sábado, 20 de agosto de 2011

Acendam-se futuras lanternas - I

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Uma questão interessante em todo o universo ficcional de Star Trek é o que eu chamaria de "parapsicologia moderada". Um exemplo é o "toque vulcano": a interação de mentes através de tato. Deste, decorre até o "carregamento" da mente de Spock no dr. McCoy, extrema ironia.Um que outro personagem ao longo das séries com dotes de telecinese, telepatia, etc, mas atrelada a um imenso desenvolvimento tecnológico e evolutivo, não a dotes em si disto, como seria em simples humanos e outras espécies de mesma, digamos, idade. Quando nós e similares a nós estes poderes possuem, é em função de receberem tal capacidade de outrem muito mais poderoso ou por exóticas mutações aos moldes dos acidentes de Stan Lee, que disto usou em doses cavalares no universo Marvel.

A imagem simples e poderosa, quase uma letra de um alfabeto místico, do logo de Lanterna Verde.


Abordando por outra via, o que quero dizer é que simpatizo com Star Trek por não acrescentar personagens que derrubam naves com simples pensar, como se vê no universo de Star Wars - destacadamente nos jogos e seus trailers - e em diversas outros cenários de ficção científica. Ninguém é mais que humano (ou algo similar). Se sangra, morre, já nos ensinava o Major Alan "Dutch" Schaeffer, Arnold Schwarzenegger, em O Predator. Não há superforças, teletransportes produzidos pelo próprio cérebro. Seres vivos sangram, sofrem, machucam-se, falham, erram, morrem como morriam marinheiros ao atravessar os oceanos por séculos, aliás, o que Star Trek homenageia de maneira permanente.

Mas, entremeado nas peripécias da moralista tripulação de Star Trek, sempre houveram encontros que lembraram a origem de ficção "hard core" de onde foi esteticamente nitidamente inspirada, Planeta Proibido e seu avançado povo extinto, os Krell. Sempre houve as civilizações/seres que por meio de avançada tecnologia, conseguem o que para nós parece mágica (e para alguns, apenas atos de uma divindade tal a que afirmam ter criado o "tudo"): solidificar coisas (matéria) a partir de energia (ou algo igualmente longe da visão e do tato, como neutrinos, como em Solaris). Novamente em Star Trek, a própria tecnologia de holodeck da "Nova Geração" já dá passos humanos (e federados) nesta direção.

Aqui, evidentemente pelo título, quero chegar ao universo ficcional de Lanterna Verde. Desde que o conheci, dezenas de anos atrás, sempre foi meu super-herói favorito. Não é o extraterrestre que ganhou superpoderes e invulnerabilidade pelo nossa estrela amarelo e sua densidade molecular altíssima. Não é herdeiro riquíssimo e sua saga de justiça e vigilância contra o crime, nem mesmo o industrial que de mesma maneira, cria armaduras de alta tecnologia. Não é nem mesmo vítima de um acidente radioativo exótico, nem mesmo fruto de um deslize feliz da genética. Lanterna Verde é o sujeito comum, apenas intrépido e destemido, que na redenção de sua vidinha um tanto desregrada e sem grandes responsabilidades, é escolhido para ser o primeiro de nós a usar uma tecnologia que nos parece mágica sobre toda análise. Uma tecnologia tão fantástica que é colocável num pequeno anel, e deste, tudo se pode produzir.

Independentemente de ser alimentado à distância , e em algumas versões de seu mundo ficcional, com apenas comando de voz, seu carregador surge de um universo (hiperespaço?) paralelo onde fica guardado e carrega-se o anel como nós carregamos nosso celular ligando-o num carregador e na tomada. Não necessita de máquina colossal, como em o Planeta Proibido, nem da nave gigantesca de V'Ger, de Star Trek - The Motion Picture. Possui dados, possui sensores de defesa, cria até a "roupa" que seu usuário necessita. Dispensa naves para voar pelo espaço. Depende em limites apenas da imaginação de quem o use. Destaquemos: basta o anel.



É tão poderoso que limita até os atos maus de seu usuário, e o filme já mostra isto bem claro, e limitaria os "monstros do IDI", que foi a desgraça dos Krell, de Planeta Proibido.

Somemos na nossa apologia ao 'Lanterna': não respira de baixo d'água e se comunica com peixes (quem não vai rir com a ironia que foi feita em Big Bang Theory sobre Aquaman?), não é um personagem da mitologia grega ou nórdica. É onde o humano comum encontra a tecnologia extrema, que se funde com o que poderíamos chamar de divindade. É onde o mundo sem grandes pretensões intelectuais (aliás, quase nenhuma) dos quadrinhos de super-heróis encontra a ficção mais "hard core", ainda que na superfície, pincelada com as cores típicas da adolescência que domina as ideias destes quadrinhos.


Por estas razões e muitas outras que poderia detalhar, Lanterna Verde permite, em minha modesta opinião, vôos muito mais altos de criação em ficção científica que qualquer outro super-herói. - Perdão,  não resisti ao trocadilho. - Permite, inclusive, a construção de ficção científica "pura", independente de vilões, sonhos de dominar mundos ou mesmo destruí-los. E é claro, é visualmente mais elegante que capas, cuecas por fora das calças, colãs amarelos ou mesmo combinações berrantes de cores passando dos cabelos até as botas. Até sua logotipia é feliz e icônica, como vemos no topo desta blogagem.






Esqueçamos o mundo piegas e um tanto infantilóide típico dos personagens clássicos da DC (com exceção, fique bem claro, do "faca na bota" ao natural que é Batman), esqueçamos que o universo é um tanto maior só em supergrupos de galáxias para bastarem uns poucos milhares de indivíduos para policiá-lo. Só nas nossas cercanias já contamos planetas às centenas, e a recém estamos observando e detectando o beco estreito e escuro em que vivemos e morremos, tal qual os pais de Bruce Wayne. Esqueçamos as distâncias, esqueçamos as implicações da Relatividade, e até mesmo de que em velocidades imensas e impossíveis, simples cálculos de v=d/t .'. t=d/v .'. d=v*t  implicariam em impossibilidades de tais "estórias" demandarem séculos para seus "fatos" (tema que foi sempre muito bem cuidado pelo universo um tanto ópera de Perry Rhodan, com milhares de anos de enredos apenas focado em nossa galáxia).


Pulemos, é claro, a derrapada misticóide de "energia da vontade", "energia do medo", e outras bobagens típicas. Claro que poderia escrever, e o pretendo, longamente sobre a questão "vontade", que é ligada ao quase religioso "livre-arbítrio", à filosófica "liberdade" e sempre relacionada, questão difícil, aos físicos "aleatoriedade e indeterminismo". 


Pulemos, e de preferência esqueçamos, conflitos entre cores, seja verde, amarela ou qual for, pois o que nos interessará será, por exemplo, fótons e sua capacidade de transformarem-se em partículas "sólidas".


Pensemos apenas no que pode ser possível, que resumiria numa pergunta:


Podemos chegar (e pode alguém ou algo chegar) a ter tecnologia tão avançada que nos permita a partir de energia, seja na forma que for, produzirmos qualquer objeto que imaginemos?


Assim, chegamos onde pretendia, que são as leis de Clarke:

I. Quando um cientista distinto e experiente diz que algo é possível, é quase certeza que tem razão. Quando ele diz que algo é impossível, ele está muito provavelmente errado.


II. O único caminho para desvendar os limites do possível é aventurar-se um pouco além dele, adentrando o impossível.


III. Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia.



Então, que se acendam futuras lanternas, e se não encontramos ainda homens honestos e íntegros, como Diógenes de Sínope em vão parecia buscar, iluminemos as implicações disto, e no que os poderes dos anéis, lanternas e bateria dos Guardiões podem servir como modelo de explicar tais conjecturas.

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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Pestes

Leia com atenção leitor: somos a mais devastadora peste que este planeta já produziu.[NOTA]

A começar, pois nenhuma outra contou com acréscimo até de fissão nuclear como fonte de energia em seu substrato. Lembremos também que não somos uma espécie que "substituiu" outras. Somos a continuidade de espécies que sucederam-se, modificaram-se continuamente desde L.U.C.A., assim como todas as que nos cercam e que inclusive colaboramos com a extinção. Somos uma praga persistente, e agora, tremendamente poderosa.

Mas sempre tememos novas e antigas pragas, como recentemente, a "Febre Mexicana". Reafirmo: somos uma praga tão resistente que para desespero de alguns criacionistas, sobrevivi ao H1N1, e com não mais de 3 dias de uma suportável febre, um bocado de dores no corpo e um tanto de inconvenientes náuseas.

Claro que com pragas poderosas, referindo-se ao número de mortos, nos dias de hoje (e em qualquer tempo) teremos de considerar o fator população. A epidemia de gripe de 1918 teria infectado mais de 1 bilhão de pessoas, metade da população mundial naquela época. A população mundial atual totaliza quase 7 bilhões de pessoas (bastará outubro para passarmos deste número). Logo, na mesma proporção, teríamos um número muito maior de doentes e mortos. Mas não acredito que poderia ser muito a mais que isso, e adiante explicarei os motivos desta minha fé otimista.

Neste artigo tratarei de três filmes e temas relacionados, para abordar esta ideia.

Antes, um lembrete útil, há muito guardado: Antibióticos não ajudam em coisa alguma diretamente contra as viroses, mas não para infecções oportunistas que virão com as infecções por vírus. Nem pesquisarei números, mas mais gente morre de pneumonia, que é causada por bactérias, decorrentes de infecções em organismos debilitados por infecções por vírus, como gripes e resfriados, do que pelas próprias gripes e resfriados. Mantenha sempre seu sistema imunológico "para cima", ele fará com os vírus muito boa parte do serviço.

Epidemia (Outbreak, 1995 - IMDB)

Convenhamos: qual parte do planeta ainda não empestamos, e mesmo em nossos povos mais primitivos (aqui, com o sentido de fora do processo civilizatório, indústria e tecnologia) não habitou exatamente as mais profundas florestas?

Com quais dos animais do mundo, especialmente primatas, não mantém contato há milênios?

Então, como raios vai por um surto, começar a morrer exatamente numa destas populações lá há séculos?

Evidente que um vírus agressivo como o Ebola ou o Hanta seja extremamente letal. Mas percebamos que mesmo um Ebola modificado, como o ficcional "Motaba" se existente, já teria se disseminado por países como o Congo (ou Zaire, como queiram), ou mesmo pela África inteira, e aí, caro leitor, enfrentaria há séculos o que a humanidade produziu de mais eficiente para enfrentar (e enfrentou, em sua ancestralidade, por milhões e até bilhões de anos) estas pragas: sua diversidade. Não somos guepardos que por nossa própria ação são praticamente clones uns dos outros. Mesmo na áfrica possuímos etnias e subetnias tão diversas que uma virose letal à uma tribo ou povo inteira poderia apenas ser uma febre inconveniente para a tribo vizinha da primeira dizimada.


Mesmo grupos familiares dentro de um grupo étnico podem apresentar genética que suporte esta ou aquela virose. Mesmo questões menores, como o ordenhar vacas, poupou humanos ao longo da história de moléstias terríveis como a varíola, e aí está meu pai para mostrar isso, ainda em pleno século vinte, e mesmo sem a suave varíola bovina para uma vacinação natural e preparar sistemas imunológicos para apresentar uma limitada ainda que útil resistência, nosso indígenas, por toda a América, resistiram firmes e fortes à milhares de agentes infectantes trazidos por transmissores, que aqui podemos também chamar de espanhóis, portugueses, franceses, holandeses, ingleses e mais um tanto de africanos talvez com "Motabas" até já extintos, por serem predados implacavelmente por algum sistema imunológico oriundo de determinada genética que ainda não tinha enfrentado.

O ficional Motaba.

Claro que um vírus até inofensivo, como a "gripe das galinhas", pode mutar e se tornar a mais devastadora das gripes mexicanas ou gripe de um país logo ali na esquina. Mas também pelo mesmo motivo, a menininha frágil que nasceu há 300 anos, que mal sobreviveu a uma gripe fraca e teve tempo de produzir uma descendência que hoje chega aos milhares, que talvez em algum navio de escravos ou emigrantes foi levada para a América, onde morreu de uma outra infecção, também pode ter produzido um sistema imunológico que resistirá implacavelmente a esta mutada nova virose.

Assim, a aleatoriedade das mutações pode nos causar problemas, mas também é a fonte das soluções que nos perpetuarão.


O jogador de basquete Shaquille O’Neal e sua namorada, mostrando o quanto nossa espécie é diversa.


Vírus (Carriers, 2009 - IMDB)

Exemplo do que chamo de "meus preconceitos que viram pó". Quando vi sua resenha na barra de informações da TV por assinatura, julguei precipitadamente que se tratava de outra aventura dramaticóide de soluções fáceis como Epidemia. Trata-se de uma tragédia terrível razoavelmente bem contada, uma distopia com traços realistas. Mostra, de maneira chocante, o quanto podemos chegar a ser egoístas para proteger nossa própria vida, e o quanto teríamos de nos tornar "duros" (até com a mais íntima pessoa amada) para não propagar ainda mais a doença que nos aflige.



Não soma coisa alguma contra a argumentação que fiz acima, e igualmente, tem o mesmo erro fundamental: parte do pressuposto que nenhum sistema imunológico humano sobreviveu ao longo destes milhões de anos a todas as variações dos vírus que nos atacaram.

Pelo que já vi, o em breve a ser lançado Contagion envereda por uma infecção cujo principal fator é determinada proteína. O mesmo argumento teria eu de repetir: em milhões de anos, qual a variação que ainda não testou a aleatoriedade da natureza contra nós, que ainda não respondemos com aleatoriedade de igual impacto?

Cena de Contagion (trailer no YouTube).


Eu sou a lenda (I Am Legend, 2007 - IMDB)

Aqui, a variação criada no vírus do sarampo combate o câncer (perdão, ficcionista-pálida, mas fora a possibilidade real disto, da qual não discordo de forma alguma, qual câncer?) ou mata humanos (nada anormal, mas vejamos novamente a limitação apresentada anteriormente) ou os transforma em zumbis terríveis, com algumas nuances de sensibilidade à luz de vampiros.

Pausa: é evidente que a novela original é um clássico entre os clássicos, mas não muda em coisa alguma a questão.

Qualquer variação numa estrutura de vírus será limitada pelas leis da bioquímica (que são leis da química). Esta variação não será algo de transcendente, exótico, às variações já feitas e testada pela cruel sobrevivência - leia-se a seleção natural, implacável, que já apresentei nas entrelinhas acima - e mais uma vez, a frágil menininha com mutação favorável a isto, pode ter surgido em nosso passado, e estar aí, entre nossos daqui a pouco 7 bilhões de macacos pelados a empestar o planeta.

Agora, meu lado cruel com as ficções que não escrevi: que raios de ser vivo, ainda mais uma modificação de um humano, passa a ter força descomunal, temperatura corporal de um periquito, batimentos cardíacos de um gato num coração do tamanho de um porco de pequeno a médio (como é o nosso) e sobrevive sem alimento abundante anos a fio, em população significativa, não levando bala a torto e direito dos mais fortes de nós (a começar pelo sistema imunológico que resistiu a pior das pragas imagináveis) e ainda mais sem racionalidade que se compare ao mais limitado intelectualmente de nossos trabalhadores braçais (que em minutos aprenderia a sentar bala num zumbi estúpido)?

Nem vou abordar que se cães infectados seriam, por qual motivo não o seriam (e no filme são) ratos, camundongos e ratazanas, e de suas abundantes pulgas, o doutor e seu cão perambulando dando tiros pelo Times Square em veados, também com roedores e cães aparentados, e tais veados são perdidos para leões, com cães também aparentados, todos eles com suas pulgas numa teia infindável de contagios cruzados?




Sim, sou um chato detalhista, e de tais erros, procuro apresentar conceitos em Biologia e seus derivados, e prepotentemente, do máximo de ciências que eu consiga.

Na verdade, não somos resistentes por sermos fortes, senão estaríamos dividindo a Terra com tigres-dentes-de-sabe, mas somos resistentes por sermos fortes num sentido muito mais amplo e profundo que simplesmente músculos, dentes, garras ou couraças. Somos fortes exatamente por nos comportarmos como uma peste. Aqui, o agente Smith, de Matrix, nos analisa muito melhor que as mais temerosas distopias nas quais somos vítimas, e não os autores de erros fatais.

Claro que a mensagem de prudência da novela e filme são válidos, mas julgo que tudo advém de nossa característica particular de sermos paranóicos com os fatores errados, aliás, característica que nos foi também selecionada. Expandimos nosso medo pessoal da morte. O apocalipse não advirá de pequenos organismos - deles pode vir inclusive nosso rico futuro, ou virá da toda poderosa natureza em sua maior escala, como o Sol ou algum asteróide ou cometa de bom tamanho e rota perigosa (recomendo Escolha a Catástrofe de Isaac Asimov), ou por ação do mais pernicioso dos seres que já habitou este planeta:

Nós.



"Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável". - Drummond

(Garimpado a partir de excelente texto de Lucas Echimenco)

A investigação das doenças progrediu de tal forma que é quase impossível encontrar alguém totalmente saudável. - Aldous Huxley


Nota: Para um panorama geral do quanto sustento esta afirmação, recomendo ler minhas blogagens:
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