quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Pestes

Leia com atenção leitor: somos a mais devastadora peste que este planeta já produziu.[NOTA]

A começar, pois nenhuma outra contou com acréscimo até de fissão nuclear como fonte de energia em seu substrato. Lembremos também que não somos uma espécie que "substituiu" outras. Somos a continuidade de espécies que sucederam-se, modificaram-se continuamente desde L.U.C.A., assim como todas as que nos cercam e que inclusive colaboramos com a extinção. Somos uma praga persistente, e agora, tremendamente poderosa.

Mas sempre tememos novas e antigas pragas, como recentemente, a "Febre Mexicana". Reafirmo: somos uma praga tão resistente que para desespero de alguns criacionistas, sobrevivi ao H1N1, e com não mais de 3 dias de uma suportável febre, um bocado de dores no corpo e um tanto de inconvenientes náuseas.

Claro que com pragas poderosas, referindo-se ao número de mortos, nos dias de hoje (e em qualquer tempo) teremos de considerar o fator população. A epidemia de gripe de 1918 teria infectado mais de 1 bilhão de pessoas, metade da população mundial naquela época. A população mundial atual totaliza quase 7 bilhões de pessoas (bastará outubro para passarmos deste número). Logo, na mesma proporção, teríamos um número muito maior de doentes e mortos. Mas não acredito que poderia ser muito a mais que isso, e adiante explicarei os motivos desta minha fé otimista.

Neste artigo tratarei de três filmes e temas relacionados, para abordar esta ideia.

Antes, um lembrete útil, há muito guardado: Antibióticos não ajudam em coisa alguma diretamente contra as viroses, mas não para infecções oportunistas que virão com as infecções por vírus. Nem pesquisarei números, mas mais gente morre de pneumonia, que é causada por bactérias, decorrentes de infecções em organismos debilitados por infecções por vírus, como gripes e resfriados, do que pelas próprias gripes e resfriados. Mantenha sempre seu sistema imunológico "para cima", ele fará com os vírus muito boa parte do serviço.

Epidemia (Outbreak, 1995 - IMDB)

Convenhamos: qual parte do planeta ainda não empestamos, e mesmo em nossos povos mais primitivos (aqui, com o sentido de fora do processo civilizatório, indústria e tecnologia) não habitou exatamente as mais profundas florestas?

Com quais dos animais do mundo, especialmente primatas, não mantém contato há milênios?

Então, como raios vai por um surto, começar a morrer exatamente numa destas populações lá há séculos?

Evidente que um vírus agressivo como o Ebola ou o Hanta seja extremamente letal. Mas percebamos que mesmo um Ebola modificado, como o ficcional "Motaba" se existente, já teria se disseminado por países como o Congo (ou Zaire, como queiram), ou mesmo pela África inteira, e aí, caro leitor, enfrentaria há séculos o que a humanidade produziu de mais eficiente para enfrentar (e enfrentou, em sua ancestralidade, por milhões e até bilhões de anos) estas pragas: sua diversidade. Não somos guepardos que por nossa própria ação são praticamente clones uns dos outros. Mesmo na áfrica possuímos etnias e subetnias tão diversas que uma virose letal à uma tribo ou povo inteira poderia apenas ser uma febre inconveniente para a tribo vizinha da primeira dizimada.


Mesmo grupos familiares dentro de um grupo étnico podem apresentar genética que suporte esta ou aquela virose. Mesmo questões menores, como o ordenhar vacas, poupou humanos ao longo da história de moléstias terríveis como a varíola, e aí está meu pai para mostrar isso, ainda em pleno século vinte, e mesmo sem a suave varíola bovina para uma vacinação natural e preparar sistemas imunológicos para apresentar uma limitada ainda que útil resistência, nosso indígenas, por toda a América, resistiram firmes e fortes à milhares de agentes infectantes trazidos por transmissores, que aqui podemos também chamar de espanhóis, portugueses, franceses, holandeses, ingleses e mais um tanto de africanos talvez com "Motabas" até já extintos, por serem predados implacavelmente por algum sistema imunológico oriundo de determinada genética que ainda não tinha enfrentado.

O ficional Motaba.

Claro que um vírus até inofensivo, como a "gripe das galinhas", pode mutar e se tornar a mais devastadora das gripes mexicanas ou gripe de um país logo ali na esquina. Mas também pelo mesmo motivo, a menininha frágil que nasceu há 300 anos, que mal sobreviveu a uma gripe fraca e teve tempo de produzir uma descendência que hoje chega aos milhares, que talvez em algum navio de escravos ou emigrantes foi levada para a América, onde morreu de uma outra infecção, também pode ter produzido um sistema imunológico que resistirá implacavelmente a esta mutada nova virose.

Assim, a aleatoriedade das mutações pode nos causar problemas, mas também é a fonte das soluções que nos perpetuarão.


O jogador de basquete Shaquille O’Neal e sua namorada, mostrando o quanto nossa espécie é diversa.


Vírus (Carriers, 2009 - IMDB)

Exemplo do que chamo de "meus preconceitos que viram pó". Quando vi sua resenha na barra de informações da TV por assinatura, julguei precipitadamente que se tratava de outra aventura dramaticóide de soluções fáceis como Epidemia. Trata-se de uma tragédia terrível razoavelmente bem contada, uma distopia com traços realistas. Mostra, de maneira chocante, o quanto podemos chegar a ser egoístas para proteger nossa própria vida, e o quanto teríamos de nos tornar "duros" (até com a mais íntima pessoa amada) para não propagar ainda mais a doença que nos aflige.



Não soma coisa alguma contra a argumentação que fiz acima, e igualmente, tem o mesmo erro fundamental: parte do pressuposto que nenhum sistema imunológico humano sobreviveu ao longo destes milhões de anos a todas as variações dos vírus que nos atacaram.

Pelo que já vi, o em breve a ser lançado Contagion envereda por uma infecção cujo principal fator é determinada proteína. O mesmo argumento teria eu de repetir: em milhões de anos, qual a variação que ainda não testou a aleatoriedade da natureza contra nós, que ainda não respondemos com aleatoriedade de igual impacto?

Cena de Contagion (trailer no YouTube).


Eu sou a lenda (I Am Legend, 2007 - IMDB)

Aqui, a variação criada no vírus do sarampo combate o câncer (perdão, ficcionista-pálida, mas fora a possibilidade real disto, da qual não discordo de forma alguma, qual câncer?) ou mata humanos (nada anormal, mas vejamos novamente a limitação apresentada anteriormente) ou os transforma em zumbis terríveis, com algumas nuances de sensibilidade à luz de vampiros.

Pausa: é evidente que a novela original é um clássico entre os clássicos, mas não muda em coisa alguma a questão.

Qualquer variação numa estrutura de vírus será limitada pelas leis da bioquímica (que são leis da química). Esta variação não será algo de transcendente, exótico, às variações já feitas e testada pela cruel sobrevivência - leia-se a seleção natural, implacável, que já apresentei nas entrelinhas acima - e mais uma vez, a frágil menininha com mutação favorável a isto, pode ter surgido em nosso passado, e estar aí, entre nossos daqui a pouco 7 bilhões de macacos pelados a empestar o planeta.

Agora, meu lado cruel com as ficções que não escrevi: que raios de ser vivo, ainda mais uma modificação de um humano, passa a ter força descomunal, temperatura corporal de um periquito, batimentos cardíacos de um gato num coração do tamanho de um porco de pequeno a médio (como é o nosso) e sobrevive sem alimento abundante anos a fio, em população significativa, não levando bala a torto e direito dos mais fortes de nós (a começar pelo sistema imunológico que resistiu a pior das pragas imagináveis) e ainda mais sem racionalidade que se compare ao mais limitado intelectualmente de nossos trabalhadores braçais (que em minutos aprenderia a sentar bala num zumbi estúpido)?

Nem vou abordar que se cães infectados seriam, por qual motivo não o seriam (e no filme são) ratos, camundongos e ratazanas, e de suas abundantes pulgas, o doutor e seu cão perambulando dando tiros pelo Times Square em veados, também com roedores e cães aparentados, e tais veados são perdidos para leões, com cães também aparentados, todos eles com suas pulgas numa teia infindável de contagios cruzados?




Sim, sou um chato detalhista, e de tais erros, procuro apresentar conceitos em Biologia e seus derivados, e prepotentemente, do máximo de ciências que eu consiga.

Na verdade, não somos resistentes por sermos fortes, senão estaríamos dividindo a Terra com tigres-dentes-de-sabe, mas somos resistentes por sermos fortes num sentido muito mais amplo e profundo que simplesmente músculos, dentes, garras ou couraças. Somos fortes exatamente por nos comportarmos como uma peste. Aqui, o agente Smith, de Matrix, nos analisa muito melhor que as mais temerosas distopias nas quais somos vítimas, e não os autores de erros fatais.

Claro que a mensagem de prudência da novela e filme são válidos, mas julgo que tudo advém de nossa característica particular de sermos paranóicos com os fatores errados, aliás, característica que nos foi também selecionada. Expandimos nosso medo pessoal da morte. O apocalipse não advirá de pequenos organismos - deles pode vir inclusive nosso rico futuro, ou virá da toda poderosa natureza em sua maior escala, como o Sol ou algum asteróide ou cometa de bom tamanho e rota perigosa (recomendo Escolha a Catástrofe de Isaac Asimov), ou por ação do mais pernicioso dos seres que já habitou este planeta:

Nós.



"Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável". - Drummond

(Garimpado a partir de excelente texto de Lucas Echimenco)

A investigação das doenças progrediu de tal forma que é quase impossível encontrar alguém totalmente saudável. - Aldous Huxley


Nota: Para um panorama geral do quanto sustento esta afirmação, recomendo ler minhas blogagens:
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