quinta-feira, 9 de abril de 2009

Humanidade Como Força Geológica I

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Preparando o terreno

Neste texto, apresentarei algumas observações sobre a escalada que temos tido, desde uma espécie sobre a Terra, insignificante frente ao todo, ainda que construtora de grandes obras de arte e arquitetura, uma ou outra pequena alteração no ambiente, até os dias de hoje, quando nos colocamos ao lado das maiores forças da natureza, e ao que parece, ainda iremos mais longe, embora tenhamos de mudar alguns de nossos péssimos hábitos.

Algumas notas sobre cinema

Lembrando o filme Patton (no Brasil com o péssimo subtítulo "Rebelde ou Herói?", 1970, IMDB) sempre me vem a mente uma de suas falas, ao personagem principal ver, se não me engano já na Itália, um extenso comboio militar numa estrada: -Nenhuma atividade humana se compara à guerra.

Infelizmente, tenho de concordar com o autor do roteiro, e talvez, se verídica a citação, com Patton.


Uma coluna de tanques do 3o Exército, sob o comando de Patton, entrando em Bayreuth.

Para avançar sobre o que apresentarei, pegando ainda o tema da guerra como atividade humana, colocarei o dado adicional que na Segunda Guerra Mundial, a Operação Overlord, do desembarque das primeiras forças aliadas na França, em 1944, 155 mil homens foram utilizados na maior operação de desembarque anfíbio de todos os tempos, sem nem mesmo falarmos da enorme estrutura e recursos de retaguarda em navios, aviões e recursos logísticos diversos, como combustível, e tal planejamento e peparação, pelo menos demandou os dois anos anteriores, inclusive em armazenamento de recursos materiais, sem falar na preparação dos recursos humanos. Acrescentarei, por fim, que a distância a ser transposta, no desembarque, não ultrapassava, mesmo com os deslocamentos finais em terra, das diversas bases na Inglaterra, 400 quilômetros, que poderiam até ser somados (para nossa argumentação) à travessia do Atlântico pelos recursos vindos dos EUA.


Desenbarque anfíbio no "Dia D".

Claro, que não devemos esquecer o "pequeno" detalhe que tais forças enfrentariam um exército extremamente bem treinado e experiente, fortemente guarnecido em fortalezas e dotado de tecnologia superior em diversos campos (os blindados seriam o melhor exemplo), além de sustentado por uma das maiores potências industriais e econômicas do planeta, dispondo dos recursos de um continente inteiro e ainda um tanto de outro.

Menos de 50 anos depois, a Guerra do Golfo mostrou o cenário de uma hiperpotência (sim, eu gosto e uso este conceito), com orçamento militar superior a soma de todos os demais países do mundo, inigualável em tecnologia militar, dispondo de domínio total do espaço aéreo, retomou um país pequeno, enfrentando uma potência militar cambaleante após anos de guerra com outra, dispondo de um volume de recursos limitado a seu próprio território, sem estrutura industrial significativa a não ser no setor de petróleo, incapaz inclusive de produzir seu próprio alimento, com nada menos de 750 mil homens, total este que inclui também forças, não menos qualificadas, da chamada "coalisão", dispondo, evidentemente, do apoio das mais ricas nações do mundo além dos EUA, e de fontes de recurso que pela própria definição, a exceção do Iraque e algum apoio insignificante deste, seriam oriundos do planeta inteiro.


Duas cenas da Guerra do Golfo, a escala das forças envolvidas e a destruição provocada.


Guerra é uma serie de catástrofes que podem resultar numa vitória. - Georges Clemenceau.

Aqui, citarei o documentário Uma Verdade Inconveniente (2006, IMDB), na qual Al Gore apresenta que quando nasceu, tinhamos passado aproximadamente 10 mil gerações, desde nossa especiação final no que seja o Homo sapiens, para na data de seu nascimento, estarmos caminhinhando na faixa de 2,5 bilhões de habitantes, e ainda em sua vida, caminhamos já para 7 bilhões. Assim, tal como ele afirma em seu trabalho, eu afirmo de maneira similar: -Algo me diz que estamos com um problema!

Lembrando mais uma vez filmes, entre todas as obras até absurdas de ficção dos anos 50, uma das mais peculiares é "A Selva Nua" (The Naked Jungle, 1954, IMDB) do diretor Byron Haskin (o mesmo de Guerra dos Mundos, de 1953) com Charlton Heston, no qual o personagem principal, na floresta amazônica, enfrenta "marabunta", que são formigas em deslocamento ao número de milhões, devorando tudo pelo seu caminho, desde plantas até infelizes trabalhadores em suas canoas.

Vejam como são ingênuos os autores de tais roteiros e diretores e mesmo o despreocupado H.G Wells (o autor do romance original Guerra dos Mundos), que enquanto criava uma séria obra de ficção, embora com a ingenuidade científica de que seriam os invasores de Marte, perfeitamente perdoável, procurando criar uma grande metáfora para o massacre das forças colonialistas européias na África, aos moldes do que foi feito por Joseph Conrad em "O Coração das Trevas", inspirador de "Apocalipse Now" de Francis Ford Coppola (do qual poderia também lembrar que os EUA lançaram mais bombas sobre o Vietnã e Laos do que em toda a Segunda Guerra Mundial, no que voltaríamos à uma argumentação similar à inicial).

Mal perceberam estes autores que as "formigas em marcha" são as próprias pessoas que assistiriam seus filmes, e os piores invasores dos planeta são as que leriam seus livros, e com alguns significativos agravantes: não devoram apenas parte da floresta amazônica, que pode se recuperar (e sempre se recuperou das formigas), não matam apenas pobres infelizes em suas canoas, não podem ser detidas com óleo e rompimentos de represas e nem mesmo estão matando apenas uma civilização tecnologicamente inferior na distante África. Devoram as florestas do planeta inteiro, eliminam milhares de infelizes de sua própria espécie e de qualquer outra, mesmo que nos descuidos de sua marcha até insana, mesmo que ingênua, e já estão aqui, e não talvez por um acaso venham no futuro de um planeta distante.


Uma carcaça de elefante, na África.

Sobre "planeta distante", seria bom, antes do restante da apresentação, deixarmos bem claro de que não seremos mortos nem mesmo por microorganismos deste planeta - os senhores absolutos dele há 3,8 bilhões de anos - com os quais estamos em convívio há os mesmos bilhões de anos, inclusive os consumindo em nossos processos tanto biológicos internos quanto domésticos e industriais e muito menos poderemos fugir para qualquer planeta, tão distante quanto os mais maduros em termos de ficção científica na imensidão da distância assim como no tempo imaginamos, mesmo para que se tornem a mais desagradável das florestas ou mantenham-se como o mais árido deserto, pois volto a repetir: a Terra é o insignificante planetinha em que habitamos e embora agradável, é prisão terrível da qual ainda não podemos escapar, hoje, e pelo menos, ainda por muito, muito tempo.

Tendo isto apresentado, passemos a mostrar, além de descrição da escala dos esforços de guerra, outras atividades relacionadas até diretamente a esta, que nos transformaram em vorazes formigas em marcha, nunca antes imaginadas na ficção. Como li recentemente: "somos muitos":

Sem defender ou justificar nossa competição intraespecífica, o problema está em frear a nós mesmos: o desejo de deixar descendentes, o imperativo reprodutivo.

MILTON MENDONÇA JR; Professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da UFRGS; O filme “Avatar” nos alerta: somos muitos


Uma cena do cotidiano da Índia. Não haveria na Terra população de formigas que a pudesse enfrentar.


A escala do estrativismo mineral

(ou como as montanhas foram removidas e levadas até novos Maomés)

Ao tempo dos egípcios a mineração de cobre, posteriormente o ferro, ao tempo dos romanos o enxofre, era feita por mãos humanas, em afloramentos superficiais extremamente destacados, sem a mínima ação significativa sobre o ambiente, e mesmo se o houve ao tempo das grandes civilizações do passado, atingiam um pequeno rio ou localidade (o Rio Tinto na Espanha ainda está lá, praticamente sem diferenças do seu passado romano, e continua sendo mais uma ação da geologia que uma ação humana). De pás e burros, bois e rodas d'água, passamos a máquinas a vapor, e destas ao diesel e as grandes máquinas elétricas e mistas, e hoje não mais localizamos superficiais jazidas. Nós modificamos a paisagem e até a geografia de regiões inteiras. Torna-se, nesta escala, desnecessário dizer que afetamos gravemente o ambiente. A literatura até popular dos ecologistas é abundante em exemplos, e os jornais são lotados de notícias de problemas oriundos deste processo, onde sacos no lombo de mulas se tornaram pás de centenas de toneladas que enchem caminhões de igual escala e alimentam fábricas que num dia produzem mais QUALQUER COISA que todo o Império Romano ou os Egípcios dispunham num ano inteiro.


O Rio Tinto, com sua característica dissolução de minerais, conhecido desde o tempo dos romanos.

Coloquemos antes de encerrar este ponto, um pequeno cálculo: com mulas que levem 100 kg em cada viagem, seriam necessárias 1 bilhão de viagens para mover o morro que habito em Porto Alegre, que estimo em 100 milhões de toneladas. Com a atual capacidade dos caminhões de mineração, seriam necessárias 200 mil viagens, e como tais caminhões fazem facilmente 10 de suas viagens por dia de trabalho, três caminhões fariam tal deslocamento no mesmo período de tempo em que foi construída a grande pirâmide de Giza.

Não é por outro motivo que já existem minas a céu aberto no mundo não maiores que o morro sobre o qual resido em Porto Alegre, mas sim maiores que a cidade onde este fica.

Explico: certa vez calculei, para um artigo, a massa do Morro da Polícia, de 298 m de altura, com quase o dobro da altura que o morro onde tenho residência, considerando-o um sólido de base de 5 por 5 km, com altura de 0,298 km, o que dá 7,45 km³ (um absurdo, pois ele não é um paralelepípido, o ideal seria considerá-lo uma pirãmide, mandando este valor para 1/3 de 7,45 km³, mas façamos assim, e consideremos então este volume de 7,45 bilhões de metros cúbicos. Com a densidade do granito em 2,6 ton por metro cúbico chegamos a um valor de 19,37 bilhões de toneladas. Nada excepcional para o mundo da atual mineração. Basta dizer que uma mina a céu aberto de 10 km de diâmetro, considerada como um cone, com 500 metros de profundidade, no mesmo material, já teria um volume de aproximadamente 13,8 km³. E temos minas a céu aberto muito maiores que isso.

Bingham Canyon Mine, Salt Lake City, Utah, uma das maiores do mundo, com diâmetro de aproximadamente 20 km.

Mesmo em terras brasileiras a escala da mineração já dá suas mostras, como claramente em Minas Gerais. Lembro-me de reportagem que mostrava paisagem de montanhas dos, digamos, anos 60 e na imagem atual, uma das monatnhas não estava mais lá. Agradeço desde já o fornecimento desta imagem.

Exemplos de destruição da paisagem em Minas gerais. à direita o Pico do Itabira.


Recomendações de leitura:



Minas de Mirni, Rússia, e Diavik, Canadá.


Aqui talvez me torne logo repetitivo, mas: -Algo me diz que estamos com um problema com nossas necessidades e consumo de minérios e matérias primas!


A escala da produção agropecuária

Se considerarmos a maior potência agrícola do passado, da antiguidade, sejamos específicos, que nem discutiria que seria o Egito, até porque sua produção agrícula era de certa maneira "estatizada", veríamos que ocupavam áreas férteis não maiores do que mesmo hoje ocupa o (atual) Egito, e certamente com atual produtividade por área maior. Mas notemos que hoje o Egito é um anão agrícola frente as grandes potências agrícolas do mundo, como os EUA e o Brasil. Mas não consideremos ainda o total de área cultivada, que é obviamente muito maior hoje que em qualquer data do nosso passado.


Uma visão da escala de proidução agrícola dos EUA.

Consideremos os métodos.

Os egípcios, assim como os povos nos 20 séculos posteriores, usavam arados puxados por animais de tração e quanto muito detinham formas primitivas de fertilização do solo, e praticamente nenhuma forma de defender suas plantações de ínúmeras pragas, quanto muito de irrigá-las, o que, inclusive nisto, crescemos em escala ao ponto de secarmos rios e lagos inteiros.



Interessantes leituras:

WASHIGTON CARLOS DE ALMEIDA; A AGUA NA AGRICULTURA - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DA ÁGUA NA AGRICULTURA. - www.abda.com.br

 "...as águas são muitas, infindas". - Pero Vaz de Caminha, Carta ao Rei de Portugal






Fragmentos de Leitura - diversos autores; Nordeste sertanejo: a região semi-árida mais povoada do mundo; Estudos Avançados; Estud. av. vol.13 no.36 São Paulo May/Aug. 1999; doi: 10.1590/S0103-40141999000200003


O "Mar" de Aral, uma das muitas tragédias de uso abusivo do recurso água, julgado ilimitado.

O mal uso da água – o Mar de Aral - www.planetaorganico.com.br


Hoje, temos uma escala de produção não muito menor em porte de máquinas do que a mineração, turbinada pela fertilização na escala da mineração, escalas de deslocamento de grãos e outros frutos da terra que estão entre as maiores atividade humanas e despejamos toneladas de qualquer tipo de defensivo ao primeiro sinal de pragas, independentemente de questões tecnológicas e até ambientais já resolvidas nos últimos anos, e as espécies que exploramos entre os vegetais e os animais estão entre as mais prolíficas do planeta, chegando a encurralar em pequenos nichos as então outras abundantes que não contam com o nosso apoio, a não ser em casos de que a protejamos.

Assim, temos outro problema com o que comemos, e exatamente porque assim comemos, estamos hoje neste nível de população que nos é um problema.



Na publicação original:
Por hora, tentando romper com meu perfeccionismo tolo e infantil (e que diminui demasiadamente meu número de publicações), ficarei por aqui, e prometo em breve o tratamento destes outros dois pontos:


A escala da produção de energia

Ou como vamos (ou não) chegar "ao rubro".

A escala das nossas cidades

Ou como as florestas se tornarão obrigatoriamente parques.

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