nos Mamíferos e Outros Vertebrados
Grant, M. A., & Aird, W. C. (2007).
Gemini da Google & Francisco Quiumento
A pergunta sobre como os mamíferos sobreviveram à evolução enquanto seu complexo sistema de coagulação sanguínea se desenvolvia gradualmente revela uma premissa equivocada. O sistema de coagulação dos mamíferos não surgiu de forma inédita nesse grupo. Na verdade, os mamíferos compartilham a base de seu sistema de coagulação com os répteis e as aves (descendentes diretas dos dinossauros).
Embora existam sutis diferenças na composição das proteínas envolvidas, essas variações moleculares refletem a história evolutiva única de cada grupo. Por exemplo, o fator de von Willebrand (vWF), uma glicoproteína crucial para a adesão plaquetária e o transporte do fator VIII da coagulação, apresenta variações significativas em sua estrutura e tamanho entre mamíferos e aves. Estudos comparativos revelam diferenças nas sequências de aminoácidos e nos padrões de glicosilação do vWF, que podem influenciar sua afinidade pelas plaquetas e sua interação com o fator VIII. Essas diferenças, embora sutis, são consistentes com o processo de divergência evolutiva e as adaptações específicas de cada linhagem.
A questão de quando a cascata de coagulação evoluiu é fascinante. Observa-se que, enquanto em invertebrados a hemostasia é mediada principalmente por agregação de hemócitos ou gelatinização da hemolinfa, nos vertebrados, o processo envolve células (trombócitos ou plaquetas) e uma rede altamente conservada de reações proteases que culminam na conversão de fibrinogênio em fibrina, formando o coágulo. Estudos indicam que a conversão de fibrinogênio em fibrina catalisada pela trombina está presente em todos os vertebrados atuais, desde peixes sem mandíbula até mamíferos, mas está ausente em invertebrados. Isso sugere que a cascata de coagulação surgiu em um período evolutivo relativamente curto (cerca de 50 a 100 milhões de anos) no ancestral dos vertebrados, após a divergência dos protocordados, há aproximadamente 500 a 600 milhões de anos.[Grant & Aird, 2007] A evolução desse sistema complexo, com seus múltiplos componentes interdependentes, parece ter ocorrido através de uma combinação de duplicações genéticas, embaralhamento de exons e diversificação funcional. Além de sua função óbvia em estancar o sangramento em sistemas circulatórios fechados e de alta pressão, há evidências crescentes de que a coagulação pode ter desempenhado um papel crucial na imunidade inata primitiva.
A via de coagulação em humanos tem sido a mais extensivamente pesquisada e, consequentemente, a mais bem compreendida, com a obra de Michelson (2006) fornecendo uma análise detalhada dos componentes celulares e moleculares envolvidos nesse intrincado processo. Nos mamíferos, este processo envolve tanto componentes celulares (plaquetas) quanto componentes proteicos, conhecidos como fatores de coagulação (Michelson, 2006, pp. 3–5). A via de coagulação em humanos tem sido a mais extensivamente pesquisada e, consequentemente, a mais bem compreendida.
Para compreendermos a origem e a evolução do sistema de coagulação, é necessário retroceder na história da vida. Os amniotas, incluindo mamíferos, répteis e aves, descendem dos anfíbios, que por sua vez evoluíram a partir dos peixes. Surpreendentemente, um sistema de coagulação já está presente nos peixes, indicando uma origem muito anterior ao surgimento dos mamíferos.
Ainda mais fundamentalmente, os peixes são considerados evolutivamente derivados dos vermes, e é nesse grupo ancestral que encontramos os primórdios dos sistemas de coagulação sanguínea. Portanto, o surgimento dos sistemas de coagulação se deu nos vermes, e a partir desse ponto, o que observamos ao longo da evolução é um processo de diversificação e descendência, culminando nos sistemas mais complexos encontrados nos seres vivos posteriores, incluindo os mamíferos.
Após um primeiro surgimento em um sistema rudimentar, a seleção natural atuou sobre as variações genéticas, favorecendo mecanismos de coagulação mais eficientes e adaptados às necessidades de cada linhagem. Esse processo gradual, ao longo de vastos períodos de tempo evolutivo, levou à complexidade dos sistemas que observamos hoje, com suas inerentes variações, como exemplificado de forma clara nos artrópodes, cujo sistema de coagulação, baseado em hemolinfa e diferentes mecanismos de ativação, diverge significativamente do sistema baseado em sangue dos vertebrados. A preservação desse sistema fundamental ao longo da evolução atesta sua importância crucial para a sobrevivência dos organismos.
Para uma revisão mais aprofundada sobre a evolução do sistema de coagulação e sua conservação no processo evolutivo, os seguintes artigos científicos e livros podem ser consultados:
Arneth, B. Coevolution of the coagulation and immune systems. Inflamm. Res. 68, 117–123 (2019). https://doi.org/10.1007/s00011-018-01210-y.
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Davidson, C. J., Grant, M. A., & Aird, W. C. (2003). Molecular evolution of the vertebrate blood coagulation network. Thrombosis and Haemostasis, 89(3), 420-428. https://doi.org/10.1007/s00239-002-2396-0
Doolittle R, F: Coagulation in Vertebrates with a Focus on Evolution and Inflammation. J Innate Immun 2011;3:9-16. doi: 10.1159/000321005, https://www.karger.com/Article/Abstract/321005#.
Doolittle RF. Step-by-step evolution of vertebrate blood coagulation. Cold Spring Harb Symp Quant Biol. 2009;74:35-40. doi: 10.1101/sqb.2009.74.001. Epub 2009 Aug 10. PMID: 19667012, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19667012/.
Grant, M. A., & Aird, W. C. (2007). Molecular Evolution of the Vertebrate Blood Coagulation System. Hemostasis and Thrombosis, 5th ed. (pp. 53-64). Lippincott Williams & Wilkins. https://oncohemakey.com/molecular-evolution-of-the-vertebrate-blood-coagulation-system/
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