quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A Origem ( II )

... de muitos erros

Nota: Caro leitor

Se Nolan pode produzir arte com quase caos e agradar, acredito que possa tratar da mente humana com o mesmo nível de compulsão, até diria despejo, de textos. Assim, se já estiver perdido em meio a meus devaneios, aí vai o link do primeiro destes textos, visando facilitar sua já, garanto, atribulada vida:

A Origem



A velocidade de operação da mente



Piaf, a legítima e uma que poderá ficar ter ficado mais impressa em sua mente, e uma maravilhosa jogada para fisgar a mente do espectador, da parte de Nolan e sua equipe.
 

Um elemento fundamental na estrutura da narrativa em camadas de A Origem que deve ser tratada é uma suposição, até diria uma imposição, no nível do subconsciente, opera a uma velocidade 20 vezes maior que na vigília, ou consciente. Sinceramente, lindo como argumento para a construção do intrincado roteiro do filme, mas um lixo como questão do funcionamento da mente. A mente é até um tanto lenta, e “difusa”, opera com sutis falhas, e é incapaz de construir, por exemplo, estruturas de informação muito complexas, com o um projeto arquitetônico (percebam por onde irei adiante) sem um suporte, digamos, papel e lápis. Mesmo as mais bem dotadas mentes em seus campos na história usaram de suportes, e erraram, mesmo com eles, inclusive, os arquitetos e artistas, que poderiam bolar fantásticas estruturas mentalmentes, mas não sem corrigir inadequações e refazer pinturas, por exemplo, posteriormente, ou como num caso divertido, errar a estátua e sua altura para passar depois sob uma ponte. Por pouco o Davi não perdeu a cabeça. Raios X revelam camadas e camadas de correções de conceitos, que talvez inicialmente parecessem sólidos e lindos, em qualquer grande pintura. Sem falar que até as mãos operando os suportes tremem.

Um detalhe que tenho de tratar no filme é que uma voz, como a de Piaf, ainda que muito aguda, com, digamos, notas de 14 kHz *, ao ser “rodada” em 20 vezes menos velocidade (os termos aqui são do meu lado produtor musical) rodaria em 700 Hz, e já teria forte tons médios, e noutro nível ainda mais fundo, seria ouvida a 35 Hz, e seria ouvida como um baixo profundo, e cada prato da bateria (“hihat”, entre nós, os musiqueiros, que por sinal, nos apoiamos em computadores, hoje) seria o mais profundo gongo.

* Duvido que a dita senhora atingisse bem isso, ainda que como harmônicos. O espectro do que produzimos é amplo, e do que interpretamos, nada que seja uma análise de espectro de qualquer software. Ouvimos, na verdade, "esboços" do que sejam os sons do mundo.
Podemos também alertar para o fato que diversas frequências que transformadas resultariam inferiores a 20 Hz deixariam de existir para o ouvido humano. Um limite forçado de 22 kHz no agudo rodaria num “sonho dentro de um sonho” a 55 Hz, que já seria um som suficientemente baixo para um ouvido como o meu, que é relativamente bom para música, mas de espectro de frequências um tanto sofrido, não ouvir.

Mas segundo consta, o cérebro é muito plástico, e dificuldades auditivas não mostram-se um impecilho para produzir música, como mostrou um certo gênio alemão.

Logo, como diz Ariadne, a “arquiteta”, temos de mexer com a física do lugar, seja ele na nossa mente ou não.

Mas voltemos à velocidade da mente e o que chamarei “sua resolução” (que inclui até detalhes do piso de uma visualização mental e sons).

Quando vemos, não vemos com mais que uma pequena área central de nosso campo de visão, e somente ali com relativos detalhes. Logo, só podemos memorizar, e tal se dará com ainda mais perda de informação. Somos um sistema parecido com o que o mp3 é para a música - aliás, o mp3 se baseia exatamente em como interpretamos cerebralmente sons - o jpeg é para imagens e a mistura dos dois é para o vídeo. E convenhamos, que quando possuímos a visão e a audição, armazenamos o mundo aproximadamente no que seja o vídeo.

Mas notemos: realmente “armazenamos a história”? Eu guardo os primeiros momentos de minhas lembranças, andando em meu “Jeep de lata vermelho” em Passo Fundo, com a resolução e ambiente registrado numa velha fita VHS?

Não. Claro que não. O cérebro acumula dados por associações de ideias, sejam quais sejam, e registra o Jeep pelo simples fato de ser parecido com um Jeep (seria um absurdo dizer que se tratasse de uma miniatura, ainda que sonhemos com miniaturas e até expansões de qualquer coisa), e duvido que minha memória registre o exato tom de vermelho no qual foi pintado.

Mas busco estas memórias com velocidade?

Diria que no nosso prático, pelo que nos é útil e possível, e ao qual estamos acostumados, sim. Mas quando dizemos que 2+2=4, não fazemos de forma alguma computação, e sim, um também exercício de memória. Somos máquinas neurais que até usam lógicas, mas de forma nenhuma máquinas lógicas, como as mais remotas máquinas de calcular dos gregos, as calculadoras de Pascal e os diversos ábacos, que por sinal, diversos serviram de suporte aos mais poderosos cérebros matemáticos, que todo bom cérebro, muitas vezes eram defeituosos em outros campos.

Tratando especificamente de velocidade, o processamento cerebral humano é limitado por uma transmissão de impulsos nervosos que é da ordem de metros por segundo, e nada comparado a correntes elétricas propriamente ditas em condutores metálicos, ou a resposta de magnetização, carga, capacitância dos circuitos eletrônicos das poderosas máquinas digitais que construímos, que dizer da velocidade limitante de qualquer coisa no universo que é a velocidade dos fótons no vácuo. Basta citar a resposta dos mais velozes corredores e nadadores, que gira em torno de centésimo de segundo, o que num processador como o dos servidores da internet já permitiria pesquisar milhões de páginas.

Somos, como mente operando num cérebro, repito, uma máquina neural, que opera por variáveis quantidades de neurotransmissores e impulsos eletrolíticos, num meio viscoso e repleto de desvios e descontinuidades. Ainda que o cérebro seja uma estrutura eficiente e compacta, é uma arquitetura um tanto confusa, pois é, como toda estrutura biológica, fractal, e até forçando uma rima, apenas funcional. Mais que nunca, não somos o projeto teleológico de uma mente suprema, mas os sobreviventes de um caos de acasos, ainda que você ou qualquer um possa achar que tal 'divindade' (que não me interessa, de forma alguma) possa estar ditando os destinos do universo não por linhas tortas, mas por teias confusas.

Mas citando o vermelho de meu divertido Jeep de lata (embora pela maneira como o pilotava, terrível para o stress de meu pai), será que registramos mesmo como seja a natureza, sem falar da exatidão do que sejam suas, se é que existem, cores?

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A Origem

... de muitos erros




Sinceramente, acho um desperdício falar bem de A Origem (Inception, 2010) como filme. O que poderia ter sido feito de elogioso sobre este filme já li e ouvi, ou foi escrito e lido (e concordo plenamente!).

Por outro lado, entrando no terreno do que há anos aprendi que se chama “catar piolhos”, vejo nele a oportunidade de tratar de um complemento a meu texto “Cérebro humano, o que ele NÃO é”, e certas coisas que discuti nos últimos tempos, sobre o funcionamento do cérebro e da mente, que sob toda a análise, são coisas, ainda que separáveis enquanto funcionamento do cérebro como um todo, inseparáveis como a operação da mente - noutras palavras, o cérebro opera sem operar a mente, como em determinados reflexos e até quando dirigimos, mas não quando a mente opera, como escrevendo este texto, que inevitavelmente, será meu cérebro operando minha mente.



Um sonho dentro de um sonho


Sonhei

Que estava sonhando um sonho sonhado
O sonho de um sonho
Magnetizado
As mentes abertas
Sem bicos calados
Juventude alerta
Os seres alados
Sonho meu
Eu sonhava que sonhava
Sonhei
Que eu era o rei que reinava como um ser comum
Era um por milhares, milhares por um
Como livres raios riscando os espaços
Transando o universo
Limpando os mormaços
Ai de mim
Ai de mim que mal sonhava
Na limpidez do espelho só vi coisas limpas
Como uma lua redonda brilhando nas grimpas
Um sorriso sem fúria, entre réu e juiz
A clemência e a ternura por amor da clausura
A prisão sem tortura, inocência feliz
Ai meu Deus
Falso sonho que eu sonhava
Ai de mim
Eu sonhei que não sonhava
Mas sonhei

Sonho de um Sonho - Martinho da Vila



Aqui, titio Freud acertou em cheio: sonhos são os “vestígios do dia”, são um descarregar de informações inúteis, uma espécie, lembrando a analogia hardware-software do cérebro, da desfragmentação e limpeza da lixeira de um sistema operacional/HD de um computador.

Assim, ao contrário da realidade virtual ligada aos sensores, a captação dos sentidos de Matrix, uma conjunção do funcionamento da mente/cérebro durante os sonhos levaria a somar, digamos meu leitor, a confusão típica dos sonhos, ainda que parcialmente dirigível, em estados de “sono mais leve”. O próprio trem pelas ruas de Los Angeles já é uma força destrutiva do argumento em, pleno filme de Christopher Nolan. Explico novamente: muitas vezes, em sonhos agradáveis, com “características de filmes”, consigo aproximadamente fazer-lhes modificações, gerar um mínimo, porém não total, controle, e aquilo que definimos como “onírico” ( e a palavra já diz tudo) predomina.



Assim, retomando, ao fundir seus sonhos com os meus, não colocaríamos a sua coerência (que nem propriamente existe em mente alguma, adiante trataremos disto) somada a minha. Somaríamos dois “universos oníricos”, e eu ter citado num texto um trem, como do dia de hoje, e “Nolan”, faria gerar confusão de um trem, até de brinquedo, por outra informação inútil, indo para uma cidade chamada “Nolan”, por exemplo, talvez passando por um túnel que fosse coberto pelas pequenas aranhas robóticas de Matrix, que citei acima.

Assim, a operação de desfragmentação e limpeza das lixeiras de nossas mentes não é um ambiente estável para o furto e a construção de golpes, até porque quem sonha também estará em meio a confusão, e não será capaz de atos conscientes, e nem minimamente coerentes. O ambiente será não o planejamento calculista de um grande ladrão e golpista, mas os versos oníricos do memorável samba-enredo acima.

Mas poderá, em meio a estas operações de recompactação e ganhos de eficiência da memória, produzir ótimos roteiros para filmes, mesmo poderosa literatura, inspirações para músicas e até solucionar dilemas de trabalho científico como o lendário caso de Kekulé.


A seguir, tratemos dos “níveis crescentes de velocidade”, e mostremos que nosso cérebro/mente, consciente ou não, é muito mais lento que nos parece uma mitológica “velocidade do pensamento”.

domingo, 22 de agosto de 2010

A Origem...de muitos erros - O Fio de Ariadne

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Um índice para este labirinto de postagens.



Parte (I)

Um sonho dentro de um sonho


Parte (II)

A velocidade de operação da mente


Parte (III)

Era vermelho meu Jeep de lata?


Parte (IV)

Existe um totem confiável?

Intersectam-se nossos mundos/sonhos com outros mundos/sonhos?


Parte (V)

É confiável o mundo/sonho em que vivemos?

A instabilidade e falibilidade da mente humana


Parte (VI)

O erro de Aristóteles

O erro de Descartes

O erro de Locke, a falácia da tabula rasa


Parte (VII)

As traições do subconsciente

A ilusória isolada criatividade


Parte (VIII)

As ilusões dos sentidos

Atuamos melhor sob pressão

Comportamentos extravagantes


Parte (IX)

Minha memória e alguns fermentados

A queda de dominós que é a memória

Os atos falhos

Quando a ilusão domina o julgado real


Parte (X)

Falsas lembranças de ilusórias antecipações

A queda de dominós que é a memória (II)

Conceitos, Termos, Memes e Núons

Inspiradores e temerários anexos


Parte (XI)


Sono, o imprescindível

A plasticidade do cérebro

Quando o mau funcionamento encontra a loucura

Estranhos hábitos

Existe um "licor" das nossas memórias? E memórias que viciem?

A irreal felicidade do esquecimento e da fantasia

Alguns problemas com números

Consertando circuitos

A consciência e nosso difícil autorretrato


O delicado prumo do pião



Apêndices

Infográfico dos "níveis" de sonho/realidade de Inception (en.sanctius.net)?: