sexta-feira, 25 de março de 2011

Mostre-me o universo... I



e digo que lá não está o deus cristão


Pérola de um debatedor:

O ilustre pensador brasileiro Olavo de Carvalho responde, ao longo de vários livros, artigos e vídeos, de forma definitiva e profunda à indagação que dá nome a este tópico.

Menos, menos, de preferência, quase nada.

Olavo de Carvalho é um razoável articulista de direita, um tanto extremada e por isso mesmo, nem tão útil assim.

Afirmo: concordo com poucos de seus argumentos políticos, acho suas noções de Economia infelizes - pois ele ataca esquerdistas e Marxistas pelo seu totalitarismo, especialmente o passado, e não por suas falácias e utopias econômicas.


Até que na análise da sociedade brasileira e latino-americana, sua tendência à uma esquerdização que a leva à ditaduras e populismo, acerta, assim como na educação brasileira, aquela, que curiosamente, num determinado nível que alega, ele não possui.

Mas no campo das ciências naturais, quando não em ciências em geral e Filosofia da Ciência, o homem é uma catástrofe em palavras. Possui um pensamento em Filosofia medíocre, quando não abaixo do medíocre, pois inclusive, defende pontos em Metafísica dos tempos de Aquino, mais que enterrados.*

* E escreveu não leu, apela para argumentos "por deus" teleológicos, fulminados por Hume e todos os posteriores.

É um vício dos teístas, que chamo especificamente "primários", retornarem às argumentações de Aristóteles, Anselmo e Aquino , achando que sobre elas não foram jogadas camadas e mais camadas de cal nos últimos 300 anos de Filosofia. - Até prova em contrário, frase minha.

Tem 4 campos que tenta tratar e "refutar", beirando o ridículo, quando tenta discutir ciência e matemática com seu filosofês:

1)Ataca a Teoria da Evolução das Espécies e o próprio fato da evolução.
2)Ataca questões de matemática, especialmente o que seja a moderna conceituação de infinito, especialmente, o posterior a Cantor.
3)Não entende lhufas de Cosmologia e tenta tratar a origem e evolução do universo com argumentações que beiram o infantil.
4)Tenta discutir a Física Clássica de Newton e seus postulados, que na verdade, mais profissionalmente, são a "relatividade de Galileu" com noções pífias ao menos para saber que muito do que está ali modificou-se, especialmente, com o advento da Teoria da Relatividade geral, aquela mesmo que sustenta a Cosmologia que ele não entende.

No meio de suas esparrelas, defende até a Astrologia.

Logo, menos, por favor. (De preferência, quase nada!)


Obs.: Falando em Galileu, as bases da "argumentação diagonal" (perdão, o artigo em português me pareceu ruim, simplesmente), de Cantor, já tinha sido percebida por Galileu, quando faz anotações de que existem tantos números naturais quanto seus quadrados, igualmente, naturais.

Sobre Cantor, uma argumentação simples, que já mostra o erro de quem tenta refutar sua poderosa e já centenária lógica, é a seguinte:

Tomemos os números naturais; 1, 2, 3, 4, 5...  Este conjunto é, obviamente, infinito. Multipliquemos cada um destes números por 2, de onde temos um conjunto 2, 4, 6, 8, 10... , que obviamente, novamente, possui tantos números, infinitos, que o anterior (para cada natural corresponde seu dobro). Mas percebamos que os números do segundo conjunto, serei repetitivo, obviamente, são pares. Logo, demonstra-se assim que existem tantos números pares no conjunto dos números naturais quanto os próprios números naturais, mas o conjunto dos naturais contém os pares. O infinito na matemática, infelizmente para os menos ilustrados sobre para onde evoluiu nossa matemática, não é regido por seus sensos comuns e intuições. Mais precisamente, no infinito, as partes são tão grandes quanto o todo.

Ninguém nos poderá expulsar do Paraíso que Cantor criou. - David Hilbert

Falando em Hilbert, intimamente ligado ao tema, recomendo: Hotel de Hilbert








Percebam, aqui, a enorme enrolada (sim, é este precisamente o termo), que OdC faz para tentar sustentar seu, sabe-se lá se, ponto:

Olavo de Carvalho; O Jardim da Aflições

(Coloquem  CTRL-F e "Cantor", e chegarão diretamente na parte em questão.)

Nem mesmo determinados personagens de outra estirpe concordam com ele neste ponto:


Mas realmente gosto da soberba manifesta em:

As pessoas hoje em dia têm alguma dificuldade de compreender isso porque se deixaram enganar por falsas lógicas (como a de Georg Cantor, por exemplo)...

Deus acredita em você?; Entrevista à Rádio Europa Livre (repórter Cristina Poienaru); Bucareste, 21 de outubro de 1998.

Sim, percebemos as falsas lógicas.

Nunca interrompa seu oponente quando ele estiver cometendo um erro. - Gabriel Sousa

Mal sabe OdC que sólida lógica não só mostra que no infinito as partes são do tamanho do todo, mas por cortes geometricamente realizáveis, fraciona-se uma esfera e obtem-se duas esferas de mesmo volume, e a quadradura do círculo, ainda que "sem régua e compasso", é também possível, assim como esta mesma quadradura é possível em geometria hiperbólica.*

* Para algo mais técnico sobre este tema, recomendo:

Jagy, William C. (1995). "Squaring circles in the hyperbolic plane" (PDF). Mathematical Intelligencer 17 (2): 31–36. doi:10.1007/BF03024895

Outro exemplo das esparrelas deste senhor pode ser vista neste texto:


Deus e o dr. Hawking 

Onde destaco a frase, que já tratei num debateco (um pequeno debate, sem importância alguma, um de meus hobbys - quase um sadismo controlado), pois OdC envereda pela argumentação à  própria ignorância/descrença, ao berrar aos quatro e mais alguns ventos que não existe evidência alguma de evolução, logo, por similaridade:

Nem o prof. Hawking, nem qualquer outro cientista da sua área, pode nos oferecer a mais mínima prova de que o universo da física seja "real".

Igualmente, leigos em física, um teísta catolicóide vomitando bobagens em ciência (ainda mais em Física, a mais profunda e formal delas) como OdC (acredito que todos saibam quem seja a sigla), portanto, podem fazer afirmação alguma além de sua fé distorcida.


Explico: Não tendo evidência física (que sempre passa pelos sentidos) da ação ou existência de sua divindade, igualmente não podem afirmar que ela exista. A pegada de um elefante, não visível na paisagem, é sua ação, a visão do enorme animal, ou a audição de seus barredos, bramedos e urros é evidência de sua existência; para um cego e/ou surdo, tocá-lo seria a evidência - se o elefante e suas impressões ilusórias são fruto de uma "Matrix", ou as "sombras de uma caverna", continuamos na mesma situação de impossibilidade de provarmos o elefante, ou mesmo afirmá-lo como fruto de um fantasma providente.  Em suma: Não podendo afirmar que a avaliação dos sentidos/mente é associada a algo real, também não poderia afirmar que a evidência física que por acaso viesse a possuir da divindade seria real.

Filosofia, sempre, é terreno escorregadio.


Um tolo que não diz palavra não se dintingue de um sábio que se cala. - Jean Molière



Mas foquemos a coisa pelo aspecto físico/científico.

O universo não necessita de um "legislador", muito menos de um ser que o produza. Para todos os efeitos e toda a análise, a natureza se basta. Poderíamos, pelo mesmo caminho, questionar quem teria sido o legislador que criou as formas/meios/maneiras/modos pelos quais a divindade atua.

Só lamento, a pregação barata dele é, até no seu discurso, um enorme vazio, incluindo idéias surradas desde o tempo de Kant e Hume.

Neste debateco, um criacionista lançou as seguintes questões:

(1) Se há forças que o precederam e determinaram, o Big Bang não é "a origem do mundo", mas só de uma fase determinada da existência.


A própria questão, por si, já coloca que a existência do universo, com tudo que contém e como se comporta, que leva à sua evolução no tempo, independe de uma divindade atuante.


(2) De onde vieram as quatro forças? Surgiram do nada ou foram criadas?

Caímos, aqui, na mesma questão anterior. Havendo a existência do universo a partir de um "tempo que se conte" (tempo traz, para qualquer pessoa que se dedique a tratá-lo, dilemas linguísticos terríveis, Agostinho já observava), este contendo suas leis (incluindo as forças), já implica que não se necessite de uma divindade atuante, e também, a existência das leis não implica que tenham de ter sido criadas por uma divindade, ainda mais, uma consciente. Um divindade consciente, na verdade, não se justifica, quanto mais, se mostra um conclusão lógica inquestionável. A afirmação de uma divindade consciente, como organizadora dos princípios mais básicos do funcionamento da natureza, é, na verdade, o mais profundo dos argumentos teleológicos.

Se ninguém me perguntar eu sei, porém, se quiser explicar a quem me perguntar, já não sei.

Recomendo, para ilustrar o tema:  O problema do Tempo em Santo Agostinho - www.mundodosfilosofos.com.br



(3) Que uma coisa possa acontecer em teoria não prova que tenha acontecido necessariamente.

Fantástico é que criacionistas e o que chamo de "teístas primários" afirmam exatamente seus milagres e "atuações divinais" quebrando a aparente coerência que mostram neste mesmo tipo de frase.

Temos evidências, até "visuais", como na Astronomia, e laboratoriais, como nas partículas subatômicas, do que afirmamos. (Isto em se tratando da coisa profunda e ampla que é origem do universo a partir de um estado anterior - para não dizer o inadequado "inicial"  - de alta temperatura e densidade, quanto mais para a evolução da vida, onde a Paleontologia empilha fósseis aos milhões e a Biologia, com organismos vivos, a olhos abertos, percebe a evolução das espécies).

Qual seria a observação ou experimentação que teriam de suas afirmações sobre a ação de seu fantasmão providente? E ainda mais dos atos deste que berram como fatos incontestáveis, como o surgir de um elefante miraculosamente sobre a grama da savana africana?

A radiação de microondas de fundo, a mais antiga imagem possível de ser obtida de nosso universo, pouco posterior a ele passar a ser transparente.



(4) Não sabemos sequer se o Big Bang aconteceu ou apenas pode ter acontecido.


Serei econômico. Já tratei disso na questão anterior.

E para coroar, a pérola de incoerência:

Por que existe o ser e não antes o nada?*

Sim, então, porque existiu num "período", somente Deus, e não o nada, pois pela própria argumentação deste senhor, então, a pergunta permaneceria sem resposta.

Mas antes, uma pergunta, ainda mais perniciosa, e que OdC, para variar, escapa pela tangente, com seu rabinho, invariavelmente, entre as pernas:

Ainda que exista a divindade que gerou o tudo (fora ele, pequenos problemas que Espinosa pulveriza) por que raios teria de ser aquilo que chamam os cristãos, ou mais especificamente os católicos, de deus, ou mesmo, qualquer entidade consciente e inteligente, e ainda por cima, por que não, nosso querido U.R.I.?

Logo, se OdC não consegue nem colocar esta pergunta com a honesta dúvida, não pode fazer afirmação alguma além de sua própria ignorância. Para toda a Física moderna, mais e mais se tem mostras que o universo seja, pela simples produção de par de partículas observável em qualquer instituto respeitável de Física, fruto de um adensamento de bósons, que perturbou-se, há 13,7 bilhões de anos, e parafraseando Voltaire, assombra-nos tal universo e cremos procurar em vão, que haja um relógio e um relojoeiro não.

*Curiosamente, esta é a mais profunda pergunta tanto da Metafísica quanto da Cosmologia. Por que existe o ser (natureza) e não o nada (absoluta falta de entes físicos)? A diferença, é que todos os que questionam esta questão seriamente, não colocam um fantasmão vingativo e falho de um povo analfabeto da Idade do Bronze como resposta.


OdC afirma:

Passou o tempo em que as declarações de físicos eram ouvidas como decretos divinos. Hoje elas se arrogam uma autoridade supradivina, julgando e suprimindo o próprio Deus. Mas nem mesmo se contentam em fazê-lo na esfera das puras considerações teóricas: estendem sua jurisdição a todo o campo da existência social, exigindo que a educação, a cultura e as leis se amoldem à sua cosmovisão científica, sob a pena de serem condenadas como atos de fanatismo e crimes contra o Estado democrático.

Adaptando:

Passou o tempo em que as declarações de religiosos eram ouvidas como decretos divinos. Hoje elas se arrogam uma autoridade supradivina, julgando e suprimindo o próprio Deus. Mas nem mesmo se contentam em fazê-lo na esfera das puras considerações teológicas: estendem sua jurisdição a todo o campo da existência social, exigindo que a educação, a cultura e as leis se amoldem à sua cosmovisão religiosa, sob a pena de serem condenadas como atos de heresia e crimes contra um pretenso Estado teocrático.

Por isso mesmo, digo que esta gente é muito mais perigosa que parece.

Ironizando, eu então disse que Hawking, em desespero pelas afirmações de OdC, saiu em disparada, com sua cadeirinha, por Cambridge a fora.


Hawking e um emu, um pitoresco momento do "grande mestre da gravidade".

 Mas o mais interessante é que Hawking e seu parceiro nesta obra, Leonard Mlodinow, não afirmam que "provaram que deus não existe" (contrariamente a determinados personagens, até premiados por instituições como a Templeton, e curiosamente, partindo do Big Bang), nas palavras deles:

Deus pode existir, mas a ciência pode explicar o universo sem a necessidade de um criador. - Stephen Hawkin

Não dizemos que provamos que deus não existe. Nem ao menos dizemos que provamos que deus não criou o universo. - Leonard Mlodinow

Contrariamente aos teístas primários e crentes simplórios, nós, os céticos, os cientificistas, até os pensadores humildes frente a grandeza da natureza, não afirmamos nossas certezas, mas enfrentamos nossas dúvidas.



Por não termos instrumentos capazes de mensurar toda a natureza, não podemos estar certos de termos uma teoria final. - Marcelo Gleiser



Antes de encontrar as respostas, precisamos de novas perguntas. - Karl Popper




Você é quase tão ateu quanto nós. Quando você entender por que não acredita em todos os outros deuses, saberá por que não acreditamos no seu. - Slogan dos neo-ateístas

Fechando este, um citação que muito gosto:

Reconhecer que cada molécula que constrói nosso corpo, e os átomos que constroem as moléculas, podem ser rastreados até os núcleos incandescentes de estrelas de alta massa que explodiram e lançaram seus interiores quimicamente ricos na galáxia, enriquecendo quimicamente nuvens de gás primordiais com a química da vida. Desta forma, estamos todos conectados: biologicamente uns com os outros; quimicamente com a Terra e atomicamente com o resto do universo. Isto é maravilhoso. Isto me faz sorrir e, na verdade, isto me traz uma sensação de grandeza. Não que sejamos melhores que o universo, nós somos parte dele. Estamos no universo e o universo está em nós.
         
Neil deGrasse Tyson

quinta-feira, 10 de março de 2011

Pérolas, peixes, pH, dilúvio e uma dita tautologia I

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Em meio a aquáticas argumentações, uma pérola


Uma afirmação de um criacionista que anotei, ao tratar de alteração de pH em lagos que permite apenas a sobrevivência de uma variedade, quase uma curiosidade:

Alem do mais essa historia de pH da água, que matariam os peixes, como saberiam o pH da água? (sic)


Para mais representações artísticas do mito de Noé, http://www.maritimequest.com/misc_ships/pages/noahs_ark_3000bc_page_1.htm.

Observemos o absurdo do raciocínio do criacionista: uma forma de vida teria de "saber" em qual o pH que viveria. Algo tão insano como eu ter de "saber", ainda no útero de minha mãe, que teria de respirar oxigênio.

O pH da água, seja doce ou salgada, seja de um lago alcalino da África ou um água mineral ácida da Itália...

existe, tão simples e claro quanto isso.

E nestas águas, como se vê no México ou na Ásia, na Austrália ou no Brasil, existem formas de vida apenas adaptadas a este pH (o que na verdade, é afirmar que sobreviveram, por gerações, neste meio). Assim, ao se variar o pH deste meio, morrerá a espécie em questão.

Se o dilúvio bíblico homogenizou as águas do mundo (obviamente porque cobriu a Terra),...
ferraram-se a vida destas espécies.

Perdão pelos termos.

Assim, dizer "como saberiam" ou joça similar, perdão, afirmação apriorística de mesma natureza, não tem sentido fisico-químico (e deste, o biológico). Da mesma maneira que por gerações e gerações, nós, os humanos (conjuntamente com uma infinidade de seres vivos conosco aparentados), vivemos respirando oxigênio apenas do ar, e não temos nem brânquias para absorvê-lo da água.


Complemento: Noutras palavras, águas, atmosferas, posição do planeta, tamanho de sua estrela, são prévios à existência da vida e de suas formas, e não colocados e feitos assim ou assado para a sua existência, conformação ou mesmo simples conforto. Invariavelmente, criacionistas caem na falácia da poça d'água, seja em versões mais radicais, seja em mais sutis.

Mesmo nas questões de que as formas de vida modificaram determinadas características da Terra, como a própria composição da atmosfera - o oxigênio molecular só surge após os fotossintetizantes (ver eu texto Hipótese Gaia - Fotossintetizantes e o oxigênio) - as formas que passaram a aproveitar o oxigênio na atmosfera não foram as que se modificaram para absorvê-lo, mas que o aproveitaram porque sobreviveram à sua existência, inclusive, o aproveitando em seus processos energéticos, e o organismo chave para tal aproveitamento foi as primitivas mitocôndrias, ainda bactérias independentes (recomendo: Origem das mitocôndrias: a teoria da endossimbiose - http://www.seara.ufc.br/). Se o processo estocástico da vida tivesse se direcionado por outro caminho, talvez teríamos uma abundância de descententes de absorvedores/produtores de sulfeto de hidrogênio, que inclusive, causam problemas de corrosão em nossos projetos de engenharia (ver Érica Santos Carvalho de Almeida, Maria das Graças Machado Freire, Shirley Katyanne Lemos Rabelo; AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DA PRESENÇA DE BACTÉRIAS REDUTORAS DE SULFATO EM LINHAS DE PRODUÇÃO DE PETRÓLEO NA BACIA DE CAMPOS).

Observação: Serei sincero; seguidamente, uso deste blog para acumular referências inclusive para minha atividade profissional. Acredito que não prejudico suas leituras e somo no que, sejamos claros, sustenta o tempo que aqui é gasto.

Para uma leitura mais completa sobre organismos redutores de sulfato: Sulfate-reducing bacteria


Dois caminhos de decomposição bacteriana que não passam pela necessidade de oxigênio e produzem gases que não nos são interessantes diretamente (cepsar.open.ac.uk).

Criacionistas tem um imensa dificuldade de entender que as espécies não são planejadas para tal meio, e sim, sob toda a análise e evidência, são sobreviventes a tal meio.



A capacidade do canoão


Como coloquei no debate onde surgiu esta bela pérola:

Dilúvio universal bíblico é mito e nada mais, e quanto muito, e com tal concordo, o ponto que foi somado a outro ponto e acabou, num conto, virando reticiências.

Obs.: Da clássica frase: Quem conta um conto, aumenta um ponto.

Explico: Em determinado ponto da história, o mito da arca deveria lhe atribuir um tamanho grande para uma embarcação do período, mas ainda razoável, construível pela engenharia e arte da construção de embarcações do período. (Ainda que concorde que, em seu surgimento na cultura hebraica, o mito pode ter nascido de um fato até heroico de uma determinada família).

A medida que o comércio, a troca de cultura, as representações diplomáticas e até as invasões mostraram aos hebreus um sem número de desconhecidas espécies (lembremos que somente entre os grandes mamíferos, acima de tonelada, já chega-se à dezena) o tamanho da arca, para manter uma mínima coerência com os fatos, e um então senso comum de que as espécies eram fixas e estanques, levou ao aumento de suas dimensões, chegando a um absurdo, e ainda sim, não podendo conter as formas de vida nem do presente, quanto mais, do passado. Os criacionistas modernos (uma irônica contradição em termos) solucionam este terrível dilema (e poupam de ainda aumentar mais a arca) com os baramins.

Tratei do tema com mais detalhes aqui: Macro e Microevolução, Baramins, algumas observações

Para me obrigar a uma futura tradução: Baraminology - Wiki (en)

E para termos um momento leve, palavras de meu profeta, Francisco, O Herege:

Eis pois que o Herege colocou-se a divagar,e lhe deram ouvidos e o julgariam, ao final, sábio.
 
Em verdade vos digo que aos hebreus, ignorantes e primitivos, não haveria necessidade das plantas ou mesmo suas sementes serem salvas na arca, no noéico impossível canoão, pois considerariam que as sementes seriam imunes aos efeitos dos mares, diluídos ou não, e até é citado "o sal da terra" no bíblico texto, com o sentido que este seria necessário e não prejudicial. 

Para tais ignorantes povos, as plantas seriam algo inerente ao que chamaríamos geologia, pois não precisariam de coisa alguma, além da água e do Sol e de serem ao solo colocadas, para nascerem e crescerem. Seriam, pois, não formas de vida propriamente ditas, como os destacados animais em Gênesis, mas como as ali citadas "ervas", que de tudo independeriam e já teriam sido colocadas mesmo antes do Sol por Jeová no mundo.

E tremei, pois AQUILO vos cobrirá!

E ofereceram-lhe suas irmãs e filhas, e o Herege agradeceu-lhes, mas disse que sua concubina permitia apenas que fosse presenteado com nobres cervejas.




Como os criacionistas imaginam o processo evolutivo. (bestofb.wordpress.com)


O inconstante meio

Constantemente, uso o exemplo de um lago, que possui determinado pH, e nele vive determinada espécie de peixe, obviamente, adaptada - o melhor seria dizer agora resistente - a tal pH específico.

Com uma erupção vulcânica, tal pH baixaria, pela formação de, predominantemente, ácidos derivados de enxofre. Esta espécie, nesta população, dentre seus indivíduos, seria portanto selecionada. Sobreviveriam apenas os indivíduos mais aptos ao meio em modificação.

A seleção natural é a mais evidente das afirmações da Teoria da Evolução.

Nota: Posso afirmar, inclusive, que a Paleontologia é a compilação maior de suas evidências, pois todas as espécies extintas de nosso passado foram selecionadas, e não sobreviveram ao filtro implacácvel das modificações do ambiente.


Um convincente imagem do que realmente seja o fator da seleção natural (helsinki.fi).

A partir desta seleção, esta espécie, agora resistente a tal pH, provavelmente não seria, ao longo de gerações, mais resistente a pHs mais altos, e portanto, ficaria isolada e até incapaz de migrar por rios, riachos e mínimos córregos que ligasse tal lago acidificado a outros mais alcalinos.

Poderíamos afirmar o mesmo para a temperatura, que explicaria as populações de peixes resistentes à águas quentes no México, ou a salinidade, que já explicaria muito das espécies de água doce, assim como seu retorno aos mares. Existem inclusive variedades de peixes mexicanos resistentes à águas com um alto teor de sulfeto de hidrogênio, Poecilia sulphuraria.



A resistente "molinésia" (Poecilia latipinna) dos aquários domésticos, oriunda da América Central, resistente a variações de salinidade. (hobbyland.bio.br)

Mas a questão mais importante é esta:

Os aptos são aptos a um meio que não é fixo, e se este se modifica, o anteriormente apto não necessariamente se mantém apto, e pode não mais sobreviver.

Um acréscimo: as vegetações e determinada fauna, nas planícies próximas ao oceano tanto nos tsunamis do oceano Índico de 2004 quanto no do Japão destes dias, será selecionada pela salinidade residual deixada pela penetração das massas de água salgada terra a dentro, e esta salinidade só decairá com a lavagem proporcionada pelas chuvas e irrigação (o que do ponto de vista da salinidade, dá no mesmo). A seleção se mostra em cada evento de maior escala de nosso planeta, mesmo em nossos dias, e por mais sutil que seja, é determinante nas formas de vida que ficam se perpetuam. Da mesma maneira, na maior escala, as extinções do Permiano-Triássico e do Cretáceo-Paleogeno propiciaram apenas a sobrevivência de animais que pudessem sobreviver com as condições de toxidade da água e atmosfera, ausência de vegetação e uma cadeia alimentar que não dependesse de abundância de vegetais, que também sucumbiram às condições climáticas e de luminosidade. Para todos os efeitos, a poça d'água onde a vida floresce se mostra a mais inóspita para contê-la, ou se desejarem, sem metáforas, o universo mostra que odeia a vida, mesmo em nosso relativamente pacato planeta.


A dita tautologia

A clássica afirmação criacionista:

Seleção natural é a sobrevivência dos mais adaptados. Os mais adaptados são aqueles que sobrevivem. Portanto, evolução por seleção natural é uma tautologia (uma lógica circular).


Wilkins, J. (2006) Evolução e Filosofia - uma introdução. Uma boa tautologia é difícil de encontrar. Projeto Evoluindo - Biociência.org. Trad.: Fernando Lorenzon

Até Popper enveredou por este infeliz argumento:

...dizer que uma espécie atualmente viva está adaptada ao seu ambiente é, de fato, quase tautológico...

E erra também ao considerar que as espécies possam fazer algo sobre si mesmas que lhes permitam modificar-se ao ponto de sobreviver, mesmo a coisas simples, como pH da água de um lago:
Todo organismo e toda espécie encara constantemente a ameaça da extinção; mas essa ameaça toma a forma de problemas concretos que ele tem que resolver.

Alves Ferreira; Sir Karl Popper e o darwinismo; Sci. stud. vol.3 no.2 São Paulo Apr./June 2005
Marcelo

Citando um excelente texto:

Afirmar uma tautologia é afirmar algo como "as mesas são mesas" ou "as pedras pesadas são pedras pesadas". Uma teoria construída sobre tautologias não tem poder explicativo. Por esse motivo, o darwinismo também não tem poder de antecipação*. Se uma geração até agora sobrevivente não sobreviver para além dela é porque não se adaptou às novas condições ambientais. A aptidão é relativa somente às condições existentes não se podendo afirmar nada além de algo como "os que são aptos aqui e agora sobrevivem aqui e agora".

Rogério Soares da Costa; O DARWINISMO NA EPISTEMOLOGIA TARDIA DE SIR KARL POPPER; Kínesis, Vol. II, n° 03, Abril-2010, p. 316 – 330

* Mas tem de explicação dos fatos passados e permite claramente previsões dentro de um quadro estocástico: ou seja, não temos como, dada a evolução dos ungulados, saber os específicos designs oriundos das atuais vacas, mas sabemos que populações de vacas podem, sob condições que já observamos, dar origem a novas espécies de ungulados, e evidentemente, de outros ungulados descendem,


Um bom conjunto de ungulados conhecidos na Paleontologia, do Eoceno (scienceblogs.com).

Popper retirou essa objeção posteriormente, embora não se saiba se a contra-gosto ou não. De qualquer modo, mesmo que Popper não a tivesse retirado, essa objeção de tautologia não permaneceria, não seria sustentável como argumento lógico para tratar as afirmações da teoria da evolução. A seleção natural não é tautológica - apenas que sua verificação é sempre a posteriori, aliás como em qualquer observação científica.[Nota 1]  Logicamente, devemos destacar que ainda não temos máquina do tempo para realizar observações, para de uma maneira empírica poder testar o que aconteceu há milhões de anos, um a-historicismo do materialismo mecanicista, especialmente, no caso, na paleontologia, igualmente aplicável em geologia, astrofísica e cosmologia, ciências com afirmações históricas, no caso, respectivamente, a história da vida, a história da Terra, do sistema solar e dos demais corpos celestes e do próprio universo.

Porém se até hoje a teoria darwinista mostra-se incontestável é precisamente pelo fato de que até hoje não pôde ser falseada.[Nota 2] Essa teoria o nos indica que, se bem que não temos, como sempre, os 100% de probabilidades de afirmar que seja verdadeiramente certa (precisamente porque não temos uma máquina do tempo), a temos com uma probabilidade muito grande de confiança ela seja a correta modelagem dos mecanismos da variabilidade e diversidade da vida. Porque todos os testes parcias de tipo empírico realizados  - observações e experimentos - até hoje não refutaram a teoria, senão que a validam.

Nota 1: Toda observação é feita de um passado ainda que próximo. Mesmo uma observação num microscópio de apenas 1 mm entre a lâmina e a objetiva, implica num tempo transcorrido de frações de segundo (para manter minha fama de chato mas exato, 3,33 x 10^-12 s). Mesmo a mais "instantânea" (aqui, as aspas se tornam necessárias) observação, numa instrumentação com funções que operem à velocidade da luz, mesmo para as menores distâncias e trajetos de informações/impulsos, terá uma implicação de tempo, e sua análise, obviamente, se dará num momento posterior. Não existe, na natureza, uma observação instantânea/presente.

Nota 2: Mantive o acento por efeitos didáticos, pois a evolução póde perfeitamente ser falseada, e por isso mesmo, a Teoria da Evolução é uma teoria popperianamente científica. Como ela nunca o foi, e suas hipóteses sobrevivem, e se consolidam, são corroboradas, mantem-se não só como a explicação e modelagem para a diversidade e variação das espécies no tempo, mas como a teoria eixo, unificadora, da Biologia.


A afirmação da teoria da evolução, em sua forma mais simplificada, pode apenas parecer tautológica, como destacado aqui:

Além disso, o darwinismo, em sua formulação básica, segundo Popper, é quase tautológico. A teoria evolutiva afirma que os mais aptos ou adaptados a um ambiente tendem a sobreviver e se reproduzir em maior número, transmitindo assim a seus descendentes suas características. Os mais aptos são definidos como aqueles que têm sobrevivido com maior freqüência. O enunciado-padrão do darwinismo "os mais aptos tendem a sobreviver" será então tautológico, pois se substituirmos "mais aptos" por sua definição corrente, teremos: "aqueles que têm sobrevivido com maior freqüência tendem a sobreviver." - Rogério Soares da Costa; obra já citada.

Mas na realidade, a afirmação neste campo da Teoria da Evolução, funciona assim:

- Uma característica A está associada a uma maior sobrevivência (ou capacidade reprodutiva) de indivíduos de uma população na geração 1.
- Hipotetiza-se que essa mesma característica A estará associada a uma maior sobrevivência de indivíduos dessa mesma população na geração seguinte.

Ela parece tautológica apenas quando se esquece da diferença entre "geração 1" e "geração seguinte". A hipótese é formulada pela observação na geração 1, a hipótese é testada pela observação na geração 2.

Seria tautológica apenas se a hipótese fosse formulada e testada pela mesma observação na mesma geração.


Dois animais classicamente aptos aos seus meios. Evidentemente, ao meio dum se modificar em direção ao do outro(como por exemplo, temperatura e presença de massas de água), ambos não serão mais aptos. Exemplos simples e claros derrubam uma teimosia patética dos criacionistas em afirmar que seleção natural não ocorra.

Acrescento: Aqui, seguidamente, criacionistas afirmam que uma espécie, como uma lagartixa, tenha de se transformar num dinossauro numa única geração, e até mesmo numa mesma população, pedindo um milagre de transformação que a Teoria da Evolução nem se interessa em afirmar, e ao mesmo tempo, negando que lobos possam se transformar tanto em buldogues quanto galgos, mesmo na História humana (notemos a maiúscula), assim como negando que algo parecido com uma atual doninha ou furão tenha se transformado em todos os carnívoros que hoje vemos, inclusive, as doninhas e os furões, passando por todas as formas de vida que representam os carnívoros no registro fóssil recente, e o mesmo, infindáveis vezes em teimosia, com todas as formas de vida - pois não existem mais lacunas significativas na árvore da vida, apenas, detalhes.

Alguns segundos de pesquisa de imagens no Google despeja imagens da variedade dos cães:

A clara na História e na Arqueologia evolução dos cães (artemnebo.edu.ms).


pbs.org

Para um enorme cladograma dos cães, vivos e extintos, recomendo a Enciclopédia Delta de Ciências Naturais, que mesmo sendo dos anos 50-60, ainda contém um dos maiores gráficos do gênero, e alerto que a diversidade das raças aumentou, e permanentemente, surgem novos standards (bastam 5 minutos de conversa com um criador de pitbulls para se ter ideia da atual diversidade deta raça).


A evolução dos carnívoros se torna cristalina, até diria, quando se observa suas formas num quadro mais amplo (blog.educacional.com.br).


Anexos


1)

Uma filogenia da família dos canídeos:


retrieverman.wordpress.com


Interessante gráfico, embora acredite, e pesquisarei no futuro, se não há uma troca de imagens entre dois dos ancestrais dos cães:

webspace.webring.com

A ancestralidade/diversidade dos cães é tão conhecida que até "nossos amigos" propiciam referências científicas de seu estudo: Dog / Wolf breeding history and genetic diversity - http://www.nwcreation.net/.


2)

A diversidade dos ursos e seus parentes mais próximos, sua ancestralidade, é clara também num quadro mais amplo:


giantpandaonline.org
Para um bom panorama formal da evolução dos ursos, recomendo:

Bruce McLellan; A REVIEW OF BEAR EVOLUTION; Int. Conf. Bear Res. and Manage. 9(1):85-96

3)


Por variações amplas no tempo, torna-se evidente também a evolução das baleias.

news.nationalgeographic.com


Cetacean Evolution - palaeo.gly.bris.ac.uk


4)



Devemos perceber que leões "com juba" são claramente africanos, e tigres são claramente asiáticos, e um tanto das ilhas do Oceano Índico. Mas no passado, a variedade de felinos foi um tanto maior, e existia o leão "sem juba" (mais corretamente, deveria dizer "pobre de juba"), o leão europeu, muito bem descrito e retratado pelos romanos e gregos.



Também existia o tigre do Cáspio, que possuia uma pequena juba, e que foi inclusive fotografado (extinguiu-se, formalmente, nos anos 1960).

Tigre do Cáspio no zoológico de Berlim, em 1899.
Resumindo, não só as raças tem de continuar aumentando em variedade, pois a vida diversifica-se permanentemente, como o dito "ápice da criação", estes macacos pelados que perambulam pelo mundo, vem fazendo besteira com as mais belas (e úteis) formas de vida desde os tempos bíblicos.

5)

Um texto de Einstein que casa perfeitamente com o que sejam as implicações da demarcação e falseabilidade na ciência moderna:


A fé em um mundo exterior, independente do sujeito que o percebe, se encontra na base de toda ciência da natureza. Como as percepções dos sentidos não dão senão informações indiretas sobre esse mundo exterior, sobre esse 'real físico', este só pode ser apreendido pela via especulativa. Daí resulta que nossas concepções do real físico não podem ser jamais definitivas. Se quisermos estar de acordo - de uma maneira lógica tão acurada quanto possível - com os fatos perceptíveis, devemos estar sempre prontos a modificar essas concepções.


6)


Recomendações de leitura sobre seleção natural como uma tautologia:

Jim Loy; Is Natural Selection a Tautology?

Jason Rosenhouse; Is Natural Selection a Tautology?

David B; Is Natural Selection a Tautology?


Realmente não resisto a ironizar os criacionistas. (buzzfeed.com)


Obs.: Grande parte deste texto foi elaborado a partir de texto do biólogo Roberto Takata e outros interlocutores em um debate então disponível na internet, adicionado de textos de outro debate, devidamente modificados, corrigidos e adaptados.