sábado, 28 de maio de 2011

Presságios Sobre Nosso Sol III

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Tratei em 'Presságios Sobre Nosso Sol', blogagem I e blogagem II, sobre as questões de "super-erupções solares", emissões gigantescas de matéria superficial* e coronal por parte de nossa estrela e do quanto difícil seria acontecer, com consequências realmente catastróficas para a Terra e sua frágil vida, como apresentado no filme Presságio.



*O conceito do que seja "superficial" para o Sol é um tanto mais complexo que este termo, que pode até lembrar algo como nossa crosta terrestre. Para tanto, ver Estrutura solar.


Mas a questão é que "mostrar o quanto é difícil" sem números, cálculos, e "coisa alguma" em Física dá praticamente no mesmo. Então dispus-me a colocar a coisa num modelo físico simples, quase de secundário, para que se entenda o quão favorável é a posição de nosso planeta para estarmos protegidos deste tipo de evento. Construiremos então um modelo de comportamento físico simples dos gases ao sair do Sol, um modelo "facão", como costumo dizer (uma ironia com a navalha de Ockham).

Primeiramente, consideraremos gases saindo do Sol como um gás ideal.

Obs.: Esta consideração é na verdade um absurdo, e a usaremos apenas para simplificar nossos cálculos de maneira extrema. Um gás ideal pressupõe interação nula entre as partículas do gás, até as considera pontuais. O Sol, assim como a maior parte das estrelas em atividade de fusão, é composto de plasma a alta temperatura, sob intensos campos magnéticos, e suas partículas apresentam alta intensidade de interação, tanto, que até visualmente, comportam-se de maneira similar a um líquido em alta convecção.Para uma amostra do quão complexa é a modelagem de plasmas, Plasma modeling.

Lembremos que a equação de Clapeyron determina que para os gases ideais:

PV = nRT

Consideremos, por hipótese, que 10% da massa do Sol será expelida (atentem para o absurdo que é este valor que aqui coloco), o que dá 1,9891 × 1029 kg.

Consideremos que a sua massa molar média (de composição), seja uma média ponderada entre a massa do hidrogênio e a média da massa do hidrogênio e a massa do hélio, pois para simplificar nossos cálculos, o Sol tem a composição confortável de 74% em massa de hidrogênio e 24% em massa de hélio). Com isto, teremos, em números bem redondos, massa média de 2,5 kg/mol. Isto nos leva a que o número de moles da massa emitida será de 7,9564 × 1028 moles, nosso n.

Obs.: Aqui, cometi um sutil, e nem tanto, atropelo, pois o Sol possui um altíssimo gradiente de densidade. Seu centro é o local mais denso do sistema solar, com densidade de 150 g/cm³, aproximadamente umas 5 vezes mais denso que a mais densa materia trivial em nosso planeta na sua superfície, que são os metais irídio e ósmio, mas sua densidade média é de uns 1,4 g/cm³, o mesmo que muitos solventes clorados que usamos em diversas aplicações, menos que por exemplo, o ácido sulfúrico concentrado. A razão destas propriedades bizarras para nossos parâmetros de terráqueos, podemos simplificar, é sua gigantesca coluna de fluido, no caso, de uma "profundidade" de quase 700 mil quilômetros, e obviamente, sua imensa gravidade.



Como nossa emissão se dará a partir do material mais externo, consideraremos esta densidade média, que me parece ser um valor até honesto, pois poderíamos, pelo próprio termo "médio", usar uma menor. Esta densidade nos dará, para a massa que expeliremos, um volume "enquanto junto ao Sol" de 1,4208 x 1026 m³.

Consideraremos a temperatura que tal massa parte de seu "acoplamento" à massa solar como sendo do dobro da temperatura da superfície solar, o que me parece também um valor honesto, o que nos dá uns 11600 K.


Desejamos T2, na posição da Terra, portanto, consideraremos que o volume que sai do Sol, que podemos afirmar como sendo originalmente de uma "casca esférica", avança sem grandes expansões no sentido radial em direção à Terra, apenas ampliando sua "área" até uma nova casca esférica que tenha o raio da órbita da Terra (150 bilhões de metros) e passe a ter uma espessura de 1 milhão de km, ou 1 bilhão de metros (a diferença de considerar uma espessura como plana e como realmente é, que é curva, neste caso, é insignificante).

Um esquema simples, e completamente fora de escala para qualquer elemento que represente, de nosso modelo:



Notemos que neste cálculo todo, desprezamos a perda de temperatura por irradiação, e consideramos o processo inteiro como uma expansão adiabática (sem perdas para o ambiente, o que novamente é um argumento extremo, pois o espaço é o melhor meio para a perda de calor por radiação).

Pelos números acima, a casca esférica de gases terá então área de 4piR²=2,827 x 1023 m², que com a espessura de 1 x 109 m nos leva a um volume de 2,827 x 1032 m³.

Lembremo-nos:

P1V1=NRT1


P1.1,4208 x 1026 m³ = 7,9564 × 1028 . 8,314 J·K−1mol−1.11600K

P1 = 54007200 N/m² (ou Pascal, o que corresponde a umas 533 atmosferas, um valor bem razoável para o ambiente solar)

Obs.: O valor pode parecer excessivamente alto mas é o que faz um gás leve como uma mistura de hidrogênio e hélio chegar a atingir a densidade de um líquido mais denso que a água em nosso ambiente dito "normal".



Aqui, observemos que o nuvem de gás possui massa 1,9891 × 1029 kg, como vimos acima, e volume de 2,827 x 1032 m³, que nos dá aproximadamente uma densidade de 7,036× 10-4 kg/m³, o que é uma densidade umas 1700 vezes menor que a densidade do ar ao nível do mar, que gira em torno de 1,2 kg/m³.

A partir destas condições, lembraremos que a expansão que adotamos é adiabática em energia, mas se processa no vácuo, e ainda que a limitemos produzindo uma casca de menos de 1% do raio da expansão, a consideraremos uma expansão livre, que nos leva a relação:

PiVi=PfVf


O produto do volume e da pressão iniciais é igual ao produto da pressão e volume finais. De onde temos:



54007200 . 1,4208 x 1026 m³ = Pf . 2,827 x 1032 

(Tenho de confessar: meu cérebro ainda não funciona bem para equacionamentos expressos no mundo da informática, mesmo em LaTex. Portanto, cortemos no razoável a expressão das unidades, ainda que as mantenhamos coerentes e homogêneas.) 


Pf  = 27,14 Pa


Retomando, como aqui Pf é P2, e o processo se dá por uma expansão livre adiabática de um gás ideal, apliquemos:



T2 = T1 * {(P2/P1)^[(γ-1)/γ]}

Observando que γ para gases ideais gira em torno de 3/2 a 5/2, mas aqui, usaremos um valor médio de 4/2, ou, simplesmente, 2, pela mistura de gases diatômicos e monoatômicos com que estamos lidando (respectivamente, o hidrogênio e o hélio).

T2 = 11600 * {(27,14/54007200)^[(2-1)/2]}

T2 = 11600 * [5,025 x 10-7^(1/2)]=11600 * 7,0889 x 10-4



E finalmente, T2 = 8,2 K.


Uma outra maneira de se entender tudo acima, que consideraria bastante mais simples, é considerar toda a massa do Sol como passando a dispersar-se, já sem reações nucleares, pois não haveria pressão para tal, e desta, as temperaturas necessárias, numa esfera com raio igual a órbita terrestre. Sendo a massa do Sol 1,9891 × 1030 kg, e o volume desta esfera hipotética 1,4137 × 1025 km³ ou 1,4137 × 1034 m³, ficaríamos com uma densidade de aproximadamente 1,407 × 10-4 kg/m³, ou para ficar em números mais perceptíveis, 0,14 g/m³, sendo que a densidade do hidrogênio nas condições ambientes é de 0,08988 g/L, ou 89,88 g/m³, ou 642 vezes maior. Em suma, o Sol, diluído nos volumes típicos das órbitas dos planetas, é um gás bastante rarefeito.

Portanto, temos que os gases chegarão à proximidade da Terra com baixíssima temperatura, mesmo considerando todos os exageros e limitaçõe favoráveis ao argumento do filme Presságio.



Tudo isso é válido, porque os mecanismos nucleares e até diria a geometria do sistema são do Sol como anã amarela da sequência principal, no seu caso, operando fusão pela cadeia próton-próton. Quando o estoque de hidrogênio (estes prótons) acabarem e no seu centro a taxa de núcleos de hélio for dominante, o Sol começará a se comportar como uma gigante vermelha, na qual a força de gravidade causa a pressão que produz as reações nucleares de fusão de núcleos de hélio (no caso do Sol em seu futuro, pois estrelas maiores "queimam" ainda outros núcleos), mas não consegue manter seu tamanho, digamos, sob controle, e o excedente de calor produzido começará a expelir suas camadas externas ao ponto de se comportar como uma enorme nuvem rubra de gases aquecidos que atingirão inclusive a órbita terrestre (o que implica, para o raio do Sol, em este crescer umas 200 e poucas vezes). Neste caso, não seremos atingidos por flares de uma estrela com erupções, mas estaremos nadando em suas camadas atmosféricas mais externas, como um pedaço de mussarela imerso no fogo. [NOTA]


A Terra sendo absorvida pelo Sol em sua fase de gigante vermelha. Para um vídeo sobre este fenômeno, Red Giant...And the Earth Burned.

Enquanto o caso que analisamos pertence à hipótese a ser analisada e ao argumento de uma ficção, este quadro apresentado pertence aos fatos claros e inexoráveis pelos que passam todos os planetas dentro de um determinado raio de distância de suas estrelas. Pela nossa posição e atual estágio de evolução de nossa estrela, podemos, quanto às erupções, dormir mais que tranquilos pelos próximos um ou dois bilhões de anos (pois primeiro enfrentaremos problemas de aquecimento pelo aumento de produção de energia pelo Sol), antes dele entrar na fase em que nos absorverá, restando apenas preocupações quanto a efeitos eletromagnéticos em nossos sistemas de comunicações e distribuição de energia elétrica.


Nota: E um tanto tardia. Talvez o leitor me pergunte como o Sol, em seu atual conjunto de características, expandido para o volume de uma esfera de raio da órbita terrestre não calcine a Terra, como julgo demonstrar naquele parágrafo, mas no futuro se expandirá até derreter-nos. A resposta é que o Sol se expandindo na sua atual composição, diminuiria suas reações nucleares que aqueceriam esta nuvem de gás em que se tornou, exatamente pois a pressão em seu centro diminuiria, mas quando se expandir como gigante vermelha, tal se dará porque as reações em seu centro serão muito mais energéticas, e manterão a massa de gases em expansão absorvendo radiação e se aquecendo. No primeiro caso, estaríamos dentro de um bolsão de gás que pouco antes era uma estrela, e no segundo, estaremos dentro de uma estrela, em plena atividade de uma fase turbulenta, que por fim, a levará à extinção.



Anexos

Tenho alguns problemas eventuais com matérias deste site, mas este artigo pode ser bastante interessante:

Outros links:

Um conceito que deve sempre ser conhecido por quem se interessar sobre Astrofísica:

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