos que o predicado "extensos" já está presente no conceito de corpo, não nos informado nada além do que já estava posto no sujeito. Segue-se daí que todos os juízos analíticos derivam do princípio de contradição, pois não se pode afirmar o sujeito e negar o predicado. De modo que esses juízos analíticos não servem para fundamentar a metafísica, uma vez que ela precisa de juízos que, ao mesmo tempo, sejam necessários e acrescentem conhecimentos.” - ataraxiadaalma.blogspot.com.br


2. Aqui, uma observação: A Biologia é uma ciência unificada na Teoria da Evolução, já a Física, por exemplo, possui duas teorias concorrentes e até o momento, incompatíveis: a Teoria da Relatividade, que complementa a Mecânica de Newton, que aplica-se bem à grande escala do universo, mas é incompatível com a Mecânica Quântica, que trata a pequena escala, o microscópico, da natureza.


3. Ironicamente, uma definição de “Paleociência” está bem descrita na “divertida” Conservapedia:

Paleociência é:


  • de acordo com [a], no plural, todas as disciplinas científicas que lidam com referências históricas. Estes incluem temas relacionados ao passado nos campos da Arqueologia, Geologia, Paleontologia, Paleobotânica, Paleoantropologia, etc.
  • de acordo com [b], no plural os ramos das ciências ambientais naturais que se concentram na reconstrução e modelagem dos eventos passados​​, em vez de observação direta e experiência.




b. Benito, G., Gregory, K. J., 2003 Palaeohydrology: understanding global change. John Wiley & Sons, Chichester, p.397


Dado que paleociências não lidam com observações diretas dos fenômenos que ocorreram no passado não observável, mas sim com os seus efeitos, elas são muitas vezes referidas como ciências históricas. Isso diferencia-as da ciência empírica que se baseiam principalmente na possibilidade de realizar várias vezes o experimento. Como não é possível viajar de volta no tempo e observar diretamente os fenômenos passados, estas ciências são dependentes de pressupostos que são, em princípio, não absolutamente verificáveis. Assim, a visão de mundo do cientista, as considerações sociológicas e psicológicas, e a pressão política pode desempenhar um papel preponderante no processo de seleção dessas hipóteses explicativas, bem como na interpretação dos resultados atuais e os efeitos dos fenômenos observados no passado.[c]


c.  Cleland, C.E. (September 2002). "Methodological and Epistemic Differences between Historical Science and Experimental Science" (PDF). Philosophy of Science 69: 474–496.

Grato, criacionistas!
4. Deve-se lembrar sempre que o desenvolvimento embrionário (ontogenia) de todas as espécies recapitula, ainda que apenas próxima - no tempo - e aproximadamente - na forma - o seu processo evolutivo mais imediato (filogenia), e dizer um contrário total, absoluto, é uma mentira.

Vejamos:

Dificilmente se pode encontrar na atualidade um cientista destacado que aceite esta lei como expõem. A razão deles, totalmente convincente, e que a investigação recente tem demonstrado com claridade que as exceções a esta lei são muito mais freqüentes que suas materializações. A maior parte das etapas que passam os embriões individuais de diferentes animais não se correspondem em sua maior parte com as gradações que, segundo a teoria da evolução, constituem a história do desenvolvimento da vida. - Assmuth, J. and Hull, Ernest R. Haeckel's Frauds and Forgeries. London: Examiner Press, 1915. pg 98.

Muitas conexões entre ontogenia e filogenia podem ser observadas e explicadas pela T.E., sendo que cita-se, e até páginas de
criacionistas o fazem: "A lei biogenética não está em disputa; apenas a versão de Haeckel". Aqui, infelizmente, o termo “lei biogenética” está num contexto, que pode ser mais amplo que a afirmação negacionista total dos criacionistas. Mas concordemos com o sentido usado por eles, e vejamos noutro texto, como sua negação - descartando-se os termos e mantendo o conceito - não produz fruto algum:

Embriões refletem o curso da evolução, mas esse curso é muito mais complexo e peculiar que o que Haeckel afirmou. Diferentes partes do mesmo embrião pode mesmo evoluir em direções diferentes. Como resultado, a Lei Biogenetica foi abandonada, e da sua queda livre cientistas apreciam a gama de alterações embrionárias que a evolução pode produzir - uma apreciação de que produziu resultados espectaculares. Nos últimos anos, os cientistas descobriram alguns dos genes específicos que controlam o desenvolvimento.


Early Evolution and Development: Ernst Haeckel, Evolution 101, University of California Museum of Paleontology


Ou:“No entanto, os embriões passam por um período em que a sua morfologia está fortemente moldada por sua posição filogenética, ao invés de pressões seletivas.”Kalinka, A. T.; Tomancak, P. (2012). "The evolution of early animal embryos: Conservation or divergence?". Trends in Ecology & Evolution. doi:10.1016/j.tree.2012.03.007


5. O método de induçao ao absurdo, ou demonstração pelo absurdo, ou ainda reductio ad absurdum, se baseia em uma das tautologias da lógica proposicional: "Se a veracidade de uma proposição implica em sua falsidade, então a proposição é falsa".


6. O conjunto de argumentações pelas quais a Terra e o próprio universo não são eternos em sua atual apresentação passaria pela Física, na termodinãmica, pela Cosmologia, que trata o universo como um todo, pela Astrofísica, que trata da formação do Sol e do sistema solar, e até pela formação da própria Terra, pela Geologia, etc.

Mas curiosamente, uma argumentação por uma Terra eterna é tudo que os criacionistas não querem, vide o próprio uso de algumas das formas do argumento da causa primeira, ou, noutra forma, um dos
argumentos cosmológicos Kalam:

1°. A série de eventos no tempo é um conjunto formado pelo acréscimo de um membro após o outro.
2°. Um conjunto formado pelo acréscimo de um membro após o outro não pode ser infinito.
3°. Logo, a série de eventos no tempo não pode ser realmente infinita.


Sobre o triste e já notório personagem autor da pérola acima citada, recomendo a leitura do devastador: Dan Barker; Kalamidade Cosmológica


Destaco que um universo eterno e oscilante, um modelo cosmológico com “bounce” (rebote), ou cíclico, não é citar um universo eterno em sua apresentação, e os respectivos processos evolutivos das galáxias, suas estrelas e planetas continua não sustentando de forma alguma uma Terra eterna.


Referências e leituras recomendadas


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