Uma Jornada Através das Temperaturas Extremas da Terra
Gemini da Google e Francisco Quiumento
Introdução: Conectando Passado e Presente
A história do nosso planeta é marcada por flutuações climáticas drásticas, testemunhando a alternância entre períodos de frio intenso, como as eras glaciais, e fases de calor extremo, conhecidas como máximos climáticos. Essas oscilações, moldadas por uma complexa interação de fatores astronômicos, geológicos e biológicos, oferecem um contexto essencial para compreendermos as mudanças climáticas que observamos na atualidade. Para entendermos o aquecimento global contemporâneo e seus potenciais impactos sobre os ecossistemas, a sociedade humana e o futuro do planeta, é crucial explorarmos em detalhes esses períodos de calor extremo que ocorreram no passado da Terra. Ao investigarmos as causas, a dinâmica e as consequências dos máximos climáticos pré-históricos, podemos obter insights valiosos sobre a sensibilidade do sistema climático terrestre e os limiares de mudança que podem desencadear transformações profundas e, em alguns casos, irreversíveis. Este artigo irá nos guiar por uma jornada fascinante através das temperaturas máximas pré-históricas, revelando os métodos científicos utilizados para reconstruir os climas antigos, desvendando os mistérios por trás desses eventos extremos e, fundamentalmente, articulando as lições cruciais que podemos e devemos aprender com esses episódios para enfrentar os desafios climáticos do presente e do futuro.
Temperaturas Máximas na Pré-história da Terra
Desvendar o passado climático da Terra é um desafio fascinante. Como, afinal, os cientistas conseguem determinar as temperaturas de épocas remotas, sem a possibilidade de levarmos termômetros para o passado?
Métodos de Proxy: Desvendando o Passado Climático
Já que medições diretas de temperatura só existem desde o advento dos instrumentos de medição modernos, em meados de 1800, os cientistas se valem de uma variedade de métodos indiretos, conhecidos como "proxies", para reconstruir o clima do passado. Esses proxies são registros naturais excepcionalmente valiosos, preservados em diversos materiais geológicos e biológicos, que carregam informações intrínsecas sobre as condições climáticas da época em que se formaram. Eles funcionam como cápsulas do tempo, permitindo-nos vislumbrar as temperaturas, a composição atmosférica, a precipitação e outros aspectos do clima em eras muito anteriores à nossa.
Testemunhos de Gelo: As geleiras e calotas polares da Terra aprisionam em suas camadas geladas um verdadeiro arquivo da história climática do planeta. Ao perfurar essas formações de gelo e extrair os chamados testemunhos de gelo, os cientistas obtêm acesso a bolhas de ar microscópicas que ficaram seladas ao longo de milênios. Essas bolhas de ar aprisionadas fornecem amostras diretas da composição atmosférica do passado, revelando as concentrações de gases como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4) em diferentes períodos. Como esses gases de efeito estufa desempenham um papel fundamental na regulação da temperatura global, sua concentração nas bolhas de ar está diretamente relacionada às temperaturas da época em que o gelo se formou. Além disso, a análise isotópica da água do gelo (a proporção de diferentes isótopos de hidrogênio e oxigênio) também fornece informações valiosas sobre as temperaturas passadas.
Sedimentos Oceânicos e Lacustres: Os oceanos e lagos da Terra acumulam continuamente sedimentos em seus leitos, formando camadas que se depositam ao longo de milhões de anos. Esses sedimentos encerram uma rica diversidade de materiais orgânicos e inorgânicos, incluindo conchas e esqueletos de microrganismos marinhos e lacustres. A composição química dessas conchas, especialmente de organismos como foraminíferos (no oceano) e diatomáceas (em lagos), é altamente sensível às condições ambientais da água em que esses organismos viviam. Fatores como a temperatura, a salinidade e a concentração de nutrientes influenciam a incorporação de diferentes elementos químicos nas conchas. Portanto, a análise da composição química das conchas preservadas nos sedimentos oceânicos e lacustres permite aos cientistas inferir as condições da água, incluindo a temperatura, na época em que esses organismos estavam vivos.
Pólen Fóssil e Restos de Plantas: Os ecossistemas terrestres são fortemente influenciados pelo clima, e a distribuição e a abundância das diferentes espécies de plantas refletem as condições de temperatura e umidade de uma determinada região. Os grãos de pólen, extremamente resistentes e preservados em sedimentos ao longo de milhões de anos, oferecem um registro valioso da vegetação do passado. Ao identificar os tipos de pólen encontrados em diferentes camadas de sedimentos, os cientistas podem determinar quais tipos de plantas predominavam em uma determinada época e, por extensão, inferir o clima da região. Além do pólen, outros restos de plantas, como folhas, sementes e frutos fossilizados, também fornecem informações importantes sobre o clima do passado.
Anéis de Árvores: As árvores, especialmente aquelas que vivem em regiões com estações do ano distintas, registram as variações climáticas anuais em seus anéis de crescimento. Cada anel de crescimento anual é composto por duas partes: a madeira inicial, formada no início da estação de crescimento, e a madeira tardia, formada no final. A largura desses anéis e a densidade da madeira variam de ano para ano, refletindo as condições de temperatura e precipitação. Em anos quentes e úmidos, por exemplo, os anéis de crescimento tendem a ser mais largos, enquanto em anos frios e secos, são mais estreitos. Ao analisar os padrões de crescimento dos anéis de árvores, os cientistas podem reconstruir as variações climáticas anuais ao longo de séculos ou até milênios.
Depósitos de Cavernas (Espeleotemas): As cavernas são ambientes subterrâneos únicos, onde a água da chuva, ao percolar através do solo e das rochas, dissolve minerais como o carbonato de cálcio. Ao gotejar no interior da caverna, essa água deposita o carbonato de cálcio dissolvido, formando lentamente estruturas como estalactites (que se projetam do teto) e estalagmites (que se elevam do chão). Essas formações, conhecidas como espeleotemas, crescem em camadas ao longo do tempo, incorporando em sua estrutura elementos químicos e isótopos que refletem as condições da água da chuva. A análise da composição química e isotópica dos espeleotemas permite aos cientistas obter informações valiosas sobre as temperaturas e a precipitação do passado, bem como sobre as mudanças na vegetação e na atividade microbiana no entorno da caverna.
Bandas de Crescimento de Corais: Os corais, assim como as árvores, exibem padrões de crescimento anuais que refletem as condições ambientais. Os esqueletos dos corais são compostos de carbonato de cálcio, e sua taxa de crescimento e composição química são influenciadas pela temperatura da água do mar, pela salinidade e pela disponibilidade de luz. Os corais formam bandas de crescimento distintas, semelhantes aos anéis de árvores, que podem ser contadas para determinar a idade do coral e reconstruir as variações nas temperaturas da água do mar ao longo do tempo. A análise isotópica do oxigênio e de outros elementos nos esqueletos dos corais também fornece informações detalhadas sobre as condições oceânicas do passado.
Furos de Sondagem: A temperatura da Terra aumenta com a profundidade, um fenômeno conhecido como gradiente geotérmico. Ao perfurar poços profundos na crosta terrestre e medir as temperaturas em diferentes profundidades, os cientistas podem obter informações sobre o fluxo de calor do interior da Terra. Essas medições de temperatura, combinadas com modelos matemáticos, podem ser usadas para reconstruir as temperaturas da superfície terrestre no passado. O princípio básico é que as mudanças na temperatura da superfície da Terra ao longo do tempo se propagam para o subsolo, deixando uma "assinatura" térmica que pode ser detectada pelas medições de temperatura nos furos de sondagem.
Anatomia Fóssil: A forma e a estrutura das folhas das plantas são influenciadas pelo clima, especialmente pela temperatura e pela disponibilidade de água. Por exemplo, folhas com bordas lisas são mais comuns em climas quentes, enquanto folhas com bordas denteadas são mais frequentes em climas frios. Ao analisar as características das folhas fossilizadas, como o tamanho, a forma e a forma das bordas, os cientistas podem obter pistas sobre o clima em que essas plantas viviam. Essa técnica, conhecida como análise da anatomia foliar, é particularmente útil para reconstruir climas em regiões onde outros proxies, como anéis de árvores ou pólen, são escassos ou mal preservados.
Análise Isotópica: Os isótopos são átomos de um mesmo elemento que possuem diferentes números de nêutrons. A proporção de diferentes isótopos de elementos como oxigênio (16O e 18O) e hidrogênio (1H e 2H, ou deutério) em materiais como rochas, gelo e fósseis varia de acordo com as condições ambientais, especialmente a temperatura. Por exemplo, a proporção de 18O em relação a 16O na água do oceano é maior em temperaturas mais frias, pois a água com o isótopo mais leve (16O) evapora mais facilmente. Da mesma forma, a proporção de deutério na água da chuva e no gelo glacial é menor em temperaturas mais frias. Ao medir as proporções isotópicas em diferentes materiais geológicos e biológicos, os cientistas podem reconstruir as variações de temperatura ao longo do tempo.
Biomarcadores: Certos organismos, como algas e bactérias, produzem moléculas orgânicas específicas, conhecidas como biomarcadores, que são características de suas células e que podem ser preservadas em sedimentos por milhões de anos. A composição química e a estrutura dessas moléculas são influenciadas pelas condições ambientais em que os organismos viviam, incluindo a temperatura. Por exemplo, as alquenonas produzidas por certas algas marinhas têm uma estrutura molecular que varia de acordo com a temperatura da água em que a alga cresceu. Ao analisar a composição dos biomarcadores em sedimentos, os cientistas podem obter informações sobre as temperaturas da água e outras condições ambientais do passado.
Proteínas Ressuscitadas: Em casos raros, proteínas antigas podem ser preservadas em fósseis e outros materiais geológicos por milhões de anos. A análise da estrutura e da composição dessas proteínas pode fornecer insights sobre as condições ambientais em que os organismos que as produziram viviam, incluindo a temperatura. Uma técnica promissora é a "ressurreição" de proteínas antigas em laboratório, sintetizando-as com base em sequências genéticas reconstruídas de organismos extintos. Ao estudar as propriedades dessas proteínas ressuscitadas, os cientistas podem obter pistas sobre as adaptações desses organismos às condições ambientais da Terra muito primitiva, incluindo as temperaturas extremas.
Períodos Chave de Altas Temperaturas
A história da Terra, ao longo de seus 4,5 bilhões de anos, apresenta diversos períodos em que as temperaturas globais foram significativamente mais elevadas do que na atualidade. Esses períodos, conhecidos como máximos climáticos, representam intervalos de tempo em que o planeta experimentou condições de calor extremo, com profundas implicações para os ecossistemas, a vida marinha e a própria evolução da vida.
Terra Primitiva (Éon Hadeano - >4 bilhões de anos atrás): No início de sua formação, a Terra era um caldeirão escaldante, um mundo em ebulição caracterizado por temperaturas extremamente altas. A intensa atividade vulcânica, impulsionada pelo calor residual da formação do planeta e pelo frequente bombardeio de corpos celestes, liberava enormes quantidades de gases na atmosfera, criando um poderoso efeito estufa. Esse efeito estufa, combinado com a ausência de oceanos extensos e a proximidade da Lua, que orbitava muito mais perto da Terra naquela época, resultava em temperaturas superficiais escaldantes, muito além do que a vida como a conhecemos poderia sobreviver.
Éon Arqueano (4,0 - 2,5 bilhões de anos atrás): O Éon Arqueano, que se seguiu ao Hadeano, testemunhou o surgimento das primeiras formas de vida na Terra. No entanto, as condições climáticas desse período ainda são objeto de intenso debate científico. Algumas pesquisas sugerem que o Arqueano inicial, especialmente nos primeiros 500 milhões de anos, foi marcado por temperaturas extremamente altas, possivelmente superiores a 70°C. Essas temperaturas escaldantes seriam resultado de uma atmosfera rica em gases de efeito estufa, como metano e dióxido de carbono, liberados pela intensa atividade vulcânica. No entanto, outros estudos propõem um cenário climático diferente, indicando temperaturas mais moderadas, abaixo de 40°C, especialmente no Arqueano tardio. Essa visão sugere que a Terra primitiva pode ter sido mais fria do que se pensava anteriormente, com a presença de oceanos e até mesmo de gelo glacial em algumas regiões.
Éon Fanerozoico (541 milhões de anos atrás - presente): O Éon Fanerozoico, que se estende desde o início da explosão da vida complexa até os dias atuais, é o período da história da Terra que os cientistas conhecem com mais detalhes. Marcado pela proliferação e diversificação da vida multicelular, o Fanerozoico testemunhou flutuações climáticas significativas, com a alternância entre períodos de calor intenso e eras glaciais. No entanto, em uma escala de tempo geológico, o planeta passou a maior parte do Fanerozoico em faixas de temperatura mais elevadas do que as observadas atualmente.
Ótimo Climático do Cretáceo (cerca de 92 milhões de anos atrás): O período Cretáceo, famoso pela presença dos dinossauros, foi marcado por um dos máximos climáticos mais pronunciados da história da Terra. Durante esse período, as temperaturas globais atingiram níveis excepcionalmente elevados, com a ausência de calotas polares e condições subtropicais estendendo-se até latitudes muito mais altas do que hoje. As temperaturas da superfície do mar nos trópicos podem ter ultrapassado os 36°C, criando um ambiente oceânico quente e úmido. Em terra, florestas exuberantes e uma rica diversidade de vida prosperavam em um clima quente e úmido, com pouca ou nenhuma variação sazonal em muitas regiões.
Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno (PETM) (cerca de 56 milhões de anos atrás): O PETM foi um evento climático singular na história da Terra, caracterizado por um rápido e intenso aquecimento global. Em um intervalo de tempo relativamente curto, estimado em alguns milhares de anos, as temperaturas médias globais aumentaram em 5-8°C, atingindo valores médios de até 34°C. Esse aumento abrupto da temperatura foi impulsionado por uma liberação maciça de carbono na atmosfera, possivelmente devido à erupção de vulcões em grande escala ou à liberação de metano de depósitos subterrâneos. O PETM teve profundas consequências para os ecossistemas terrestres e marinhos, causando acidificação dos oceanos, extinções em massa de organismos marinhos e alterações drásticas nos padrões de circulação oceânica.
Ótimo Climático do Eoceno Inferior (EECO) (cerca de 53 a 49 milhões de anos atrás): Após o PETM, o Eoceno Inferior permaneceu um período excepcionalmente quente, com temperaturas médias globais significativamente mais altas do que as observadas atualmente. Estima-se que as temperaturas globais tenham sido 9-14°C mais elevadas do que na era pré-industrial, com a ausência de calotas polares e a presença de florestas tropicais exuberantes estendendo-se até altas latitudes. O EECO foi um período de grande diversificação da vida, com o surgimento de muitos grupos de mamíferos modernos e a expansão das florestas tropicais.
Ótimo Climático do Mioceno (cerca de 16 milhões de anos atrás): Embora não tenha sido tão extremo quanto o PETM ou o EECO, o Ótimo Climático do Mioceno foi um período significativamente mais quente do que o clima atual. As temperaturas globais eram vários graus Celsius mais elevadas do que na era pré-industrial, e as calotas polares eram menores ou ausentes. Esse período é de particular interesse para os cientistas, pois algumas projeções sugerem que, se as tendências atuais de aquecimento global continuarem, o clima da Terra até o final do século XXI poderá se assemelhar ao do Mioceno.
Tendências Gerais
A análise da história da temperatura da Terra revela uma série de tendências e padrões importantes. Em primeiro lugar, a temperatura do nosso planeta não é estática, mas sim caracterizada por oscilações significativas que ocorrem em diversas escalas de tempo. Desde as flutuações de curto prazo, como as variações sazonais que experimentamos a cada ano, até mudanças de longo prazo, que se estendem por milhões de anos, como as eras glaciais e os períodos de calor extremo conhecidos como máximos climáticos, o clima da Terra está em constante mudança. Essas oscilações são impulsionadas por uma complexa interação de fatores astronômicos, geológicos e biológicos, que atuam em diferentes escalas de tempo, influenciando a quantidade de energia solar que chega ao nosso planeta, a composição da atmosfera e a circulação dos oceanos.
A história da temperatura da Terra é caracterizada por oscilações significativas em várias escalas de tempo, desde flutuações de curto prazo, como as variações sazonais que experimentamos a cada ano, até mudanças de longo prazo, que se estendem por milhões de anos, como as eras glaciais e os períodos de calor extremo conhecidos como máximos climáticos. Essas oscilações são impulsionadas por uma complexa interação de fatores astronômicos, geológicos e biológicos, que atuam em diferentes escalas de tempo.
Ao longo de sua história, a Terra experimentou múltiplos períodos de "estufa", caracterizados por altas temperaturas globais e ausência ou redução de gelo polar. Esses períodos contrastam com os períodos de "casa de gelo", marcados por baixas temperaturas globais e a presença de extensas calotas polares. A alternância entre esses dois estados climáticos é uma característica fundamental da história do nosso planeta.
Durante os períodos de "estufa", as temperaturas médias globais eram significativamente mais elevadas do que as atuais, muitas vezes com a ausência de calotas polares e a presença de vegetação exuberante em latitudes elevadas. Esses períodos quentes eram impulsionados por altas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, como dióxido de carbono e metano, que aprisionavam o calor do sol e elevavam as temperaturas. Em contraste, os períodos de "casa de gelo" eram caracterizados por temperaturas globais mais baixas, expansão das calotas polares e, em alguns casos, a ocorrência de extensas glaciações. Esses períodos frios eram frequentemente associados a baixas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, o que permitia que mais calor escapasse para o espaço. A transição entre esses dois estados climáticos pode ocorrer de forma gradual, ao longo de milhões de anos, ou de forma abrupta, em escalas de tempo de milhares de anos, impulsionada por uma variedade de fatores, incluindo mudanças na atividade vulcânica, variações na órbita da Terra e mudanças na circulação oceânica.É importante notar que o aquecimento global que estamos testemunhando atualmente está ocorrendo em um ritmo significativamente mais acelerado do que a taxa média de aquecimento observada após o fim de uma era glacial. Além disso, a taxa atual de aumento do dióxido de carbono atmosférico é muito mais rápida do que os aumentos naturais de CO2 observados após a última Era Glacial. Essa taxa de mudança sem precedentes é uma das principais evidências de que o aquecimento global atual é impulsionado por atividades humanas, principalmente a queima de combustíveis fósseis.
O aquecimento global em curso representa uma anomalia no registro climático da Terra. As taxas de aumento de temperatura e de concentração de gases de efeito estufa na atmosfera são muito mais elevadas do que as observadas em qualquer outro período da história do planeta, incluindo as transições entre as eras glaciais e os períodos interglaciais. Durante o Holoceno, a época geológica em que vivemos, a temperatura média global aumentou cerca de 1°C em um período de 10.000 anos, após o fim da última Era Glacial. Em contraste, a temperatura média global aumentou cerca de 1°C apenas no século XX, e as projeções indicam um aumento ainda maior nas próximas décadas se as emissões de gases de efeito estufa continuarem a aumentar no ritmo atual. Essa taxa de aquecimento sem precedentes é impulsionada principalmente pela queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural, que liberam grandes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera. O dióxido de carbono é um gás de efeito estufa que aprisiona o calor do sol e eleva as temperaturas globais. Além do dióxido de carbono, outras atividades humanas, como o desmatamento e a agricultura, também contribuem para o aumento das concentrações de outros gases de efeito estufa, como o metano e o óxido nitroso. A comparação com as taxas de mudança climática natural do passado destaca a singularidade do aquecimento global atual. As mudanças climáticas naturais, como as variações na órbita da Terra ao redor do sol ou as erupções vulcânicas, ocorrem em escalas de tempo muito mais longas, de milhares a milhões de anos. Em contraste, as mudanças climáticas induzidas pelo homem estão ocorrendo em uma escala de tempo de décadas e séculos, um ritmo extremamente rápido que não permite que os ecossistemas e as sociedades humanas se adaptem facilmente.A reconstrução das temperaturas passadas envolve incertezas inerentes aos métodos de proxy utilizados. Diferentes proxies podem fornecer resultados ligeiramente diferentes, e a interpretação dos dados requer uma compreensão profunda dos processos físicos, químicos e biológicos que influenciam cada proxy. No entanto, apesar dessas incertezas, o quadro geral que emerge do estudo dos proxies climáticos revela de forma inequívoca que a Terra já experimentou períodos muito mais quentes em sua história do que o presente. Compreender esses períodos quentes passados é crucial para entendermos os potenciais impactos das mudanças climáticas atuais e futuras, e para desenvolvermos estratégias de mitigação e adaptação eficazes.
A reconstrução das temperaturas passadas é uma tarefa complexa e desafiadora, que depende da análise de uma variedade de proxies climáticos. Cada um desses proxies, como testemunhos de gelo, sedimentos oceânicos, anéis de árvores e espeleotemas, fornece informações valiosas sobre as condições climáticas do passado, mas também apresenta limitações e incertezas inerentes. Por exemplo, os testemunhos de gelo podem ser datados com precisão, mas sua disponibilidade é limitada a regiões polares e de altas altitudes. Os sedimentos oceânicos abrangem longos períodos de tempo, mas a resolução temporal dos registros pode ser baixa em algumas áreas. Os anéis de árvores oferecem uma resolução anual precisa, mas sua aplicação é restrita a regiões com estações do crescimento distintas. Já os espeleotemas podem fornecer registros climáticos de alta resolução em regiões onde outros proxies são escassos, mas sua datação pode ser complexa. Além das limitações individuais de cada proxy, a reconstrução das temperaturas passadas também envolve incertezas relacionadas à interpretação dos dados. Diferentes proxies podem fornecer resultados ligeiramente diferentes, e a conversão dos dados do proxy em estimativas de temperatura requer o uso de modelos e calibrações que também introduzem incertezas. Por exemplo, a relação entre a composição isotópica do gelo e a temperatura pode variar dependendo das condições climáticas regionais. Da mesma forma, a relação entre a largura dos anéis de árvores e a temperatura pode ser influenciada por outros fatores, como a disponibilidade de água e a competição entre as árvores. Apesar dessas incertezas, a análise de múltiplos proxies climáticos, combinada com uma compreensão profunda dos processos físicos, químicos e biológicos que influenciam cada proxy, permite aos cientistas reconstruir as variações de temperatura do passado com um grau razoável de confiança. O quadro geral que emerge desse esforço de reconstrução revela de forma inequívoca que a Terra já experimentou períodos muito mais quentes em sua história do que o presente. Esses períodos quentes do passado, como o Ótimo Climático do Cretáceo e o Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno, oferecem insights valiosos sobre os potenciais impactos das mudanças climáticas atuais e futuras. Ao estudarmos as causas, a dinâmica e as consequências desses eventos climáticos extremos do passado, podemos obter informações cruciais sobre a sensibilidade do sistema climático da Terra e os limiares de mudança que podem desencadear transformações profundas e, em alguns casos, irreversíveis. Esse conhecimento é essencial para desenvolvermos estratégias de mitigação e adaptação eficazes para enfrentar os desafios colocados pelo aquecimento global em curso.
Considerações Finais
Dado o quadro geral que apresentamos neste artigo, torna-se evidente que a história da temperatura da Terra é marcada por uma dinâmica complexa e por extremos notáveis. As oscilações entre períodos de "estufa" e "casa de gelo", os máximos climáticos que elevaram as temperaturas globais a níveis muito superiores aos atuais, e a influência de fatores astronômicos, geológicos e biológicos em diferentes escalas de tempo nos revelam um planeta em constante transformação.
Os diversos máximos climáticos que apresentamos ao longo deste artigo ilustram a extensão dessas variações. O Éon Hadeano, com suas temperaturas escaldantes, contrasta fortemente com os períodos de "casa de gelo" que se seguiram. O Ótimo Climático do Cretáceo (ou Máximo Térmico do Cretáceo), com suas temperaturas tropicais em latitudes elevadas, demonstra o potencial para um calor extremo e generalizado. O Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno (PETM), por sua vez, destaca a rapidez com que as temperaturas globais podem aumentar em resposta a mudanças na concentração de gases de efeito estufa. E o Ótimo Climático do Mioceno nos lembra que mesmo períodos relativamente recentes da história da Terra podem ter sido significativamente mais quentes do que o presente.
Referências
Livros e Artigos de Revisão
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Um comentário:
Muito bom o material Francisco Quiumento.
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