quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Ou o Universo, ou Nada - Reflexões sobre nosso futuro

Primeiramente, algumas citações.


“Ou o Universo, ou Nada.” - H.G. Wells


Ou, em “The Shape of Things to Come”, levado ao cinema em 1936 em obra fundindo dois livros de Wells, com o título em português "Coisas Que Estão Por Vir" ou "Daqui a Cem Anos" - dependendo da edição - (Things to Come, 1936), aproximadamente:


“Se somos divinos, o universo é nosso por herança. Se somos animais, é nosso pela necessidade de sobrevivermos. Logo, temos de conquistar o universo, mais e mais, eternamente.”


“Nós somos todos Sementes de Deus, mas não mais ou menos do que qualquer outro aspecto do universo, Sementes de Deus são tudo o que há - tudo que muda. Sementes da Terra é tudo o que difunde a Terra em novas terras. O universo é Semente de Deus. Nós somos somente Sementes da Terra. E o Destino da Semente da Terra deve enraizar-se entre as estrelas.” - Parábola do Semeador,  Octavia Butler


“- Lameth, devem saber - continuou o chanceler oficialmente - apresenta uma nova e interessante adição ao meu conhecimento prévio sobre a Questão da Origem.

- Que questão? - interrogou Hardin.

- A Questão da Origem. O lugar de origem da espécie humana. O senhor deve saber, com certeza, que se pensa que a raça humana ocupou inicialmente apenas um sistema planetário.

- Bem sei, bem sei.

- Ninguém sabe ao certo qual o sistema, encontra-se perdido nas brumas do passado.

Existem, contudo, várias teorias. Sirius, dizem uns, outros insistem sobre Alfa Centauro, ou no Sol ou em Cyngi 61 - todos no setor de Sirius, como se vê.

- E que diz Lameth?

- Bom, ele parte de um caminho inteiramente diferente, tenta demonstrar que os restos arqueológicos no terceiro planeta do Sistema Arcturiano mostram que a humanidade existiu ali, antes de haver quaisquer indicações de viagens no espaço.

- E quer isso dizer que esse é o berço da humanidade?

- Talvez. Devo lê-lo de novo com atenção e pesar as provas antes de me pronunciar.

Tem de se verificar o peso de suas observações.” - Fundação, Isaac Asimov


“Se a nossa sobrevivência, a longo prazo, está em perigo, temos uma responsabilidade básica para com a nossa espécie de nos aventurarmos a outros mundos.” - Carl Sagan - Pálido Ponto Azul  



Introdução

O destino da humanidade, segundo H.G. Wells, resume-se a uma escolha existencial: “Ou o Universo, ou Nada.” Essa dicotomia dramática não é apenas um desafio tecnológico, mas um imperativo filosófico e moral que define o futuro de nossa espécie. É um argumento que ressoa através da ficção científica e da astrofísica, ligando o impulso primitivo de sobrevivência à nossa vocação cósmica. De um lado, como argumenta Carl Sagan, a expansão é uma responsabilidade básica de longo prazo contra a fragilidade de estarmos confinados a um único mundo. De outro, a profecia de Octavia Butler sugere que este é o Destino da Semente da Terra: cumprir nosso papel na vasta mudança do cosmos. Ao examinarmos essa jornada — da necessidade de sobreviver ao desejo de herdar o cosmos, até a transcendência de nossas próprias origens, como vislumbrado por Isaac Asimov — é evidente que a verdadeira moralidade do nosso futuro reside na ação. O ensaio a seguir irá explorar como a conquista do universo é, simultaneamente, o mais elevado ato de autoconservação e o cumprimento de um destino biológico-cósmico, tornando a inação a única forma real de imoralidade para com as gerações futuras.


O Imperativo Terrestre: Sobrevivência e Necessidade 


O primeiro pilar da nossa jornada para as estrelas é a necessidade, uma resposta pragmática à nossa própria fragilidade. Carl Sagan sintetizou esta verdade fria: "Se a nossa sobrevivência, a longo prazo, está em perigo, temos uma responsabilidade básica para com a nossa espécie de nos aventurarmos a outros mundos." Essa "responsabilidade" eleva a exploração espacial de uma aventura de elite a um imperativo moral. Confinada ao Pálido Ponto Azul, a civilização humana permanece vulnerável a ameaças que abrangem desde as catástrofes cósmicas, como o impacto de um asteroide, até as crises autodestrutivas, como o colapso climático ou um conflito nuclear. A dependência de um único ponto de origem torna o risco de aniquilação total uma possibilidade inaceitável. Na linguagem crua de H.G. Wells, se somos apenas "animais", então a conquista do universo é "nossa pela necessidade de sobrevivermos". É o instinto biológico de dispersão e diversificação, ampliado para a escala civilizacional.


No entanto, o argumento da expansão transcende a mera sobrevivência biológica. Ele se torna um imperativo ético. Numa moralidade puramente social, a inação pode ser considerada imoral pelas suas consequências para os outros. Aplicando esse princípio à escala civilizacional, o fracasso em garantir a existência futura da humanidade é a inação suprema. Wells, ao afirmar que a conquista é movida pela necessidade de sobrevivência, implanta a ideia de que o cosmos é um campo de batalha não apenas contra forças externas, mas contra o nosso próprio potencial de estagnação e extinção. As futuras gerações, privadas de um futuro cósmico devido à nossa inação, teriam seu direito fundamental de existir comprometido. Portanto, o ato de nos aventurarmos a outros mundos não é um luxo, mas o cumprimento de um dever fiduciário cósmico. É através desta dispersão ativa da "Semente da Terra" que honramos a nossa herança e garantimos a permanência, cumprindo o primeiro mandamento do destino humano: multiplicar-se e transcender.


O Destino Cósmico: Herança e Teleologia 

Se a sobrevivência é o primeiro pilar da expansão, o segundo é o destino. O impulso para o universo não é apenas uma fuga da fragilidade da Terra, mas a busca por um propósito maior. H.G. Wells, ao oferecer o contraponto, afirma que o universo é nosso "por herança", caso sejamos "divinos". Esta divindade não se refere a uma superioridade mística, mas à manifestação da consciência e da engenhosidade humana: somos a parte do planeta capaz de projetar o futuro, de compreender e, finalmente, de habitar o cosmos. É esta capacidade que nos confere o direito inerente à conquista e ao conhecimento.

Contudo, a visão mais profunda é fornecida por Octavia Butler, que transcende a vaidade humana. Em sua Parábola do Semeador, a humanidade é reduzida a um agente, a "Semente da Terra", cujo destino inevitável é "enraizar-se entre as estrelas". Butler coloca a expansão num contexto universal onde "Sementes de Deus são tudo o que há - tudo que muda". O universo em si é o potencial ilimitado de transformação; a humanidade é apenas o vetor biológico que transporta a vida para novas terras. Nossa tarefa, portanto, não é meramente sobreviver, mas sim servir a esse imperativo biológico-cósmico. O ato de colonizar outros mundos deixa de ser uma mera ambição geopolítica e se torna a nossa função teleológica, o cumprimento da nossa razão de ser no vasto esquema da vida. É a concretização da promessa contida no próprio impulso vital.

A Consequência Galáctica: Transcendência e Esquecimento 

Se anteriormente estabelecemos a necessidade e o destino, a derradeira consequência de um futuro bem-sucedido reside na transcendência da nossa origem. Isaac Asimov, em seu ciclo Fundação, oferece um vislumbre desse futuro vasto e disperso. Quando o chanceler galáctico e Hardin discutem a "Questão da Origem"—o sistema planetário exato onde a espécie humana surgiu—, a resposta está "perdida nas brumas do passado". Este cenário não é um lamento, mas uma prova da conquista.

A conquista do universo, vista sob a lente de Asimov, significa que a humanidade atingiu um nível de dispersão e estabilidade tal que a dependência do mundo natal se tornou irrelevante. A Terra, o Pálido Ponto Azul de Sagan, transforma-se de lar em mero artefato arqueológico. O sucesso da nossa espécie não é ter evitado a extinção na Terra, mas ter tornado a existência da Terra irrelevante para a nossa sobrevivência coletiva.

Em última análise, a garantia de que a humanidade irá florescer eternamente, cumprindo seu destino de Semente da Terra, exige que o berço seja superado. É a confirmação de que a escolha de Wells foi feita: O Universo foi escolhido, e o Nada foi evitado.


Conclusão: A Escolha Existencial e a Moralidade da Ação

A jornada que se inicia com a ameaça existencial e culmina na vastidão do cosmos é definida pela máxima de H.G. Wells: “Ou o Universo, ou Nada.” Este ensaio demonstrou que essa não é uma mera hipérbole literária, mas o dilema mais fundamental que a humanidade enfrenta. O imperativo de nos aventurarmos para além do nosso planeta se manifesta em três frentes inseparáveis:

Primeiramente, como nos alertou Carl Sagan, a expansão é uma responsabilidade básica e pragmática para com a nossa espécie, uma apólice de seguro contra a fragilidade de estarmos confinados a um único ponto de origem. Em segundo lugar, como revela a parábola de Octavia Butler, ela é o cumprimento de um destino teleológico, onde a humanidade atua como a "Semente da Terra" incumbida de levar a vida e a mudança para as estrelas. Por fim, o sucesso final dessa jornada, como vislumbrado por Isaac Asimov, é a transcendência — o momento em que a origem se torna uma história esquecida, e a espécie alcança a permanência através da dispersão galáctica.

A escolha, portanto, reside em nossa ação. O impulso de conquistar o universo é a expressão mais elevada da nossa inteligência e do nosso instinto de sobrevivência. A inação, neste contexto cósmico, seria a única falha moral incontestável, pois condenaria o potencial da espécie ao "Nada", perpetuando a vulnerabilidade. Ao abraçar a conquista, a humanidade não apenas garante sua sobrevivência a longo prazo, mas cumpre sua vocação de Semente de Deus, garantindo que nossa história não termine em um ponto azul pálido, mas se enraíze, para sempre, entre as estrelas. O futuro não é algo a ser esperado; é algo a ser conquistado, mais e mais, eternamente.

Se vamos durar qualquer tempo futuro como espécie que produza descendência, vivos de alguma forma, qualquer forma que se possa imaginar como possível, é outra questão e passível de longa discussão nesse “eternamente”.


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