A escala da produção de energia
Ou como vamos (ou não) chegar "ao rubro".
Observemos que ao longo da história da civilização, e tomemos apenas o, digamos, período cristão, passamos do século I ao século XVII usando apenas: nossos corpos, os corpos de animais, queima de, principalmente, lenha, e raras rodas d'água.
Com o advento da era industrial, e obviamente do seu motor, com o perdao do trocadilho infeliz, a máquina a vapor, passamos os séculos XVIII e XIX usando crescentemente máquinas a vapor nas mais variadas escalas. Aqui, podemos retornar brevemente a questão da mineração, pois da crescente necessidade de combustível para tais máquinas, nasceu a mineração de carvão, mas nem nos preocupemos com tal ponto, pois como veremos, nosso problema é muito maior que o consumo de um combustível fóssil qualquer e seus efeitos no ambiente.
Com a advento da, chamemos, era do petróleo, adicionamos um outro combustível fóssil a, chamemos assim, nossa planilha somatória de problemas. Notemos que o petróleo em si não foi o suficiente, e adicionamos a este o gás natural e já avançamos sobre as areias betuminosas, como se evidencia na relação de produção de óleo entre o Canadá e os EUA, e em breve, a não ser que outra rota seja traçada, avançaremos sobre o xisto.
Percebamos que a dificuldade de extração e produção de combustíveis já não é há muito o nosso problema, e sim, sua disponibilidade limitada.
Encerrada a análise dos combustíveis fósseis, percebamos que embora sejam usados para a geração de energia elétrica, e esta por si já caracteriza uma era de fonte/uso de energia em paralelo com a do petróleo, se iniciando um pouco antes desta (com o advento da iluminação pública elétrica e do uso de motores elétricos), também geramos energia por meio de turbinas que em nada relacionam-se com os combustíveis fósseis, como as hidroelétricas e as usinas nucleares, e mesmo neste caso extremamente dispensivo, massivamente (vide a França).
Não contentes em avançar, mesmo com os riscos, contando com as vantagens, sobre tal fonte de enorme capacidade como a nuclear, os países, em especial os ricos, há bastante tempo já esgotaram (ou quase) sua máxima capacidade de gerar energia de origem hídrica, e conjuntamente a isto, avançamos agora sobre a eólica, que somente nos EUA já propicia haver fábricas de geradores de grande porte produzindo três geradores por dia, o que permite instalar uma usina das que vemos no Brasil (em torno de 75 a 100 geradores) a cada mês.
Ameaçamos avançar sobre a geologia de nosso planeta, com a geração geotérmica, como já o fazem por absoluta disponibilidade e conveniência Islândia e Nova Zelândia. Citando estes dois, já pensamos e implementamos, quando não já está implementado, a geração de hidrogênio e seu uso como combustível, o que nos daria a imensa reserva mineral que são os oceanos como fonte de matéria prima numa escala inimaginável mesmo aos magnatas do petróleo da virada do século XIX para o XX, que ao seu tempo e hoje ainda, contruiram os maiores conglomerados industriais da civilização.
Falando em mar, poupar-me-ei de citar as marés e ondas, pois acho que o básico (se é que não é ridículo afirmar isto) já foi apresentado para perceber-se que estamos numa curva crescente exponencial de geração de energia, que mais e mais fomenta o crescimento de outras atividades que já analisei.
Mas como disse e repito, este ainda não é o nosso maior problema.
Em seu livro O Universo numa Casca de Noz, o físico Stephen Hawking apresenta uma questão simples, porém assustadora. Com o crescimento de nossa economia (e esta não relaciona-se diretamente e exatamente com nossa população, observemos), nossa geração de energia, que pela ineficiência que caracteriza todo processo de transformação de energia de algum tipo (como a hidráulica) em mecânica (qualquer máquina acionada por motor elétrico, por exemplo), ocorre uma dissipação de calor. Este calor irá para o ambiente, e o aquecerá (e nada adianta construirmos refrigeradores para o ambiente, pois a sua ineficiência gerará mais calor ainda para o ambiente). Com a progressão que temos no crescimento da geração de energia (e lógico, de seu consumo), ao cargo de 600 anos, pelos números históricos, nosso planeta chegará a temperatura de um metal ao rubro.
Observe-se que isto não tem relação alguma com o que seja o aquecimento global, que relaciona-se teoricamente somente com a presença de gases de efeito estufa na atmosfera e a energia do Sol, que lembrando bem, nem citei como fonte imensa da qual não exploramos uma ínfima parcela.
Mas voltando a temperatura de um metal em brasa, lembremos que não necessitamos de uma temperatura de cauterização para eliminar a possibilidade de vida na Terra (aliás, Vênus já o faz pelo efeito estufa e Mercúrio o sofre pelo Sol). Necessitamos apenas da temperatura de uma sauna.
Então, na atual taxa de crescimento de nossa demanda de energia (e esta mostra-se sinergizadora de mais demanda, e não um freio ao processo), chegaremos ao nível do insuportável em muito menos tempo que o que nos separa das grandes navegações européias.
Somemos um atenuador, para eu não ser acusado de ser um catastrofista (quase histérico). Observemos que nos últimos anos, desenvolvemos um número cada vez maior de "destinos" mais eficientes para nossas fontes de energia, em especial, a elétrica. Lâmpadas que mais iluminam que geram calor, máquinas com motores mais eficientes (esta progressão, na verdade, já chega a um século), processos industriais menos dependentes de calor, etc. Assim, o prazo para nossa temperatura de sauna se estenderia, mas não ilimitadamente, nem mesmo para números muito maiores que aqueles com que Hawking me causou o impacto que causou e motivou este texto, mas sim, o que calcularei agora.
Consideremos que ao invés de para uma economia crescente em 1% ao ano, não tenhamos um crescimento da geração/consumo de energia nem maior nem igual a 1%, e sim, míseros 0,1%. Então partindo da quantidade de calor que produzimos HOJE, e notemos que este número JÁ ESTÁ nos cálculos de Hawking, em 500 anos chegaremos a 64% a mais de geração de calor para o ambiente. Então uma nova era das navegações (distante igualmente no tempo) disporá de um número não assustador de calor perdido para o ambiente. Em mil anos, chegaremos a 170%, então talvez, numa nova Idade Média, não tenhamos invernos longos de origem vulcânica, mas sim, verões desconfortáveis. A um distância no tempo de 2000 anos, talvez voltemos a usar saiotes romanos, pois a dissipação de calor já estará em mais 600 %. A um intervalo de tempo como o da construção da pirâmides, já estaremos a quase 15 mil %, e talvez invejemos a vida do mais sofrido dos trabalhadores egípcios.
Dois pontos, antes de eu dar o "arremate":
-Não precisarei apresentar números de distâncias no tempo como os da adoção da agricultura ou ainda da "eva mitocondrial" para mostrar que tal progressão é insana em seus resultados, e não tardará a chegar ao problema que Hawking aponta.
-Observemos, e aqui fui na verdade desonesto, que para uma progressão da geração de energia de qualquer valor, para a dissipação de calor pela ineficência ser menor que esta, a eficiência tem de ser crescente, e isto gera problemas praticamente insolúveis no tempo, e limitados não pela tecnologia, mas sim, pelas leis da natureza, ou se quiserem, pela Física.
Números simples, contas fáceis, resultados claros.
Mas ao que me parece, não estamos no planeta para passar abrasador calor, e sim para perpetuarmos nossa espécie (aliás, na verdade, é só isso que fazemos, e as vezes, com os piores tropeços possíveis).
Assim sendo, e tal me parece cristalinamente óbvio, não podemos trasformar nosso planeta não na cela da qual por enquanto não podemos sair, e da qual não sairemos por muito tempo, pois isto o planeta que habitamos já é.
Não podemos transformá-lo na fornalha que nos matará.
Apêndice
No artigo "O Coração Turbulento da Terra", Ulisses Capozolli, na SciAm Br de maio de 2011, apresenta o modelo, ou escala, de Nicolai Kardashev, no qual as civilizações de grupo ou nível I, tal como a nossa, que ainda queima árvores abatidas até para esquentar seus alimentos, dispõe de uma oferta energética de aproximadamente 4x10^19 erg/seg (como 1 erg é 1 × 10−7 joule, este valor corresponderia a uns 4x10^12 watts). Numa taxa de crescimento de 3 a 4% ao ano, atingiríamos em 3200 anos o grupo ou nível II (aproximadamente o mundo ficcional de Satr Trek), explorando toda a capacidade de geração de energia do Sol, numa escala de 4x10^33 erg/seg. Com mais alguns cálculos, poderíamos chegar ao tempo que levaremos para explorar toda a energia de todas as estrelas da galáxia, no grupo ou nível III, ou 4x10^44 ergs/s.
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