Escrevi recentemente para a Wikipédia em português o artigo (sinceramente, prefiro o termo verbete) sobre o "paradoxo sorites", que quando bem estudado, e o pretendo fazer, possui relação com uma série de falácias percebidas nos últimos tempos, sobre diversos assuntos, boa parte dos que querem negar a evolução dos seres vivos ou afirmar que o surgimento da vida ou qualquer emergência (no sentido de organização a partir do caos) na natureza é fruto da ação de uma inteligência organizadora externa à natureza. Isso sem falar de nosso governo e de afirmações absurdas sobre o que quer que seja, inclusive pelo historicamente óbvio.
Resumidamente, para aqueles que não abriram o link para a Wikipédia, "sorites" trata em suma da questão trivial que enfrentamos que é "o que é um monte de algo?", ou sua inversa "o que é pouco de algo?" - classicamente "quantos grãos seriam um monte de areias" - e as falácias consequentes disto são exatamente as distorções de tais afirmações a partir de um senso comum, a colocação como senso ou avaliação pessoal ou de grupo de uma definição mais amplamente aceita ou, sem querer me alongar, puramente desonestidade intelectual, quando não, como veremos, nem tão intelectual assim.
Obs.:Pretendo escrever um artigo mais formal sobre tal paradoxo e suas falácias decorrentes, mas tal ainda demanda um longo estudo e esboços sobre as questões envolvidas, e um destes esboços já é esta blogagem.
Sorites e Gripe Suína
Vejamos bem: concordo que uma taxa de mortalidade de 0,5% para esta gripe é extremamente baixa, e não seja causa, de a priori, pânico.
Só aí já temos uma aplicação de sorites com falácia no tempo, pois a atual forma de vírus ser deste modo mortal não implica em que uma mutação sua não passe a ser extremamente letal, e como já lembrei e demonstrei nas entrelinhas noutra blogagem, como disse brilhantemente Mayr, "biologia é ciência única", e não pode ser tratada como um sistema newtoniano, que a partir de uma velocidade e direção iniciais, resulta num exato resultado.
Mas voltemos ao número acima.
Concordo que 5 pessoas em mil "gripados" são poucas vítimas. Inclusive, por sorites aplicado, posso considerar assim que eu, minha irmã, meus pais e minha avó materna, ainda viva, sejam completamente dispensáveis da humanidade.
Mas se o número de infectados for de 10 mil, espero que idêntico núcleo familiar do idiota que afirma este tipo de bobagem seja eliminado da face da Terra, pelo mesmo coerente argumento, junto com outras 40 pessoas, totalizando 50, que podem ser também divididas entre minha família e a dele.
Mas não sejamos tão agressivos com os idiotas, pobres infelizes, e sejamos brutais, como recomenda Maquiavel, com os falaciosos, especialmente se no poder.
Concordamos que 0,5 % é pouco, mas se a epidemia atingir, 100 mil pessoas, ou pouco mais que o dobro de um estádio cheio em dia de show de rock, 500 pessoas morrerão. Pelo mesmo motivo anterior, dois vôos lotados caindo continuam a não ser coisa alguma que nos apavore.
Para uma população como a de Campinas, mesmo que dispersa pelo país, em 1 milhão de pessoas, 5 mil pessoas morrerão, e portanto, morrerão todas as pessoas em um ginásio durante um show, ou ainda, para 10 milhões, as mesmas pessoas acima num estádio, e pelo mesmo motivo, não será motivo de pânico.
Assim, com 100 milhões de pessoas, que é pouco mais que metade de nossa jovem população (pela Gripe Suína, mais afetáveis - hipótese do "Pecado Original"*), morrerão 500 mil pessoas, e lógico, pela obtusa lógica até aqui apresentada, que extinguir a população de uma cidade pouco maior que Caxias do Sul, no RS, ou Jundiaí, em SP, é simplesmente...
INSIGNIFICANTE, não é mesmo?
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*Para entender diretamente, aqui:
"Existe uma teoria do pecado original. O primeiro Influenza que a gente se infecta, a gente sempre responde bem àquele tipo de Influenza. Até 1957 circulava no mundo Influenza H1N1 resquício da gripe espanhola. As pessoas que nasceram antes de 1957, o primeiro Influenza que elas conheceram foi um H1N1. Essa seria uma explicação, porque agora que vem um novo H1N1, de alguma forma eles ficam protegidos." (de Vírus da gripe comum e da nova matam com a mesma frequência)
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Aqui, percebamos que ao atentar para tais questões que me parecem banais, o governo do México (digamos, aqui, "3° mundo"), com suas medidas que praticamente paralisaram o país, ou mesmo a Inglaterra, rica e disciplinada como todo país desenvolvido que se preze, mostram-se muito mais sérios que nossos governantes.
Percebamos que mudar o valor de mortalidade acima para 0,1%, 0,05% ou qualquer número, e tal não será menor que da gripe comum, pouco mudará a falácia, exatamente por sorites, e aí percebo a importância do estudo deste paradoxo para destruir determinadas falácias, sejam elas de quem faz cálculos errados para tentar derrubar o processo evolutivo, coisa que muito me diverte, ou para falar besteiras na televisão, como ministro seja lá do que for, coisa que muito me preocupa.
Pouso na Lua
Acho as vezes deprimente discutir sobre se o homem (e leia-se aqui, os EUA) pousou ou não na Lua, especialmente com quem não sabe mais de engenharia a diferença entre um pilar ou viga, ou mesmo quem acha que não existiam filmes fotográficos que resistissem às emissões de radiação do espaço em 1969, o que é certo, percebam a ironia, para quem nunca viu filmagens de explosões nucleares dos anos 40 e 50 e nem mesmo sabe se uma lente filtra radiações, mesmo com óculos de Sol sobre seus narizes.
Enfim: "pseudos" para nos fazer rir é o que não falta, ainda mais depois da facilidade com que estes personagens tem para expor seu humor graças à internet. Pois convenhamos, antes disso, estes brilhantes comediantes não tinham seu merecido espaço, e nem nós, nossa fonte de gargalhadas, muito menos eu, toda a fonte sobre o que escrever e nem mesmo a relativa modesta notoriedade que já apresento.
Ou seja, em nome meu e de todos, OBRIGADO!
Mas lamentável foi ver um brilhante físico como José Goldemberg, falar bobagem na Globo News, afirmando que os soviéticos não pisaram na Lua porque não quiseram, porque poderiam ter feito tal facilmente, e que as viagens na Lua pouco trariam no científico, pois qualquer coisa que as viagens pudessem fazer poderia ser feito por instrumentos.
BRILHANTE! Mas infelizmente, isto é um sarcasmo.
1°)Os soviéticos não pisaram na Lua porque não poderiam. Pouco interessa ter foguetes maiores e com maior capacidade de carga, como coisa que o colossal Saturno V fosse um rojão de fundo de quintal, e não uma das máquinas mais possantes de todos os tempos.
Ainda sim, potência em si não implica em capacidade específica, pois senão, bastaria por um motor de trator de esteira num carro de fórmula 1 e teríamos a vitória em qualquer campeonato.
Mas referente ao tema deste texto: sorites sobre classificação, limitando-se o que seja o específico para obter-se um resultado.
2°)Os soviéticos nunca tiveram motores específicos para a decolagem da Lua, que implica em motores que comportem-se de maneira específica, no vácuo, com carga de combustível econômica, para voltarem a Terra.
Idem ao anterior.
3°)Gastar 150 bilhões de dólares em um programa, e até aqui o tratemos assim, a valores atualizados, "paracientífico", estava além de suas possibilidades, mesmo numa economia comunista.
Sorites sobre valor disponível em economia, pois "quando a grana acaba, acaba".
4°)Os soviéticos tinham foguetes possantes, e esqueçamos de detalhes, mas seus foguetes N1, foram um desastre, e aqui, entra a questão muito mais complexa, que estudei num nível razoavelmente profundo, de confiabilidade, que é algo mais complexo que a "simples" qualidade. Confiabilidade é funcionar seguramente no tempo, ou, em outras palavras, manter a qualidade no tempo.
Novamente, sorites, pois agora é bom e poderosos, mas quando deixar de ser, ainda poderá se afirmar que o é, e nos termos clássicos, e acredito que a argumentação é minha: "numa ampulheta gigante, quando a areia se escoa, em que ponto do tempo deixará de haver o que possa se chamar um monte na parte de cima?".
5°)Resumamos o acima, com um argumento histórico: tanto os soviéticos não puderam pousar na Lua, que... não puderam. Ou alguém acha que deixariam de livre, alegre e científica vontade de pousar na Lua por motivos "científicos".
Aqui outra falácia, que é colocar uma motivação diferente para os duros e inexoráveis fatos e suas causas.
Mas agora, abandono a enumeração e apresento o seguinte:
Qual o aparelho, instrumento, que da Terra possibilitaria trazer amostras de solo lunar, sem a capacidade de voltar da Lua para a Terra (releiam o acima sobre os motores) ou noutras palavras, de maneira quase absurda do ponto de vista econômico, sem levar os pesquisadores até lá?
Graças, e aqui um pecado da NASA, ao vôo da Apollo 17, o último, que dispomos de amostras específicas das rochas lunares, e consequentemente, hoje sustentamos com evidências como a Lua, aproximadamente, se formou.
Se tal não serve para coisa alguma cientificamente, alguém me explique o que seja propriamente científico. Colocar primeiro um homem em órbita?
Espero que todos percebam onde mais uma vez esteja sorites, neste "o que é científico?", pois ao que parece, colocar um homem na Lua necessitou de um passo ridículo dos norteamericanos, como o vôo suborbital de Alan Shepard, ou os inúmeros foguetes explodindo.
Ou nosso brilhante físico acha que as prospecções na Lua e em Marte, e em todos os demais planetas, sem falar desta pequena "gotícula espaço-temporal" que chamamos de Universo, vão ser feitas sem meia dúzia de analfabetos científicos até jogando golfe no vácuo, em nosso poerento satélite?
E desculpe, ex-ministro, o mundo soviético e grande parte das pretensões comunistas acabaram, e está na hora de os esquerdistas destes moldes admitirem que o que acreditavam estava economicamente (aliás, aqui, o termo científico) errado, e portanto, destinado ao colapso, e tal se deu.
Discordam? Não tem problema: apresente-se uma amostra maior que o que tenha sido o bloco soviético para sustentar seu ponto. (Não preciso dizer que aqui, sorites e seu "monte de areia" aparecem novamente, não?)
Que lembrem-se sempre de poeira lunar ou mesmo minúsculos e inofensivos vírus e areia, e destes lembrem-se do paradoxo sorites, pois os falaciosos abundam pelo mundo a usá-lo.
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